Contato Infernal
Por Pedro Dias
Um conto sobre a prole Ekris e o começo de sua vida de infernalista.
O garoto de cabelos negros como cães selvagens estava acostumado a passar a noite esgueirando-se pelas ruas da cidade. Seus olhos negros, igualmente caninos estavam semi-abertos, olhando tediosamente para as pedras incrustadas no chão embaixo de si. Ekris tinha doze anos e já estava farto de ter que sair no meio da noite para que a mãe usasse o próprio corpo para ganhar algumas moedas, não que se importasse com a velha prostituta, mas não ter lugar garantido para si, dentro de sua própria casa, começava a incomodar-lhe. Seus passos eram lentos, como os de um gato velho que já não se interessa pelo mundo e caminha apenas para passar o tempo, Ekris levou quarenta minutos para chegar no local que mantinha como seu “abrigo noturno secreto” enquanto a mãe trabalhava.
Agora, não era mais secreto.
O esconderijo de Ekris era uma minúscula cabana feita de tábuas velhas e escuras, com muitos galhos e folhas para escondê-la. A cabana tinha dois metros quadrados e um metro e meio de altura, uma falha em uma das paredes servia de porta e havia algumas goteiras, fora isso ela não tinha aberturas. Lá dentro, o menino podia ver uma mulher com a cabeça abaixada, de aparência pobre com cabelos longos, escuros e embaraçados cobrindo o rosto, a mulher punha-se de cócoras no chão de terra seca da cabana e tinha a barriga volumosa e inchada de gravidez, apoiava-se com as duas mãos no solo e uma delas segurava uma longa agulha de metal, ela soluçava violentamente e as lágrimas escorriam rapidamente pelo rosto e despencavam próximas a vela grudada no chão com cera, a única fonte de luz no abrigo. Atrás da mulher estava uma outra “coisa”, pensou Ekris, que era baixa e corcunda, mas Ekris não conseguia ver-lhe o rosto. Eles não haviam percebido a chegada do verdadeiro dono do local e Ekris preferiu esconder-se atrás de um monte de lixo, que cobria quase toda a fachada de seu abrigo , no fundo de um beco ainda mais fundo e escuro, com ar quente e fétido. Um cão magro e sarnento dormia perto do lixo e Ekris teve o cuidado de não lhe acordar, apenas ficou quieto e abriu os olhos negros o máximo que pôde e observou atentamente a cena que acontecia dentro da cabana.
? Eu não… não quero… eu vou… vou ter o… meu… filho… – disse a mulher, interrompida constantemente por gemidos e soluços.
? Faça. – ordenou com uma voz suave e animal, que mais parecia um silvo ofídio – Assim que fizer, o acordo será selado, seu marido vai viver e você poderá ter mais filhos com ele. – a voz de criatura soava lógica e calma, e até mesmo Ekris, que começava a entender o que se passava, sentiu como se uma luz brilhasse em sua mente e as palavras da coisa faziam sentido completamente, é claro, como não pensara nisso antes?
A mulher virou a cabeça e dirigiu um olhar triste ao ser que estava atrás de si, a coisa fez um sinal firme com a cabeça encorajando a mulher a cumprir sua parte no acordo. As mãos dela tremiam como se pertencessem a uma anciã, apesar da mulher ter menos de vinte invernos. Ela respirou fundo e, apoiando-se apenas em um braço, segurou firme, o mais que pôde, a agulha com a mão direita. Abaixou a mão até tocar no chão, tirou a mão esquerda do chão e levantou levemente a saia do vestido de pano rústico que lhe caía sobre o corpo como um saco. Apertou ainda mais os dentes e, com cuidado, encaixou a ponta da agulha na entrada de seu sexo, sentindo o gelo do metal contra as paredes internas de seu corpo.
Ekris fechou os olhos.
A criatura sorriu.
A mulher empurrou a agulha com força contra o próprio ventre. Uma poça de sangue surgiu no chão da cabana. A ex-grávida caiu pesadamente no chão, de costas, com as vestes sujas de terra e sangue e pela primeira vez Ekris viu-lhe o rosto, ela era jovem e bonita, mas tinha os olhos castanhos inchados e com olheiras de quem passou muitas noites em claro vertendo lágrimas. Usava brincos pequenos e simples de metal pintado. A criatura passou cuidadosamente sobre a jovem moribunda sem pisá-la e pegou a vela do chão, encaixando-a no bocal de um castiçal. A coisa não tinha um metro de altura e lembrava um humano velho e corcunda, mas tinha a pele cinzenta e escamosa e nenhum pelo em qualquer lugar do corpo, tinha olhos vermelhos e ferozes e muitos dentes pontudos na bocarra salivante, Ekris deduziu que a criatura era um Infernal, como aqueles das histórias contadas em dias de chuva e noites escuras para assustar as crianças.
Os Infernais fazem acordos com humanos e concedem favores em troca de dor, morte e almas humanas. A mulher fez um acordo com o Infernal e pagou a alma de seu filho em troca.
? Meu… marido… – sussurrou debilmente a mulher, com todo o ar que seus pulmões fracos conseguiam puxar.
? Amanhã ele já estará melhor, e conseguirá andar dentro de uma semana. Você não vai morrer. – a voz do infernal mantinha o tom suave e ofídio, e sua fala não denunciava qualquer emoção.
