Improviso: o mago sem magia
A sessão foi marcada pra daqui a quinze minutos e você só lembrou agora? Seu computador foi hackeado por ninjas da Malásia e você perdeu toda a aventura que estava lá? Seu cachorro comeu a ficha de personagem? Nada tema! A coluna Improviso está aqui para ajudar! Toda semana um dos defensores é indicado a oferecer idéias e sugestões para aqueles momentos em que você não dispõe de tempo e tem que tirar alguma idéia da cartola o quanto antes. E falando em mágica, resolvi aproveitar a oportunidade para desenvolver uma idéia antiga…
O abracadabra mais rápido que você já viu!
3D&T é, em sua maior parte, um sistema leve e prático. Em poucos minutos, você consegue construir uma ficha de personagem, e já pode sair jogando. Existe uma parcela do sistema, entretanto, que não ajuda nem um pouco no quesito agilidade. Falo do sistema de magias.
Não que as magias em si sejam muito mais complexas que o restante das regras; em geral, magias de 3D&T possuem apenas um efeito, com detalhes definidos o suficiente para não deixar dúvidas sobre sua funcionalidade. O problema pode aparecer quando os personagens começam a ficar mais poderosos: a lista de magias é imensa, e a quantidade de detalhes pode acabar complicando o andamento do jogo, com paradas para consultar o manual básico, que além de fazer perder o clima da aventura, ainda podem desconcentrar aqueles jogadores não tão disciplinados assim.
Outro argumento válido é que tantas magias assim podem complicar mais do que ajudar um jogador ou mestre novato, que pode se perder entre tantas pequenas regras. O próprio Manual 3D&T Alpha prevê essa situação e, em sua página 79, aconselha que os jogadores novatos joguem sem magos por algumas vezes antes de se aventurar pelos caminhos da magia. Mas será que precisa ser esse “oito ou oitenta”? Ou você lida com um caminhão de regras específicas, ou simplesmente não usa magia? E o mestre, coitado, que tem que saber todas as magias de todos os personagens e NPCs, como faz? Será que não existe mesmo uma forma mais simples de usar “magia”?
Outra característica fantástica do 3D&T é a possibilidade de você personalizar seus ataques. Não interessa se você está usando uma cápsula do poder, arremessando uma kunai ou usando um lança-granadas – enquanto seu Poder de Fogo e Habilidade forem os mesmos, a quantidade de dano causado não se altera.
O que torna interessante a escolha de um personagem mago? Ora, com magia você consegue “quebrar regras” que normalmente não poderia: existem criaturas, por exemplo, que só são afetadas por magia, enquanto outras magias permitem manobras impossíveis de se realizar com as demais regras. Será mesmo? Vamos analisar o que dá pra fazer com as regras normais, e uma ou duas alterações rápidas.
“Como assim, o vilão usa um enxame de abelhas vermelhas? Que magia faz isso? Não tá no manual!”
Vamos nos fazer valer da grande liberdade interpretativa citada anteriormente e tentar construir um personagem mago sem comprar nenhuma das vantagens mágicas existentes. O primeiro passo é a questão do tipo de dano: eles existem atualmente em três tipos – físico (corte, perfuração e esmagamento), energético (fogo, frio, elétrico, químico e sônico) e mágico (que originalmente, você recebe automaticamente quando compra uma vantagem mágica). Nesse caso, vejo duas soluções, de pronto: ou apenas admite-se que um personagem mago pode escolher quando quer que seus ataques sejam considerados mágicos (e o dano mágico é considerado mais um tipo de dano para personalizar F ou PdF), ou cria-se uma nova vantagem “Magia”, ao custo de 1 ponto, que propicie esse benefício. E pronto. Seu personagem pode usar até uma Desert Eagle mágica se quiser, agora.
E se você perceber a enorme gama de possibilidades que essa simples houserule abre, quando aliada às vantagens, pode-se simular muito efeitos “antes impossíveis de se fazer sem vantagens mágicas”. A vantagem Adaptador, por exemplo, torna o personagem um verdadeiro mago elementalista. A partir de então, é tudo descrição: aquela “tempestade de raios que surge das mãos do vilão” é apenas um ataque com PdF2 (Elétrico). Se em seguida ele dispara uma bola de fogo explosiva, não é nada mais do que um Ataque Especial (PdF; Amplo). Uma “chuva de meteoros”? Tiro Múltiplo. “Espadas-dançarinas-que-atacam-sozinhas”? Ataque Múltiplo. Tudo “magia” – a única coisa que muda é considerar esse dano como mágico. Esse tipo de abordagem faz com que os magos sejam personagens mais efetivos em outras tarefas, que não apenas atacar à distância enquanto os colegas o protegem. Dessa forma, o mago pode ser também um combatente, até!
