Um é pouco, dois é bom, de três pra cima é demais (Ou, o Teorema do Limite Central e sua influência no rolamento de dados)
Quem já é um pouco “veterano” no RPG com certeza já ouviu falar da comparação entre lançar 1d20 (o dado clássico de Dungeons&Dragons) e lançar 3d6 (a parada de dados clássica de GURPS). Do ponto de vista do intervalo considerado, talvez fosse mais vantajoso rolar 4d6-3 ou 4d6-4, ignorando um único resultado para que possamos reproduzir a possibilidade de rolar de 1 até 20 com dados de seis lados. Entretanto, esta não é a questão.
Qual é a diferença entre as duas opções? As probabilidades.
Em um dado de vinte lados, a chance de se obter qualquer um dos valores disponíveis em cada uma das faces é a mesma, 5%. Tanto para o temido 1, quanto para o desejado 20, e até mesmo para o razoável 10 – e quaisquer outros. Logo, sucesso e fracasso podem surgir com as mesmas chances, a depender do relacionamento entre dificuldades e modificadores.
Já o lançamento de três dados de seis lados possui uma distribuição de probabilidades mais interessante. Enquanto valores extremos como 3 e 18 possuem apenas uma combinação possível de resultados cada (três 1s e três 6, respectivamente), valores mais medianos como 10 e 11 possuem mais combinações disponíveis (pode contar, se quiser), o que resulta em maior chance de que uma dessas combinações seja sorteada, o que implica em maior probabilidade de se tirar um desses valores.
texto fantasma 1
“E se eu rolasse mais dados?”, você se pergunta. Fique à vontade para contar, calcular e fazer gráficos, com quatro, cinco dados, ou mais até, de quantas faces quiser, e até misturar dados diferentes no balaio, desde que de três pra cima no total (veremos o caso de dois dados mais adiante). O aspecto geral da curva de probabilidade que vimos para 3d6 vai se repetir, talvez até apareça de forma mais nítida, especialmente se você normalizar os resultados, isto é, reduzir o intervalo dos balaios de dados a ficar entre 0 e 1, via transformações lineares – um procedimento padrão em análise gráfica, eu lhe asseguro.
E porque isso acontece? Porque todas as curvas de probabilidade, de três dados para cima, são tão parecidas? Aliás, elas lembram vagamente o formato de um sino, não é verdade? Pois é, apresento-lhe a curva de sino – não, ela não recebe esse nome por acaso -, ou como é mais conhecida na matemática: a curva gaussiana. (Curiosidade: eu, que sou físico e fiz muita conta com a gaussiana, só fui conhecer este outro nome dela, através de jogadores de RPG! =D)
texto fantasma 2
Enfim, o porquê de a curva de probabilidade de um conjunto de três ou mais dados assemelhar-se à curva gaussiana – e, quanto mais dados, mais parecido fica – deve-se a um resultado de importância fundamental no estudo da matemática probabilística e áreas correlatas, como a física estatística: é o Teorema do Limite Central (ou CLT, de Central Limit Theorem). O CLT afirma justamente que, para um conjunto de variáveis aleatórias independentes (como dados poliédricos – o resultado que se obtém na rolagem de um deles em nada afeta fisicamente o resultado dos outros), à medida em que aumentamos a quantidade destas variáveis, a distribuição de probabilidade de sua média (ou, equivalentemente, de sua soma) aproxima-se cada vez mais da distribuição normal, que nada mais é que a curva gaussiana de que falamos antes. Isto vale independentemente das distribuições de probabilidade das variáveis isoladas (como a distribuição uniforme das probabilidades de um único dado).
Podemos, portanto, chegar a uma conclusão aqui: quanto mais dados rolarmos num teste, somando os resultados, mais provavelmente obteremos com maior frequência, valores medianos para esta soma, obedecendo à curva normal. Isso também vale para o lançamento de dois dados, porém sua curva de probabilidade, embora também privilegie resultados medianos, não se assemelha com a curva de sino, lembrando mais um triângulo.
texto fantasma 3
Espero que agora esteja mais claro o porquê de um lançamento com vários dados privilegiar valores próximos ao valor médio, para a soma dos valores de suas faces, quando comparado com o lançamento de um único dado. Podem voltar às suas demais flame wars. ;D
PS: parando um pouco pra pensar, quem jogou as primeiras versões do Banco Imobiliário pode verificar que o conjunto Interlagos-Morumbi é um investimento potencialmente rentável; dada a frequência com que os jogadores vão para a prisão, ao saírem dela as chances deles caírem em uma das duas casas – e, a depender da quantidade de casas e/ou hotéis, tomar uma boa facada monetária – são significativas. Em 2d6, 7 é o resultado de maior probabilidade, e corresponde a Interlagos, saindo da casa da prisão no tabuleiro; de forma análoga, para cair em Morumbi basta tirar um 9, que tem boas chances de despontar.
