Tormenta: mais ou menos devoto… parte 1

Há muito material disponível em Tormenta sobre como interpretar personagens ligados ao sagrado: clérigos, druidas, paladinos, etc. O Manual do Devoto faz um excelente trabalho nesse sentido. Mas sabem o que realmente falta? Como exatamente interpretar um personagem que é mais ou menos devoto. O que é engraçado, porque no mundo real ser mais ou menos devoto de uma religião é o padrão, e vocês sabem disso. Nós até temos um nome para isso: não-praticante.
O não-praticante é o cara que se identifica com uma religião, normalmente por ter crescido em uma sociedade devota daquela religião, mas na maior parte do tempo não está nem aí para as práticas religiosas. Ele é o cristão que não vai vai na missa todo domingo, ou o muçulmano que “esquece” de jejuar alguns dias durante o mês do Ramadã, o judeu que se amarra num churrasco de porco, e por aí vai.
No entanto, mesmo o não-praticante ocasionalmente participa dos rituais religiosos e tem seu próprio conjunto de práticas pessoais. Por exemplo, mesmo um cristão não-praticante pode observar o costume de não comer carne vermelha durante a sexta-feira santa, uma muçulmana não-praticante pode usar alegremente o hijab, e um judeu irá fazer o Bar/Bat Mitzvah de todos os seus filhos sem falta. Então, é preciso pensar bem nos tipos de rituais e práticas religiosas que seu personagem devoto observa. Tais práticas podem ser inspiradas nas obrigações e restrições dos servos divinos, adaptadas como dias santos e festivais. Por exemplo, em uma comunidade que seja devota de Hynnin pode haver um festival de pique-esconde anual em honra ao deus dos ladrões, enquanto um devoto de Valkaria pode observar uma peregrinação anual para algum lugar novo (que ele considera como suas merecidas férias).
Claro que festivais e peregrinações são eventos legais, mas não são tudo que um não-praticante faz (ocasionalmente). Em geral, sua devoção meia-boca se manifesta em pequenos rituais do dia a dia que você pode usar para dar mais sabor à sua interpretação. Seu devoto de Nimb, por exemplo, pode ter uma série de superstições pessoais como as que existem em Fortuna, jogando sal sobre o ombro direito antes de cruzar uma ponte ou repetir três vezes “não há lugar como o lar” e bater os calcanhares quando precisar de sorte para escapar de uma situação ruim.
Se você não estiver no clima para pensar nos rituais e práticas religiosas para seu personagem devoto pero no mucho, aqui vão algumas sugestões para cinco deuses do Panteão. Os outros 15 virão na segunda parte deste artigo!
Allihanna: rituais da deusa da natureza costumam envolver gentileza com animais e com a natureza como um todo, como por exemplo um ritual que envolve plantar uma árvore quando um filho nascer ou dar a uma criança um filhote de algum animal para que ela cuide dele e forme um laço espiritual. Já festivais envolvem eventos naturais, como a chegada da primavera, solstícios, colheitas, etc. Peregrinações não são muito comuns, pois a deusa é mais cultuada localmente do que como globalmente (especialmente considerando sob quantos aspectos diferentes a deusa é cultuada), mas quando ocorrem, costumam envolver localidades próximas. Escalar uma montanha uma vez na vida, por exemplo, pode ser uma peregrinação para um aspecto de Alihanna como a Grande Águia Sagrada.
Azgher: o deus-sol possui uma série de rituais, festivais e peregrinações já descritos no lore de Tormenta, seus devotos são conhecidos por jamais mostrar o rosto exceto em seus funerais, por doar todo o ouro que adquirem para os clérigos de Azgher, que então o fundem a uma grande piramide no meio do deserto da perdição em um grande festival/peregrinação durante os solstícios. Além disso, outros costumes podem ser adicionados, como festas locais durante solstícios, vigílias contra as crias de Tenebra em noites de lua cheia, etc.
Hynnin: é raro encontrar comunidades que venerem Hynnin, que carrega o estigma de ser o deus dos ladrões, mas sendo membro do Panteão, mesmo ele pode ter festivais e rituais próprios que são observados em comunidades através de Arton. Especialmente quando essas comunidades não fazem a menor ideia de que estão realizando um ritual religiosa em honra a Hynnin. Por exemplo, um clérigo de Hynnin poderia convencer uma comunidade de halflings a realizar um festival de pique-esconde, com prêmios aos primeiros colocados e então enviar uma mensagem secreta aos devotos de Hynnin sobre o festival ser um ritual ao deus dos ladrões.
Kallyadranoch: apenas recentemente retornando ao Panteão após séculos esquecido, o deus dos dragões, poder e tirania não possui tradições estabelecidas, mas isto apenas significa que estas tradições estão sendo estabelecidas neste momento. Por exemplo, os sacrifícios feitos a Kallyadranoch quando um de seus clérigos passa de nível podem se tornar um evento marcante para uma comunidade devota do deus dos dragões, podendo servir como ritual da maioridade onde os pais sacrificam tesouros ou um humanoide inteligente a Kallyadranoch para garantir uma vida adulta próspera para seus filhos.
Keenn: muitos dos rituais do deus da guerra envolvem combates, obviamente, e alguns deles são mostrados em O Terceiro Deus durante o casamento de Shivara e Mitkov e as andanças de Vanessa através do Reinado. Mas é pouco provável que um devoto não-praticante se arrisque em combates até a morte por sua fé, não é verdade? Em vez disso, é provável que o ponto central das práticas religiosas de Keenn envolva uma vida marcial. Logo, um ritual do dia-a-dia pode envolver limpar armas e armaduras (como uma espécie de oração), uma comunidade de devotos pode ter uma “missa” semanal que na verdade é um treinamento marcial comunal, por exemplo. Reencenamentos de batalhas famosas do passado também seriam uma atividade comum para festivais, e peregrinações comuns também incluiriam visitas a locais de batalhas antigas.
 

