Airgaid, um conto de Tormenta – Parte 1
Olá rpgistas, vou trazer para vocês o conto Airgaid do meu amigo Jorge Botelho, ele é ambientado em Arton e conta a história do amor entre um paladino de Khalmyr e uma clériga de Kallyadranoch e traz revelações não canônicas sobre as duas divindades. Abaixo, seguem as palavras do Jorge e a primeira parte de Airgaid.
PALAVRAS DO AUTOR DE AIRGAID
Bem pessoal, meu nome é Jorge Botelho e esse foi o conto que eu escrevi para o edital de Crônicas da Tormenta Volume 3.
Eu não cheguei a ficar entre os finalistas, mas como fiquei menção honrosa, ele poderia ser postado na Dragão Brasil. Só que cometi um pequeno erro, eu mudava um pouco o cânone, e como uma das regras era não mudar o cânone, então era pra ele ser desclassificado. Por isso ele não pode sair na Dragão Brasil (seria injusto com quem seguiu as regras), mas como eu gostei do material, pedi para uns amigos postarem aqui no RPGista, espero que vocês gostem.
AIRGAID – Parte 1
Fazia tempo que ele não via a esposa, que ele estava nessa perseguição, nessa caçada. Eram dez meses desta busca incansável, tentando obter informações sobre a sua amada, às vezes viajava sozinho, às vezes encontrava um grupo de aventureiros e os acompanhava, sempre ajudando os necessitados, sempre falando a verdade e nunca desistindo.
As lembranças de uma vida feliz ainda o atormentavam, porque ele sabia que jamais seria totalmente feliz, nem ele e nem a sua esposa. Eles descobriram isso juntos, quando a guerra chegou ao pacato vilarejo no qual viviam. Puristas yudenianos chegaram e começariam uma chacina contra os não-humanos, que não ocorreu devido à intervenção do casal.
Rhosgar era um humano de aparência normal, não era o mais forte, nem o mais vigoroso, cabelos pretos, olhos castanhos, pele clara e sempre barba por fazer, relaxado, a preguiça de fazer a barba todos os dias era mais forte. Tinha um humor peculiar, brincalhão, gostava de pregar peças nos amigos, nunca mentindo, sempre tentando buscar o melhor lado de cada pessoa.
Ele acreditava que foi isso que chamou a atenção de Dandara, uma linda mulher de cabelos vermelhos, pele morena e olhos negros. Ela não tinha o corpo perfeito, era coberto de marcas de batalhas, possuía muito mais cicatrizes do que Rhosgar, o que demonstrava que Dandara era uma aventureira mais experiente.
Ele era morador da vila desde criança, escutou o chamado de Khalmyr para se tornar o um paladino da justiça quando completou dezoito anos de idade e anos após de ser abençoado pelo Deus da Justiça ele viu Dandara chegar cheia de ferimentos, seu cavalo ensopado de sangue mal conseguia andar por causa da exaustão, e ela carregava um símbolo que seria sinal de problemas para ele, o símbolo de Kallyadranoch, o Deus Dragão.
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Montanhas Sanguinárias, um dos locais mais perigosos de Arton, talvez só mesmo a própria Tormenta seja mais perigosa. Lar de monstros e criaturas bestiais, filhos de Megalokk. Em outras terras é normal ver águias sobrevoando o cume das montanhas, aqui pairavam grifos.
Nestas cadeias montanhosas várias criaturas poderosas fazem o seu covil, inclusive os dragões. Seres poderosos, magníficos e malignos, em sua maioria. Extremamente individualistas, normalmente não conseguem viver em companhias de outros de sua espécie, contudo, naquele momento, perto da maior montanha das Sanguinárias era possível ver não apenas uma, ou duas, mas várias daquelas criaturas e o motivo dessa revoada de dragões era uma visita que estava a caminho.
Não por coincidência, a maior montanha tem um formato de um dragão, chamada de Monte do Dragão Adormecido, medindo treze quilômetros de altura, o pico não é apenas uma montanha, mas o próprio corpo de um dragão, um Deus Dragão.
Kallyadranoch, o Deus dos Dragões, havia sido condenado ao esquecimento e seu corpo transformado em uma montanha, porém seu julgamento e punição haviam sido desfeitos parcialmente por um herói na batalha contra a Tormenta. Ele reencarnou em um corpo de uma elfa e hoje receberia uma visita do seu juiz e executor. Khalmyr, o Deus da Justiça, estava indo na forma de avatar para as Montanhas Sanguinárias.
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Rhosgar conseguia sentir que a sua busca estava chegando ao fim, de alguma forma ele sentia isso dentro de si. Depois de longas investigações por todo reino, encontrou pistas que indicavam que sua amada deveria estar dentro de um castelo abandonado, na fronteira de Yuden com Namalkah.
O seu coração batia forte, a expectativa era alta, mas ao mesmo tempo ele torcia para ser uma pista falsa, que ela não estivesse lá, pois as mesmas diziam que não havia uma mulher ali, mas uma meia-dragoa. Isto era o que ele mais temia, que ela tivesse continuado o seu caminho religioso assim como ele também o fez depois que se separaram.
