Arriscando tudo

Ok, você preparou uma campanha legal, mestrou meia dúzia de aventuras, os personagens se envolveram com os NPCs, rolaram traições e alianças, combates e vitórias, e agora a campanha está chegando ao fim. Então chega a hora de você preparar a última sessão: você checa suas anotações, verifica alguns compêndios e livros e precebe que você precisa de um encontro final. Algo memorável, que toque seus jogadores profundamente e fique marcado na mente deles por algum tempo. Simples?
É… nem tanto.

Causa e Consequência

Esse encontro final depende muito do tipo de crônica que você está rolando. Se for fantasia, provavelmente será um combate épico contra uma criatura poderosa. Se for ação moderna, talvez termine em uma perseguição de carros ou coisa assim. Terror? Os personagens enfrentarão seus piores temores. Deu pra pegar a idéia, certo?
Arriscando tudo 1
Para preparar a sessão final, o primeiro passo é saber quais os objetivos dos personagens. Possivelmente cada personagem tem um objetivo pessoal, além de existir um objetivo comum a todo o grupo. Vilões também possuem seus próprios objetivos, e saber onde cada um quer chegar é necessário para saber quem vai falhar e quem terá sucesso na sua busca.
Depois de entender os objetivos, e principalmente o objetivo principal do grupo, é hora de determinar as reais chances de sucesso e suas consequências. Supondo que o grupo precise recuperar um artefato que está em posse de um Mago-lich, sendo que este último está usando-o para fortalecer suas tropas de zumbis e marchar sobre a cidade, em busca de vingança. (exemplo de fantasia, pra variar, mas veja como definimos um objetivo para o grupo e um objetivo para o lich). Neste caso, vamos traçar as possíveis resoluções pra esse conflito:

  1. Sucesso total: Os heróis destroem o lich e recuperam o artefato, para então voltar à presença do rei e receberem sua recompensa.
  2. Sucesso parcial: Os heróis afugentam o lich, mas não o destroem. Eles perdem ou destroem o artefato, e o conflito contra o vilão ainda não foi resolvido, ou o lich destrói parte da cidade. Nessa variação, algo sai errado e nem todos os objetivos se concretizam.
  3. Falha parcial: O lich destrói/conquista a cidade, mas os heróis fogem com o artefato. Pessoas importantes morrem. Aqui a missão fracassou, mas os heróis ainda podem reorganizar suas forças para tentar recuperar parte do estrago (no caso, destronar o lich).
  4. Falha total: O lich derrota os heróis e conquista a cidade, e ainda mantém a posse do artefato. Este final precisa ser ruim o suficiente para que não exista chance nenhuma dos heróis desfazerem a cagada.
  5. Reviravolta: Acontece uma grande reviravolta que muda completamente os objetivos do grupo. Eles descobrem que o lich era o bonzinho e que o rei era o vilão, ou que havia um traidor em algum dos lados. Nessa variação, é importante saber quais serão os novos objetivos do grupo, e determinar suas possibilidades de sucesso e falha.

Perceba que tudo isso varia de acordo com a natureza da campanha. Em uma crônica de terror/horror, por exemplo, terminar a aventura vivo (e são) pode ser facilmente considerado um ‘sucesso total’.

Botando as Fichas na Mesa

Ok, vamos para o encontro propriamente dito.
Você deve estar se perguntando ‘ok, eu sei dos objetivos do meu grupo, mas como isso vai me ajudar a criar um final memorável?’. Ahá! Você precisa saber exatamente o que vai acontecer com o seu grupo caso eles falhem na sua missão, por isso é importante planejar antecipadamente todos os cenários possíveis!
O difícil de preparar qualquer tipo de final é paradoxal: deve existir uma chance de falha real, mas ao mesmo tempo isso não pode ser frustrante para os jogadores. Depois de determinar exatamente o que vai acontecer caso os jogadores tenham sucesso e o que vai acontecer caso os jogadores falhem, sinta-se livre pra abusar da sorte e rolar todos os dados de dano na frente dos jogadores, pois não haverá nada a temer. Se você é o tipo de mestre que costuma rolar tudo atrás do escudo vai notar que seus jogadores ficarão muito inquietos…
Também é importante que este encontro seja dinâmico e exija algum sacrifício dos personagens. Eu gosto de preparar essas sessões finais divididas em partes curtas, o que evita um combate monótono. No caso do lich, poderíamos ter uma fase onde os heróis combatem as minions enquanto tentam alcançar o lich propriamente dito, uma fase de combate mais tradicional, com trocas de dados de dano e magias e uma fase no estilo ‘correria’, onde o lich usa o artefato para invocar algum poder esquecido que destruirá a cidade em 1d6+4 turnos se os heróis não conseguirem reverter a situação (e como todo o bom vilão, aproveita para tentar fugir, deixando-os no velho dilema: pegar o vilão ou salvar a cidade?).

Recompensas e Epílogo

Depois da ação, hora de juntar os cacos. É aqui que entram os objetivos pessoais dos heróis. Possivelmente alguns conseguiram chegar ao fim da sua busca depois do confronto final, como o guerreiro que usa a recompensa do rei para contratar o clérigo que vai curar a doença da irmã. Para muitos jogadores, realizar estes pequenos objetivos já é uma grande recompensa, afinal, é isso que dá vida os personagens.
Também é importante mostrar aqui que o mundo mudou. Eu já caí muitas vezes no erro de fazer finais do tipo ‘e tudo voltou a ser pacífico’. Bobagem! Os jogadores querem mais é ver como seus personagens fazem a diferença no mundo, então negar isso é algo que é um tanto frustrante. Não tenha medo de mudar seu mundo de campanha. Se o final que você planejou envolve a queda de um reino e a ascenção de outro, vá em frente. Esse ‘medo’ de criar mudanças profundas geralmente acontece com mestres que jogam em cenários prontos e que querem continuar usando material oficial – algo que pode entrar em conflito com o que aconteceu na sua campanha, mas acredite: não vale a pena arriscar o final da sua crônica esperando pelas idéias dos autores oficiais do cenário. Sua diversão é mais importante que isso.

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E falando sobre mudar o mundo, isso não se resume a mudanças épicas como nesses exemplos dos mundos de fantasia. Em um cenário mais ‘realista’, a mudança acontecerá num nível mais modesto, mas deve ser suficiente para que os jogadores percebam mudanças pessoais nos personagens. Alguns antigos aliados morreram, alguns novos apareceram, alguns paradigmas foram quebrados e alguns novos surgiram. Essas mudanças devem mostrar aos jogadores que suas ações interferem no mundo de jogo, e devem ser grandes tanto numa esfera universal (o cenário) quanto numa esfera pessoal (os próprios personagens).

Considerações Finais

Nesse ano três campanhas minhas chegaram ao final, sendo duas delas em caráter definitivo (enquanto a terceira ainda terá mais um arco a ser concluído). Dessas três campanhas, duas tiveram os finais mais legais que já mestrei, enquanto a terceira teve um final bem ruim do ponto de vista dos jogadores e do meu também (e essa é a que está pra ser concluída ainda). Esse artigo foi baseado nessas experiências, e espero que ajude vocês a prepararem finais inesquecíves para as suas campanhas – e para a minha também! =)
RAUL GALLI ainda encontra tempo para escrever artigos como este!
Imagens de GENZOMAN e de divulgação do mangá/anime BERSECK.

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2 Resultados

  1. DaMRoX disse:

    Ótimas dicas! Eu realmente ainda tenho que muito que apredner sobre mestrar um ótimo RPG. =D

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