Diálogos Feéricos

 
– A música se espalha na clareira. E aqui, nas árvores, acaso só eu penso no que penso?
– Algumas coisas se pensam e se fazem sem o intermédio da palavra…
– Mas eu não poderia deixar de jogar este jogo. Ele dá novo gosto. E nada impede minhas mãos de continuar sua caminhada enquanto falo.
– Percebo.
– Há uma maciez nesta conversa.
– Não a esperava?
– Especialmente quando vago sem pressa por aqui.
– Você… Me provoca.
– O amor não é provocação?
– Isto… não é amor. Não precisa ser.
– Suas palavras se perdem nos tons.
– Talvez… eu… não… possa… me… concentrar bem, enquanto… caminhas desse jeito.
– Tem sido um passeio agradável… O que… está fazendo?
– Devolvendo-lhe o direito da viagem. Acaso não gosta de uma conversa entre meu toque e você?
– Acredito que minha satisfação já… se mostre clara.
– Verdade. Como mar e penhasco. Se importa que eu converse mais de… perto?
– Não. Eu… Posso… ver… que… tem muitas coisas… a… a… di…dizer… a mim… Um idioma delicioso esse. Um… não me olhes assim… Eu… Sim. Que posso dizer disso, se não que… tens um talento… uma vocação para o passeio com as falas… Sim. Continue… passeie, respire… Sim… Sinto que… Não é… fácil… concentrar… concentrar-me nas palavras. Em… nenhuma… delas.
– Delicioso… E vejo que tens… mais diálogo.
– Tenho mais que isso.
– Calma. Mãos andantes de repente sólidas.
– Você não quer calma.
– Tem razão. Não quero.
– Você terá o que quer.
– Per… cebo.
– Acaso… não era essa nossa pauta… central?
– Sim… Sim.. Como… não… seria? Con…tinue…
– Não pretendo… parar.
– Não pare.
– Percebo… que dialogamos… fundo… agora.
– Também… noto.
– Olhos… fechados? Por quê?
– Pare… de… falar.
– Por… quê?
– Porque… quero… prolongar o… a… a… assunto.
 

* * *

Este conto é meu primeiro exercício de 2011 para a Liga Narrativa, conjunto de blogueiros contistas que publicam sobre temas comuns a cada mês. Abril, mês das mentiras, é o início do ano contístico, sob a temática Festas.
Vamos contar histórias?
P.S.: A imagem que ilustra o post é a página de junho do Calendário Pirelli de 2004. Todos os direitos reservados. Hã? O que foi? 😀