As capas do jogo
Desde que a bizonha idéia “não se compra um livro pela capa” foi devidamente questionada e surrada, vivemos tempos mais honestos. E sobre essa honestidade liberal, essa honestidade safada, divertida, abusada e exigente, que escrevo hoje. Chame sua mãe para ler (ou não)!
Coloquemos o problema gostoso da semana como: nosso já convencionado nicho do nicho do bicho que é o RPG no Brasil vive um romance mexicano com as capas de seus produtos. Ou uma novela venezuelana com lindas e sensuais andróides de tecnologia peruana. Desculpe, estou tergiversando (será que alguém já levou alguém pra cama com essa palavra? “Quero muuuuito tergiversar com você!”. Desculpe, evadi-me de novo… Hmmm… “Evadi-me”…).
Vamos lá… faça um exercício rápido e puxe pela memória as capas de seus jogos. Qual delas é a sua predileta? Ela é a capa de seu jogo predileto? Não?! Estou estupefato! (não, não vamos falar desta palavra…)
Dos anos 1990 pra cá as capas tem sofrido metamorfoses fantásticas e dado vida a um processo interessantíssimo: neste aspecto, os livros nacionais estão ficando melhores que os importados.
Antes que você, velho(a) leitor(a) American’s Soldier venha com mimimis e bubububus eu aviso que minhas considerações são totalmente absolutas e inquestionáveis. Na verdade fundamentadas em uma análise semiótica profunda e profundamente científica. É em parte mentira e em parte ridículo dizer isso, claro, mas esse papo de “é apenas a minha opinião” anda tão chato!
Deixem-me apresentar minhas considerações sob a forma de resumo:
1) Nos começo dos anos 1990 a linha World of Darkness, em tempos pré-históricos, antes da glamorização de cenas de pseudoménage à trois entre criaturas sobrenaturais dentro de barracas, reinava na arte RPGística. AD&D, o primo pobre ainda que bastante jogado antes da era da popularização de Tolkien e seus elfos surfistas de escadaria, tinha seu charme, claro, mas, trocava a seriedade abstrata das capas de Vampiro e trupe por imagens pulp de bárbaros quebrando portas e primos de Gandalf fumando cachimbos. Ok, ok… vamos acrescentar um adendo: esta era a época da moda dark, do tom funesto do fim de século, onde a porra de uma rosa sobre fundo verde era cool…
2) Em meados daquela década começaram a surgir as primeiras produções nacionais de vulto. A revista Dragão Brasil e suas edições especiais introduziram no mercado uma nova arte: a baixo-custo/cara de “PUTZ!-FODA!” local. Tal putzfodatização nacional do mercado de ilustrações externas apareceu nos trabalhos de Del Debbio e Cassaro nos respectivos Trevas/Arkanun e Invasão. Nesta mesma época, o photoshop fazia maravilhas, fundando toda uma gama de ilustrações alteradas e baseadas em imaginários conhecidos, assim como do surgimento/consolidação de desenhistas como Evandro Gregório André Vazzios (que nome massa, mermão!) e Rod(rigo) Reis. Não sei se eu já contei, mas todos eles se deram muito bem na área, trabalhando para gringos e comprando iates (certo, gente?). Infelizmente as apostas em jogos de basebol (que ninguém entende) devem ter sido o óbvio responsável por fazê-los continuar trabalhando.
3) A partir dos anos 2000 o processo de putzfodatização do mercado de ilustrações sofreu uma ruptura ou revolução: com a chegada de D&D em sua terceira edição e a expulsão da casa da mãe de todo aquele povo que jogava Vampiro e Lobisomem, a coisa se inverteu. A capa marrom-fezes do novo Livro do Jogador era suficientemente cool para permitir que seus donos andassem nos ônibus sem serem chamados de retartados sem-namorada. Ao mesmo tempo, havia a perda do valor de ser chamado de “Vampiro” ou “Bruxo” dada a decadência relativa de filmes como “Entrevista com o Vampiro” e novelas como “Vamp”. Tal processo de descapitalização de Tom Cruise e Cláudia Ohana não parece ter, contudo, afetado de início a estética da nova editora Daemon. Tanto Arkanun quanto Trevas passaram a abandonar as velhas fórmulas “anjos(as) e demônios(as) tesudos(as)” para entrar no espectro “abstrato com título dourado-que-às-vezes-desbota” da velha White Wolf. Por fim, neste mesmo período, no caos instaurado pela avacalhação e descontinuidade da Dragão Brasil, novos projetos foram surgindo, complexificando ainda mais a análise.
Agora, nos anos 10 deste século geyseônico, como herdeiros deste passado ilustrativo, estamos diante de novos contextos. O aparecimento de novos ilustradores (como Daniel Ramos e Erica Horita) e o retorno de outros (com nomes ainda mais arrombados, como “Greg Tochini”, como já disse em outra ocasião). Esta nova safra vem incorporando o que podemos chamar de moda “fuck-yeah!”, baseada tanto na monstruosidade como parâmetro definidor de novas “caras de jogo” (vide as bordas de Tormenta RPG) como numa nova perspectiva de luz e sombra para fazer reviver o padrão clássico (vide Busca Final e Old Dragon). Há ainda, claro, duas importantes linhagens. Primeiro, a mangá-animesca, que parece ter sobrevivido a inúmeras transições, com todo seu potencial “não me leve tão a sério, filho…” (vide 3D&T Alpha e aquela ilustração chifruda e saudade-de-shurato da capa de Tormenta OGL). Fruto, sem dúvida, do mesmo elixir contra-rugas de Maurício de Souza, a arte de origem japonesa só tem crescido nos mercados vinculados – revistinhas e hentais, por exemplo. A segunda linhagem é a Feita-Em-Casa, que ilustra materiais como Might Blade e… Seres do Inferno (pare de rir!). Este segundo tipo tem maior relação com a continuidade da condição econômica dos autores independentes do que com qualquer possível respeito a tradição das capas de Mulheres Machonas Armadas até os Dentes (um clássico das origens).