Outras manobras que não são ataques simples também podem ser facilmente simuladas. Na verdade, a maioria das vantagens já faz isso muito bem, principalmente se o mestre for flexível. Vamos analisar algumas combinações interessantes.
• Deflexão, Reflexão. Um genérico “escudo de luz” pode ser invocado pela vantagem Deflexão e, talvez com algum gasto extra em PMs, seja possível defender ataques em outros personagens.
• Aliado. Perfeita para magos invocadores. Compre diversos aliados, com vantagens únicas incomuns. Com autorização do mestre, pode ser possível invoca-los por um custo em PMs (metade da pontuação total do aliado, talvez). Ainda pode ser possível que esses aliados tenham uma quantidade de pontos reajustável (como acontece em Criatura Mágica) ou, caso não seja possível, que eles tenham Forma Alternativa.
• Teleporte + Patrono ou Riqueza. Perfeita combinação para magos que lidem com dobras espaciais e conjurações, seja transportando a si mesmo (e aos outros, com permissão do mestre), seja conjurando objetos para uso pessoal (usando a mecânica da vantagem Patrono/Riqueza).
• Ataque Especial (todos), Tiro Múltiplo, Ataque Múltiplo, Adaptador. Vantagens perfeitas para magos de combate.
• Poder Oculto. Serve tanto para o próprio mago, quanto pode servir para os aliados do mago, se o mestre permitir. Caso seja possível a segunda opção, é o mago quem deve se concentrar a quantidade de turnos necessária.
• Perícias. Sim, elas também entram! Muitas magias podem ser simuladas com o uso de perícias em conjunto a um gasto em PMs, dependendo da dificuldade da tarefa: desde influência mental, com Manipulação e Artes, até cura mágica, com Medicina (e Clericato). Rastreios podem ser feitos com Investigação, enquanto que com Sobrevivência você pode “conjurar comida e água”. Os usos são praticamente infindáveis. Nesse caso, quando o efeito for “mágico”, gasta-se PMs para ativa-lo (não necessita de testes); quando o efeito for “mundano”, testa-se a perícia normalmente.
• Outras vantagens. Existem outras vantagens que são praticamente magias por si mesmas, como Telepatia, Área de Batalha, Separação, Sentidos Especiais, Toque de Energia, Vôo e Xamã, por exemplo. É pura questão de interpretação na hora de usar as vantagens. Os efeitos mecânicos são os mesmos.
E mais! E Mais!
Essa abordagem do sistema permite que sobre pelo menos mais 1 ponto para os personagens magos, que pode ser guardado para investimentos futuros, comprar uma vantagem ou então permitir combinações mais mirabolantes – se você ainda não está convencido da gama enorme de possibilidades, quatro palavras vão abrir seus olhos agora: Manual do Aventureiro Alpha. Imagine essas regras em combinação com os poderes de alguns kits de lá.
A seguir, mais algumas vantagens alternativas que podem funcionar nessa abordagem:
Dano Contínuo (1 ponto): seus ataques deixam alguma espécie de agente causador de dano no adversário, mesmo depois que você cessa. A fonte do dano é escolhida por você quando for atacar: pode ser veneno, fadiga ou o que mais inventar. A vítima tem direito a um teste de Resistência para evitar o dano contínuo, e ela ainda pode defender o ataque original normalmente. Cada ponto de dano contínuo requer o gasto de 2PMs (assim, para deixar um dano contínuo de 2PVs por turno, você precisa gastar 4PMs). O dano contínuo dura um número de turnos igual à Habilidade do atacante.
Desgastar (1 ponto): você pode escolher quando quer que seus ataques causem dano nos Pontos de Vida ou nos Pontos de Magia da vítima. Você deve declarar antes do ataque qual dos dois deseja afetar. Se não declarar, considera-se os Pontos de Vida. O alvo pode defender os ataques normalmente.
Defeito (Variável): você é capaz de fazer com que um alvo sofra os efeitos de uma desvantagem específica escolhida no momento em que você compra essa vantagem. O custo depende da desvantagem que você escolher: uma desvantagem de –2 pontos custa 2 pontos de personagem, uma desvantagem de –1, custa um ponto. Nenhuma desvantagem pode ser comprada por menos de 1 ponto (nem mesmo as de 0 pontos). Você deve gastar um número de PMs igual ao custo da desvantagem para utiliza-la (assim, caso você compre Defeito (Assombrado), vai pagar 2 pontos de personagem, e gastará 2 PMs toda vez que for utiliza-la). Para usar Defeito, gaste o valor necessário em PMs. O alvo tem direito a um teste de Resistência para negar o efeito (cumulativo com o bônus de Resistência a Magia) e, caso falhe, sofre os efeitos da desvantagem por um número de turnos igual à Resistência do atacante.