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Ele ainda se lembrava da primeira conversa que teve com Dandara. Devido aos ferimentos que tinha, ela estava inconsciente quando chegou no vilarejo, e quando acordou ainda estava meio desorientada, a primeira pessoa que viu foi Rhosgar. Ele estava de pé e vestia seu equipamento completo, segurava um escudo com o símbolo de Khalmyr na sua frente. À medida que ela restabelecia seus sentidos percebeu que estava em uma enfermaria, e de acordo com os símbolos cravados nas paredes estava em uma igreja de Lena. Do lado de Rhosgar estava sua amiga de infância, Juliana que estava presente naquele momento a pedido da própria Lena, a deusa da Vida, conforme Juliana explicou tempos depois. Ela tinha criado uma zona mágica que impedia que as pessoas mentissem naquele recinto. O encantamento poderia ser desfeito, porém somente com um esforço muito grande, o que Dandara não estava em condições de fazer.
-Bom dia milady, sou Rhosgar Daraxe, paladino de Khalmyr, protetor desta vila. Você chegou faz uns três dias, cansada, ferida, quase morta. Curamos os seus ferimentos e deixamos você repousar aqui, mas não pude deixar de notar que é serva de Kallyadranoch. De acordo com as cantigas menestréis, Kallyadranoch é o ressurgido deus dos Dragões, um dos que três que se revoltou contra o Panteão e que foi punido por Khalmyr. – depois de uma breve pausa Rhosgar continuou – Confesso que fui preconceituoso e achei que fosse algum tipo de vilã que os bardos gostam de cantar em suas músicas, porém notei que sua aura não era maligna, e achei melhor esperar você acordar antes de tomar qualquer atitude.
– Bom dia… – Dandara ainda estava meio grogue – sim, você acertou paladino, sou uma serva de Kallyadranoch, o deus dragão, do poder e da magia, mas ao contrário do que você pensa, não saio viajando de vila em vila caçando e matando inocentes, nunca derramei sangue de inocente em toda minha vida. Sim, é verdade que Kally exige tributos para que os seus servos se fortaleçam, só que não é apenas sangue que ele exige, ele é um dragão, também gosta de tesouro, e como pode ver, não possuo riquezas comigo.
Rhosgar olhou para a amiga, que acenou com a cabeça, confirmando que ela não havia mentido.
-Viu? – Dandara continuou – Sua amiga confirmou o que eu disse, pode desfazer essa magia.
-Ufa – Rhosgar respirou aliviado – confesso também que tive receio de ter que te levar para as autoridades, acredito que você é mais forte e poderosa do que eu, e caso tivesse que escoltá-la para outro vilarejo para ser julgada, eu provavelmente não chegaria ao destino.
Dandara não se aguentou e riu levemente com a honestidade e o bom humor repentino do paladino. De todas as reações, aquela não era uma que ela esperava. Foi tão inesperada que ela acabou aceitando o convite de almoçar na taverna com Rhosgar e conhecer o vilarejo onde estavam.
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Rhosgar se pegou perdido nas lembranças, de quando tudo era mais simples e alegre, mas isso era passado, e ele estava na frente do castelo em ruínas, onde provavelmente ele não sairia vivo.
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-Vou ser sincero com você, eu estava esperando por isso faz um bom tempo – A voz que saía da elfa não correspondia ao corpo, era uma voz grave, poderosa que contrastava demais com o corpo franzino e mutilado, cheio de cicatrizes.
Na frente da elfa, estava Khalmyr, na forma do seu avatar tradicional. Os olhos brancos, cabelo azulado, estático, sem se abalar pelos dragões à sua volta. Todas aquelas criaturas estavam querendo queimar, congelar e derreter o carrasco de seu deus criador com as suas baforadas. A imponência daquela cena faria qualquer mortal fugir de medo, desmaiar ou até mesmo morrer.
-Então, escolheu vir aqui depois de tanto tempo do meu retorno para apenas ficar me olhando Khalmyr? Ou veio aqui para me julgar de novo, me condenar ao esquecimento? Ah, fiquei sabendo que você não pode mais fazer isso, que você não é tão forte assim. –retrucou Kally em tom de zombaria.
Kallyadranoch sabia que a presença de Khalmyr nas Montanhas Sanguinárias não era para puni-lo novamente, e ao mesmo tempo não podia deixar de debochar da perda que ele havia sofrido ao ser deposto da posição de Líder do Panteão. Queria provocar, cutucar a ferida, fazê-lo sofrer um pouco, como um dragão faz com aventureiros que invadem o seu covil. Pois era justamente isso que Khalmyr estava fazendo, invadindo o seu covil.
-Não Kallyadranoch, não vim aqui para te julgar, já o fiz uma vez em eras passadas, ninguém deve ser julgado e condenado duas vezes pelo mesmo crime. – A voz de Khalmyr era imparcial, sem alteração no tom, dura e crua.
-Eu te conheço e sei que você não veio zombar de mim, e também é quadrado demais para desobedecer Tauron para me devolver o meu corpo. – Kally não olhava para Khalmyr, desviava o olhar de propósito, não por medo do seu executor, mas por desdém e algo mais. – Então Khalmyr, diga, por que você veio?
A resposta de Khalmyr foi curta, direta e fulminante.
– Eu vim por Justiça.
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Fim da parte 1
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