Yeah!! Só que colocar a fórmula da Gaussiana vai assustar o pessoal.
A “curva de sucesso” também é bem diferente para os dois casos. Para 1d20 é uma rampa crescente, já para os 3d6 se parece com um S alongado.
Hehe, pois é 🙂 pra mim encarar uma gaussiana é algo natural.
A “curva de sucesso” seria a função cumulativa, né? Verdade, 1d20 é uma reta e os outros são curvas-S. Legal é que no anydice também dá pra visualizar essas curvas.
Já pensei em fazer um post explicando, ou tentando explicar, o impacto da escolha da parada de dados no momento que você está criando um sistema.
O problema é que é complicado abordar o assunto e deixá-lo simples para que todos entendam.
Só um exemplo. Faz sentido o custo do aumento de uma perícia permanecer constante em um sistema que usa um dado. Já para um que usa vários o que faria mais sentido é esse custo aumentar, pois os aumentos sucessivos com esse número de dados resultam em aumentos de probabilidade diferentes.
Enfim, me estrepei todo de novo tentando explicar. Espero ter conseguido passar a ideia.
Faz o post e depois linka pra cá que eu leio, é mais fácil explicar uma idéia com mais espaço, mesmo.
Eis aqui mais uma vantagem do RPG.
Sabem quando eu leria um artigo falando de curva gaussiana e calculo de probabilidades se não fosse num blog de RPG?
Nunca.
Valeu pela explicação!!
RPG é mais que cultura, é Ciência.
Eu mesmo atesto, só fui ouvir falar do termo “curva de sino” em blogs de RPG, e esse tornou-se um dos meus assuntos preferidos quando percebi que era a gaussiana.
Obrigado e volte sempre. 🙂
Muito bom o artigo! Já trabalhei muito com Gaussianas também, conhecia o termo: Curva de Sino da universidade mesmo.
Obrigado, espero poder continuar a fazer o bom trabalho.
Tenho certeza que os designers do Monopoly colocaram aquelas propriedades como sendo as mais caras/lucrativas exatamente por esse motivo. Eu vivia conseguindo comprar Interlagos, mas raramente dava a sorte de consegui o Morumbi também rs =/
Muito boa a matéria. E olha que eu nunca gostei de estudar probabilidade. 🙂
Só me falta descobrir porque conjuntos tão bons (Vieira Souto e Brooklin) ficaram lá na última rua…
E obrigado pela visita.
Bobagens. Tudo bobagens.
A questão de jogar dados já foi amplamente discutida nesse post e ficou claro que os lançamentos não tem nada a ver probabilidade.
http://rpgista.com.br/2010/02/08/aprenda-a-jogar-dados/
Verdade, o modelo M.A.N.D.I.N.G.A. é mais apropriado para situações reais, o Teorema do Limite Central é melhor em situações mais abstratas (como os dados caindo da Torre de Pisa). 🙂
esse artigo me deixou tonto, matematica é uma merda
Porque este artigo deixou-lhe confuso? E por que tal opinião sobre matemática?
Eu falei que colocar a fórmula da Gaussiana ia assustar o povo xD~!!!
Por isso gosto tanto do Tagmar, se joga com 1d20 mas se compensa o sucesso ou a falha com a tabela de resolução de ações. Sei que a tabela é assustadora para alguns e sofre algum preconceito, mas é uma forma muito interessante de se compensar essa simetria proporcional do d20.
Eu li no inicio do post que para alcançar qualquer resultado desejado no d20, teríamos 5% de chances. Isso é somente para o d20, ou as chances de 5% são para qualquer jogada de um único dado de qualquer numero?
eu só gostaria de saber como fica a fdp para 4d6- o menor