Resenha: O Mundo de Arton

 João Paulo Francisconi é um dos autores do livro Bestiário de Arton, publicado pela Jambô Editora, responsável pela publicação da linha Tormenta RPG. A resenha a seguir foi feita de forma independente e não representa qualquer tipo de vínculo comercial entre o blog RPGista e a Jambô Editora.
 

Capa da caixa O Mundo de Arton

Capa da caixa O Mundo de Arton


O Mundo de Arton foi um lançamento muito esperado para o começo de 2013. Não apenas era a primeira caixa de Tormenta, mas muitos comentários através internet aumentaram bastante a ansiedade para o livro, que prometia material há muito esperado. A caixa é composta por seis itens: um livro de 64 páginas, O Mundo de Arton, outro de 48 páginas, Panteão, um mapa gigante detalhado de Arton e três cartelas com os símbolos sagrados dos deuses maiores e o armorial das três coalizões de reinos de Arton. Apesar das poucas páginas, vale notar que os livros possuem um tamanho da fonte muito menor que a média de outros livros de Tormenta RPG, se tivessem a fonte no tamanho padrão os livros provavelmente seriam entre 50% e 70% maiores.
O Mundo de Arton é um livro misto para jogadores e mestres. Ele começa com descrições resumidas de todos os reinos já conhecidos de Arton, agora divididos nas três coalizões conhecidas: Reinado, Império de Tauron e Liga Independente, além do mundo subterrâneo representado por Doherimm. Os reinos são apresentados em um formato reduzido, um ou dois parágrafos de descrição, trazendo também uma atualização de cada reino com relação aos acontecimentos mais recentes dos romances e grandes aventuras. Além da descrição cada reino tem uma pequena “ficha”, com características físicas, clima, cidades de destaque, população (porcentagem da população pertencente a cada raça), divindades principais e o atual regente.
No geral esta parte do livro é bem apresentada, com alguns problemas menores, como a porcentagem da população de minotauros no Império de Tauron. A primeira porcentagem de minotauros em Tapista apresentada há dez anos no antigo Reinado ficou inalterada em 54%, mas de alguma maneira ela subiu em todos os outros reinos. Como exatamente Tapista conseguiu não apenas manter uma população estável, mas aumentá-la enquanto enfrentou um ataque do Dragão da Tormenta em sua capital e então entrou em uma sangrenta guerra contra o Reinado é um mistério que provavelmente nunca será respondido de maneira satisfatória.
Em seguida temos os talentos nativos. Ao contrário dos antigos talentos nativos, algumas das restrições caíram, você ainda precisa ser nativo de determinado reino como pré-requisito, mas não é mais proibido escolher estes talentos fora da criação do personagem. Os talentos se tornaram mais poderosos, mas agora você não ganha um talento nativo gratuito no 1º nível, mas os compram com talentos normais. E para terminar, há um talento chamado Adaptação Cultural que permite que você escolha talentos nativos de qualquer reino.
Dos talentos nativos, os que mais chamam atenção são Apóstata, Arma Dupla e Prosperidade. Apóstata, para conjuradores arcanos nativos de Portsmouth, aumenta o BBA dessas classes de metade do nível para 3/4 do nível (como o ladino), sendo especialmente útil para magos de combate. Arma Dupla diminui a penalidade em 2 para Combater com Duas Armas, chegando até mesmo a receber isto como bônus no ataque quando adquire Combater com Duas Armas Maior, mas apenas para armas duplas. Já Prosperidade é talvez o talento mais poderoso de todos. Aumentando o tesouro médio do personagem que recebe o valor do tesouro inicial do nível anterior cada vez que passa de nível, Prosperidade faz com que seu personagem passe de um tesouro de 260 mil TO no 20º para mais de um milhão de TO. Como a maneira escolhida para diminuir o número de itens mágicos em Tormenta RPG foi diminuir o tesouro dos personagens, este talento quase quadruplica o tesouro do personagem e o torna mais poderoso do que você imaginaria. Os outros talentos são, em geral, interessantes e equilibrados e apenas estes três me chamaram mais a atenção em termos de otimização de personagem.