A jovem se chamava Jenna, era filha de uma costureira e de um lavrador, ambos já falecidos, e tinha dezenove anos. Seu marido Willians era soldado raso da grande milícia de Cáspia e há três dias havia sofrido um profundo ferimento pela espada de um criminoso que perseguia. Agora Willians agonizava sobre um monte de palha e sua esposa estava desesperada, grávida de um filho que passaram dois anos e meio tentando fazer. Jenna pediu ao infernal que salvasse Willians e ele pediu a vida de seu filho em troca, relutante, temerosa e desesperada, Jenna concordou. Após o episódio de aborto na cabana, Willians sobreviveria sem seqüelas maiores, mas Jenna ficaria permanentemente estéril. O jovem soldado abandonaria sua esposa e fugiria de Cáspia, Jenna acabaria por cortar os próprios pulsos em sua casa pequena e suja. Os vizinhos iriam achar o corpo apenas quando o fedor de carne podre se espalhasse pelos arredores da casa, e um enxame de moscas invadisse a vizinhança. Mas Ekris jamais iria saber disso.
O Infernal saiu do esconderijo de Ekris e caminhava até a rua, Ekris paralisou-se ante a possibilidade de ser encontrado e seu sangue gelou, os poucos instantes entre a porta da cabana e o monte de lixo pareceram horas, a julgar pelo suor que escorria abundante das têmporas de Ekris. O garoto permaneceu atento, olhando o infernal com atenção nos lentos momentos até que ele fosse descoberto. O Infernal parou ao lado de Ekris e virou-se de frente para ele, o rosto cinzento expressivo, respirou fundo e abriu a boca para falar. Ekris fechou os olhos como se lhe acertassem um soco.
? Olá garoto, – disse o infernal, a voz arrastada da criatura era ainda mais assustadora de perto – qual é o seu nome?
? Ek…Ekris, senhor… – gaguejou.
? Não precisa me tratar como senhor! – a voz tinha um tom mais cordial, porém igualmente terrível – Meu nome é Balzer, e pelo que vejo você já sabe o que eu sou, não é?
Ekris sentiu os olhos encharcarem-se. “Agora eu morro!” pensou. Fitou Balzer por um instante, mais baixo que Ekris, usando roupas de couro que lhe cobriam todo o corpo, tinha à mostra apenas a cabeça e a mão que segurava a vela. “Acho que corro mais que ele…” mas logo desistiu da idéia, algo lhe dizia para manter o diálogo, e foi isso que ele fez.
? O senhor é um infernal… não é? – Ekris ainda estava muito receoso.
? Sim sou. – respondeu Balzer – Mas não se deixe levar pelas histórias que te contaram até hoje. Você sabe o que nós infernais fazemos?
? Matam pessoas? – arriscou o garoto, começava a acostumar-se com a presença alienígena de Balzer.
? Que é isso, filho? Está me chamando de assassino? – brincou Balzer em tom de acusação e Ekris sentiu as entranhas rebelarem-se dentro dele – Pessoas matam pessoas! Eu realizo desejos.
Ekris não respondeu. Esta era uma informação nova para ele. Até onde sabia as barganhas com infernais só levavam à desgraça e ao infortúnio e por alguns instantes sonhou com a possibilidade em ter suas maiores ambições realizadas sem esforço, dinheiro, garotas, um castelo… foi despertado pela voz arrastada de Balzer.
? Tenho de ir, Ekris, mais desejos a serem realizados. – o sorriso pontiagudo e afiado do infernal era motivo para qualquer um entrar em pânico. – Mas antes pegue isso e queime quando quiser realizar algum de seus desejos. Até mais meu amigo.
Balzer entregou a Ekris um cordão de couro preto com uma escama de metal servindo-lhe de pingente, havia um estranho símbolo desenhado na escama. Ekris fechou o pingente na mão e sentiu a temperatura fria do metal. Pendurou o cordão no pescoço com cuidado, “Acho bom esconder isso num lugar seguro, quem sabe quando vou precisar?”
? Boa sorte.- desejou-lhe Ekris.
Balzer deu as costas para o garoto e pôs-se a caminhar, sumindo rapidamente nas brumas da noite. Ekris voltou à cabana encontrando Jenna caída no chão, dormindo profundamente, não teve escrúpulos em aproveitar-se da garota, arrancou seu vestido, apalpou-lhe as formas macias por alguns instantes e finalmente satisfez-se no sexo sujo de sangue, Jenna nem acordou. Ekris, satisfeito, colocou de volta as calças e começou a fazer o caminho de volta para casa. O sol ainda não nascera, mas já via-se uma finíssima linha de luz vermelha no horizonte. Alguns moradores da vizinhança, conversando distraidamente enquanto cuidavam de seus afazeres matinais murmuravam coisas como “Veja o filho da velha meretriz”, mas Ekris nunca se importava com os comentários maldosos, e menos ainda esta noite. A escama de metal pendia-lhe no peito como uma medalha macabra, logo estaria livre desta vida miserável.
Logo.
Ae Pedrão, Parabéns!
Continue assim e, principalmente, continue dando "palhinhas"!!!!!
Grande Pedro, continue assim!
Até mais
Filme antigo, um demônio que vive dentro de uma safira e quando evocado realiza três desejos do seu amo. Da pior forma possível. Droga, qual o nome? T_T
De qualquer forma, curti muito o texto, que trouxe à minha mente o dito filme. =D (Sério, alguém sabe o nome disso?)
Mestre dos desejos!
Wishmaster! =D Obrigado, você porporcionou o filme para a minha sessão filme tosco de sexta-feira! =D
Esqueci-me de perguntar: pretende continuar a história em contos posteriores?
Grande filme, já "vi" duas versões dele.
Grande conto! Um clima como não tem igual! Realmente seus contos pedem continuações!