O aterrorizante mundo de Megamind
Quando visito a casa da minha mãe, no interior, não há muito para se fazer. Não há internet e a seleção de filmes e jogos que tenho aqui sempre se mostra insuficientes para o tempo de visita. Por isso, em meio ao tédio, acabo assistindo os mesmos filmes diversas vezes, entre eles um dos meus preferidos é Megamind, um excelente filme de 2010. Mas após vê-lo várias vezes, uma série de detalhes aterrorizantes do mundo mostrado no filme de comédia ficou evidente, especialmente na introdução do filme.
O Diretor da Prisão
Imagine que você é o diretor de uma prisão de segurança máxima. Se uma nave espacial cair no pátio e dentro dela estiverem duas formas de vida alienígenas inteligentes, é bem provável que você fique sabendo disso, certo? Quero dizer, não é padrão colocar guardas para vigiar os detentos, para evitar brigas e tentativas de fuga e todo tipo de coisas que acontecem quando você junta criminosos num espaço confinado? Mas aparentemente as torres de vigia estão vazias, e além dos detentos ninguém nota a espetacular chegada da nave de Megamind. A existência dele só é descoberta depois de semanas ou meses, quando o bebê Megamind ajuda seus “irmãos” em uma fuga da prisão, se é que ele compreende que aquela é uma prisão, e não, como ele cita várias vezes ao longo do filme, sua “casa”. Imagina-se que um bebê alienígena descoberto num lugar assim seria imediatamente levado para uma instalação militar para estudos ou talvez, se a história se tornasse pública, para ser criado por uma família adotiva escolhida a dedo e vigiado de perto pelo Estado ou mesmo pela ONU para o resto da vida, certo? Mas não, contra toda a lógica possível, ele é mantido na cadeia onde estava como um prisioneiro.
Como tudo isso é possível?
Bem, embora incompetência extrema seja uma possibilidade para explicar como a chegada de Megamind passou despercebida, o diretor parece ser um cara sério e dedicado ao seu trabalho e não alguém desleixado. Há uma explicação melhor. Nos EUA, onde a fictícia cidade de Metro City fica, há enormes corporações cujo negócio é a privatização de prisões. Estas cadeias privadas são conhecidas pelas condições inumanas para detentos e pelo quadro diminuto de pessoal, com casos de até dois guardas cuidando de mais de duzentos prisioneiros. Ou seja, não havia nenhum guarda observando o pátio, ou fazendo revistas nas celas em que um bebê alienígena azul seria facilmente encontrado, porque não há guardas o bastante para isto! A prisão é privatizada e o quadro de funcionários é diminuto para economizar uns trocados!
Isso também ajuda a explicar como que, após ser descoberto, o bebê Megamind permaneceu na prisão. Se você é uma corporação multibilionária em um mercado onde você é contratado apenas quando consegue garantir o menor preço, você deixaria escapar a possibilidade de um contrato para cuidar de um único detento que garante um pagamento equivalente a uma população carcerária inteira? Ou seja, essa corporação provavelmente pintou o bebê Megamind como um perigo para a sociedade ao mesmo tempo em que fez lobby para ficar responsável por conter essa “terrível ameaça”.
E o pior de tudo? O diretor da prisão, que fez com que Megamind tivesse uma infância terrível em algemas, experimentos e sabe Deus o que mais em nome do lucro, é visto pelo protagonista do filme como uma espécie de figura paterna! Holy shit!
A professora da escola
É fácil rir dos diversos escorregões de pronúncia de Megamind ao longo do filme. A raiz desse problema é explicada sutilmente logo na introdução. Depois de alguns anos na cadeia, ele é levado para uma escola construída imediatamente ao lado da cadeia, uma “escola para crianças superdotadas”. Considerando a presença do jovem Metroman, e, portanto, a oportunidade de educar não uma, mas duas crianças alienígenas, é seguro imaginar que os melhores professores do mundo provavelmente se estapearam pelo emprego.
Você nem precisa se colocar no lugar de um professor neste caso, só analise a situação como um ser humano: uma criança órfã muito especial em condições de vida muito difíceis tenta desesperadamente ser aceita e fazer amigos, mas é vítima de óbvio bullying das outras crianças. Um ser humano moralmente correto faria de tudo para ajudar uma criança assim, e um professor tem o dever profissional, e o treinamento adequado, para ajudar uma criança assim.