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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4 Resultados

  1. Flávio Valladão disse:

    Excelente artigo. A forte influência (e interferência) divina em Arton é tão forte que é bem complicado encontrarmos pessoas, raças ou comunidades que sejam totalmente indiferentes à religião, ou não tomem uma posição sobre ela (mesmo Sallistick, é famosa por ser o “reino sem deuses”, o que os torna um bom exemplo de como Arton está envolvida com religião) dessa forma, concordo que deve haver uma massa considerável de não praticantes, e na minha opinião, muitos “meio-devotos” de vários deuses ao mesmo tempo. Mesmo em nosso mundo há cristãos superticiosos, ou evangélicos frequentando missas de sétimo dia de conhecidos falecidos. Seja por tradição, conveniência ou simpatia por algum aspecto daquele culto, os “mais ou menos devotos”são realidade em Arton e por aqui tb!
    Essa abertura fornece a mestres e jogadores excelente oportunidade para aventuras clericais, onde clérigos exploram não somente o lado aventureiro, mas como pregadores, executando “side-missions” para seus deuses convertendo comunidades ou indivíduos “mais ou menos devotos” à sua verdadeira fé (lembro que Vanessa fez isso em uma Vila durante a trilogia)

    • Vitor Faccio disse:

      Essa ideia de meio-devotos é bastante interessante. Recentemente, utilizei o talento “Sincretismo” em um NPC na minha campanha, e ele se tornou um clérigo de Azgher capaz de curas naturais e mágicas que deixaria qualquer devota de Lena de queixo caído. Entretanto, sua fé no Deus-Sol fala mais alto e ele se vê na obrigação de cobrar por seus serviços, para assim sempre ter boas quantidades de ouro para anexar ao Grande Sol do Deserto da Perdição!

  2. Bruno Kopte disse:

    Eu lembro de um “Pregador” que lidava com isso duma forma bem divertida. Justamente por causa dessa classe que me interessei em pesquisar mais sobre isso, e descobri diferença entre monolatria e políteismo. Eu tinha a impressão de que ter um deus específico na ficha era uma abstração de regras e requerimento pra classes divinas, mas a maioria de Arton fazia rituais pra mais de um aqui e ali.

  3. Pedro disse:

    Adorei as ideias da postagem! To doido para ver os próximos, se vc pensar os gregos eram pero no mucho devotos de muitos deuses, o que seria provável num mundo como Tormenta.
    Imagine, antes da guerra toda uma comunidade faria um treinamento marcial como o que citou para trazer boa sorte na guerra. Pessoas desesperadas por entes que partiram poderiam orar para Thyatis clamando por uma segunda chance.
    Outra ideia seria pensar como esses devotos são tratados nos mundos dos deuses.
    Enfim, só alguns comentários. Abraço!

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