Por fim, uma personagem pronta, feita segundo esse padrão:
Lindóia e os espíritos negros
“Existe a lenda de que, no seio daquela mata que serpenteia os arredores da cidade há uma bruxa chamada Lindóia. Ninguém sabe se esse é mesmo o nome dela, mas é assim que a chamam, desde muito antes do meu avô nascer. Lá, naquela mata, ela é a única rainha, e ninguém lhe toma o lugar. Dizem que ela conhece os segredos da vida e da morte, e é capaz de fazer nascer um braço novo, se você perder. Acontece que ela é arisca: não deixa que ninguém se aprofunde demais no domínio dela. Ela encanta os bichos pra matar, e também tem uma fera guardiã, que o povo chama de Predadora. Os mais velhos dizem também que ela domina uns demoniozinhos elementais endiabrados, capazes de fazer tudo pra saciar sua sede de sangue. Eles chamam essa turba barulhenta de ‘Corja Elemental’. Se eles existem mesmo ou não, eu prefiro nunca descobrir, mas que, nas noites sem lua eu ouço, bem baixinho, um barulho de festa e um farfalhar vindo de dentro da mata, ai! Eu juro que ouço…”.
– Antunes do Passoverde, nativo, sobre a lenda da feiticeira Lindóia.
Lindóia (12 Pts): F0, H3, R2, A1, PdF5; 10 PVs, 10 PMs; Adaptador (1 pt), Forma Alternativa: Predadora (2 pts), Magia (1 pt), Perícia Sobrevivência (2 pts); Código de Honra da Derrota (-1 pt), Fobia: demônios (-1 pt), Inculto (-1pt), Insano: Paranóico (-1 pt), Má Fama (-1 pt).
Forma Alternativa: Predadora (12 pts): F2, H2, R4, A2, PdF0; 20 PVs, 20 PMs; Aliado: Corja Elemental (1 pt), Ataque Múltiplo (1 pt); Forma Alternativa: Lindóia (2 pts), Magia (1 pt), Perícia Sobrevivência (2 pts); Código de Honra da Derrota (-1 pt), Fobia: demônios (-1 pt), Inculto (-1pt), Insano: Paranóico (-1 pt), Má Fama (-1 pt), Monstruoso, Modelo Especial.
Corja Elemental (10 Pts): F1, H2, R2, A1, PdF2; 10 PVs, 10 PMs; Nanomorfo (3 pts); Aceleração (1 pt), Tiro Múltiplo (2 pts); Código de Honra da Arena: centros urbanos (-1 pt), Homicida (-2 pts), Inculto (-1pt), Má Fama (-1 pt).
Espero que esse ensaio ajude a fazer refletir a respeito da funcionalidade e interpretação dos elementos do 3D&T. E vocês, que alternativas usam para inovar os personagens? Já fizeram algo parecido com o proposto pelo artigo?
Amigos, por hoje é só. Gostaria de agradecer ao amigo Ranger Fantasma pela indicação; e passo a bola do próximo improviso para o nosso maligno Ranger Macabro.
As imagens utilizadas nesse artigo são de autoria de Andrebdois e Eduardo Cardeñas.
Realmente, a Magia nunca foi algo muito util em 3D&T visto que a principal temática dos atributos/vantagens seria ser totalmente genérico.. =P
Eu já estava a algum tempo pensando nisso, principalmente depois de ver o sistema de magia de alguns sistemas mais indies onde usavam isso de Pericia+magia=magica.
Ou seja, adaptando porcamente (Ou não) pra 3D&T, o Mago ganharia um atributo extra chamado “Magia” e ele que seria o utilizado no lugar da Habilidade quando quisesse algo mágico. (Ao custo de PMs, claro) Logo um mago com Escalar talvez não fosse um alpinista, mas sim tivesse levitação capaz de subir objetos, e a dificuldade do teste seria justamente a dificuldade de manter a magia até o alto do local escolhido, etc..
Ah, aliás, discordo do uso dos KITs, pelo menos os do manual oficial. Eles não foram feitos pra essas regras e por isso diversos poderes podem acabar ficando confusoso, como os de pegar magias extras ou dividir o custo dos PMs, que são os mais comuns pra magos.
Bem manera a idéia, lembra aquele True20, que transformou as magias em talentos.
Eu tenho medo dum mago desse. Muito.
Olá!
Que idéia sensacional! Fodona!
Até and Bye…
Aliás, lendo “Mago sem magia” e “cavaleiros” na mesma linha (na minha caixa de e-mail) me veio uma ideia: acho que essa mecânica funcionaria bem numa adaptação de Cavaleiros do Zodíaco…