Em vez disto o arremedo de professora deixa o bullying acontecer livremente, não apenas não apóia as iniciativas do jovem Megamind para se integrar, mas puni o fracasso dessas iniciativas, e talvez do ponto de vista da criança a iniciativa da integração em si, e pior ainda, permite que outro aluno seja o responsável por realizar a punição, criando um sentimento de inferioridade permanente no pobre azulzinho. E quando essa criança atormentada faz uma travessura menor, o que a professora faz? Ela o abandona. Poxa, ela deve ser a pior professora do mundo, certo?
A menos que ela nem mesmo seja uma professora. O que me leva a…
O Mestre nas Sombras
Ok. Imagine que você faz parte do Conselho de Segurança da ONU. Nos últimos meses foi descoberto que duas naves espaciais chegaram trazendo bebês alienígenas de planetas distintos. Um deles não é nem será uma ameaça a segurança da Terra. O outro, mesmo agora, poderia massacrar os exércitos combinados das nações unidas e tomar o planeta de assalto. Ele é indestrutível, superforte, pode voar livremente e dispara lasers poderosos a partir dos olhos. Confronto não é uma opção, então como lidar com alguém assim?
Quem acompanhou a série Esquadrão Supremo, publicada na revista Marvel MAX no Brasil, já deve imaginar a resposta. Você manipula toda a vida dele e o transforma em um super-herói/soldado a seu serviço. Mas como todo herói precisa de um vilão, você encontra uma utilidade para a outra criança: torne ela a vilã para o faz de contas que está sendo preparado. O diretor da prisão e a professora da escola são apenas peças no jogo que o governo faz com Metroman e Megamind, manipulando ambos por décadas para torná-los herói e vilão, assumindo seus papéis no teatro de marionetes definidos naquela tarde no Conselho de Segurança.
As situações absurdas vistas no filme todas corroboram para essa teoria. Como diabos mesmo uma corporação multibilionária de cadeias privadas poderia convencer o governo a lhe entregar um alienígena se isto não fosse o que o governo tivesse planejado em primeiro lugar. Afinal de contas, prisões sempre foram e sempre serão universidades do crime, que lugar melhor para criar um futuro vilão? Mas e se não funcionar e ele estiver tentando ser um bom garoto? Hora, envie-o para uma escola onde a professora na verdade é uma agente de inteligência altamente treinada que vai garantir que ele sofra tanto rejeição da sociedade quanto direcione sua mágoa contra o “herói”.
Não nos é mostrado no filme muito sobre a vida de Metroman, mas provavelmente é seguro imaginar que ele tenha recebido o mesmo tratamento de manipulação dos eventos em sua vida que Megamind, ainda que de forma inversa. Não é a toa que se descobre que ele nunca desejou ser um super-herói em determinado momento do filme, a opção foi feita por ele muito antes sequer de ele aprender as primeiras palavras.
Conclusão
Talvez o tédio esteja me fazendo pensar demais sobre um filme que deveria ser simples e satírico, é claro. Mas vamos e convenhamos, há coisa mais nerd que pensar demais sobre filmes de super-heróis que deveriam ser simples e satíricos? 🙂
Sinceramente, acho essa tentativa de explicar as coisas extremamente desnecessária.
Buscar lógica nesse tipo de filme é o mesmo que procurar por lógica nos quadrinhos. Principalmente porque é um filme feito para agradar crianças e jovens que gostam de animações. Algumas coisas ali só jovens entendem enquanto para a criança passa despercebido.
Então, como exercício de imaginação ok. Mas eu não fico muito pensando nesse tipo de coisa. Dá até para entender que pelo fato de não ter tanto o que fazer tu foi levado a fazer isso. =D
Esqueci de comentar que adoro a trilha sonora do filme. =D
Nume, eu te entendo completamente, e embora não tenha chegado à profundidade de deduções sobre a natureza subjacente do filme, confesso que faz sentido. Muitos roteiros de filmes (especialmente comédias, ou que tenham elementos cômicos) me levam a este exercício mental, completamente inútil e apaixonante. Pode não ser importante, mas é uma forma melhor de passar o tempo que fumando crack.
E não apenas faz sentido, como parece um ponto de partida SEN-SA-CIO-NAL para uma campanha.