E os RPGs americanos, como tem se comportado? Vejamos: temos a videogamebilização inegável da estética do novo D&D (com suas capas carnavalescas com uma boa pitada “new-old” a lá “Novo He-Man”). Temos ainda um misto de economia com ilustradores e tentativa de cool-lização das capas de Mutantes & Malfeitores (com seu títulos em Word Art…). Há a tradição retrô-não-morreu de GURPS, com suas imagens genéricas
Claro que há exceções. Reinos de Ferro é um exemplo do fuck-yeah internacional. Tanto quanto a nova experiência de capa de 3D&T parece entrar em uma tentativa de saudosismo bonecológico estranho. Mas, de qualquer forma, é cada vez mais evidente uma reviravolta do mercado nacional em produzir materiais atrativos para públicos distintos, enquanto os importados parecem retroceder em suas evoluções estéticas e em seu experimentalismo. As capas do novo Mundo das Trevas não possuem mais o respaldo de um imaginário “bad-dark-boy” do fim do século passado. São apenas uma forma de encarecer o produto sem o efeito esperado. Na outra ponta, a nova leva de ilustradores tem como desafio continuar experimentando e subvertendo os padrões. Já que, agora, eles não podem mais simplesmente se inspirar num mainstream visualmente caduco.
Pronto. Já podemos voltar ao twitter. 😀
P.S.: A capa fictícia de Tormenta ao fim do post é uma montagem do amigo Marlon “Armageddon” Teske sobre a original. As demais capas aqui utilizadas são propriedade de seus respectivos ilustradores e editoras, usadas aqui com intuito de resenha. Algumas são horríveis. Todos os direitos reservados.
P.S.: O logo que ilustra o cabeçalho pertence a Pokéthulhu, jogo criado por John Ross e John Kovalic e apresentado em nosso idioma, pela primeira vez no 3º Sampa RPG, em 199-e-não-me-lembro-nem-a-pau. Nele os jogadores interpretam garotos de dez anos que controlam entidades cósmicas de bolso. Maravilha dos tempos antigos, já está em sua terceira edição lá fora…
Eu ri pra kct, valeu Mário! 😀
Muito bom o post o toque de humor deixou o texto bem gostoso de ler e as críticas são bem fundamentadas, assim como o panorama histórico
gente se puder deem uma passada no Falando de RPG.
Bem legal o texto, pra mim a capa mais triste é essa nova do 3D&T mesmo, totalmente “Não me leve a sério, ainda sou um sistema satírico” xD
Essa capa do 3D&T vai ficar foda quando a artista compor a ilustração com base no rascunho do Cassaro.
Meu pensamento é da mesma forma! Quando sair aquele “vermelhão” vocês vão ver a diferença;
Carai, podiam aproveitar essa capa alternativa sugerida montada from the hell porque ficou fodastica!
Minhas capas favoritas são:
Vampiro a Máscara 3ed.
Eberron Campains Guide 4ed.
E lógico enorme nostalgia quando vejo as capas do GURPS 3ed. só que não dá para falar que são fodas kkkk
Exagerou nas piadas (não tão boas assim), nas gírias e no inglês e acabou deixando os argumentos meio inconsistentes. A linguagem informal é legal, mas perdeu a linha e enfraqueceu o texto.
Nossa bernardo, ainda bem que alguem pensou como eu.
Juro que li tudo e o texto não me adicionou nadica, talvez essa tenha sido a proposta…
Uma pena :/
Eu sinceramente não entendi… o texto é notadamente despretencioso de propósito, logo o objetivo não era fazer piada e sim ser irônico, então to tentando entender onde teve exagero nas piadas… As gírias são normais ao autor, e eu entendi tudo apesar de não conhece-lo nem conversar com ele (o inglês por exemplo é de propósito, acho estranho que não tenha conseguido perceber).
A linguagem informal combina e é coerente no texto inteiro, a mensagem é passada com sucesso e o texto é coerente e a gramática correta dentro do proposto.
Em resumo, eu gostei bastante, foi um texto leve sobre um assunto leve e sem tentar ser presunçoso ou sério demais, mas passando a mensagem que deveria… Parabéns ao autor!
Bernardo, está convidado a escrever um artigo pra gente. Certamente você tem muito a agregar para o blog.
ignorando as trolagens, eu adorei o post. (ri alto).
E ainda me fez pensar sobre uma velha teoria sobre o GURPS, se tivesse se atualizado direito e colocado umas imagens bacanudas, tinha dominado essa nova era pós-3ed. Mas tenho que admitir que a minha capa favorita foi a do livro do mestre da terceira edição,(achei que na 3,5 eles exageraram) achei aquela chave na contra capa muito legal…