O livro segue então com descrições mais detalhadas de localidades “Além dos Reinos”. São descritos o Rio dos Deuses, Grande Savana, Deserto da Perdição, Montanhas Sanguinárias, Mar Negro e as Ilhas Piratas, Galrasia, Vectora, Tamu-ra e as Áreas de Tormenta. Estas regiões são descritas com alguns parágrafos, em geral formando uma página, uma tabela de encontros aleatórios para aquela região e fichas de monstros e ameaças típicas como Tiranos das Águas no Rio dos Deuses e miragens no Deserto da Perdição. O texto que mais chama a atenção é o de Tamu-ra, o Império de Jade, que descreve os esforços de reconstrução depois da batalha que destruiu a Área de Tormenta de Tamu-ra no final da Trilogia da Tormenta. Entre outras coisas dois fatos chamam a atenção: a volta casual do Imperador Tekametsu (onde diabos ele esteve todos estes anos?) e a cômica piadinha com grupos de aventureiros recebendo poderes especiais de Lin-Wu e ficando conhecidos como Super Sentai. Well played, Cassaro, well played. 🙂
Para terminar, estão as Ameaças, que expandem aquelas vistas no livro básico de Tormenta. São descritas em mais detalhes a Aliança Negra, os Sszzaazitas, os Finntroll, Schkar e a Tormenta. Cada ameaça recebe entre duas e três páginas de material, detalhando sua história e trazendo criaturas típicas de cada ameaça. A mais importante atualização talvez seja a referente a Aliança Negra, somando o material descrito aqui com o que é encontrado na descrição do sumo-sacerdote de Ragnar no Panteão, entendemos finalmente porque a Aliança Negra está parada há dez anos. Primeiro, Thwor decidiu parar a onda de conquista e transformar suas hordas em um império com capital em Khalifor, agora rebatizada Ragnarkhorrangor, formando uma civilização goblinóide. Faz todo o sentido quando lembramos que a Aliança Negra é baseada nas hordas mongóis. A expansão mongol foi dividida em três grandes ondas representadas por Gengis Khan e seus descendentes, a cada onda os mongóis iam absorvendo a cultura dos povos conquistados e tornando-se mais “civilizados”, especialmente na China, onde o neto de Gengis Khan formaria a Dinastia Yuan. Além disso, Thwor também teria gasto seu tempo para descobrir o que seria a Flecha de Fogo e como vencê-la, e o texto afirma que ele descobriu isto recentemente e agora está pronto para reiniciar a marcha da conquista.
O segundo livro, Panteão, é obviamente dedicado a clérigos. Ele começa com as tradicionais Obrigações & Restrições, tão queridas aos jogadores antigos de Tormenta mas esquecida em Tormenta RPG. As O&R são muito restritivas, e por isto quem escolhe segui-las recebe um talento de magia ou poder concedido extra. Para quem conhece as antigas O&R pouco mudou. Clérigos de Keen agora podem usar magias de cura normalmente, enquanto os de Sszzaas devem sacrificar pessoas ou corromper o bem e devotos de Valkaria devem estar constantemente viajando e tendo aventuras. Também há o limite de um passo para a tendência do Deus, isto é, a tendência de um clérigo deve estar a no máximo um passo da sua divindade, então as tendências permitidas são mostradas junto as obrigações e restrições. Um novo item mágico é apresentado com a função de avisar aos personagens quando eles estiverem a ponto de quebrar suas obrigações e restrições, uma maneira in game de evitar metajogo, imagino.
Com as O&R apresentadas, é a vez dos poderes concedidos, que são expandem muito o que é visto no livro básico. Cada divindade tem uma série de talentos de poder concedido que podem ser exclusivos ou compartilhados entre diferentes clérigos, e seguem a ideia dos antigos poderes concedidos. De modo geral nenhum talento é especialmente fraco ou forte, e todos úteis de uma maneira ou outra. Também é apresentado aqui o modelo meio-dragão, que já havia aparecido na aventura O Covil do Terceiro que veio com o Escudo do Mestre de Tormenta RPG, aliás é um modelo que se baseia no padrão de D&D, deixando de lado a antiga descrição de meio-dragões como criaturas normais exceto pela propensão à magia (no antigo Tormenta d20 eles recebiam um talento metamágico adicional) e a grandes destinos.
Completando o livro temos os sumo-sacerdotes, tanto o modelo quanto os atuais sumos de cada um dos vinte deuses do Panteão. Muitas mudanças acontecem aqui. Lisandra, de Holy Avenger, é agora sumo-sacerdotisa de Allihanna, e a mais forte dos sumos e a mais ativa na guerra contra a Tormenta. Azgher costumava ter dois sumos, mas agora apenas um, o outro foi corrompido e se tornou o sumo-sacerdote de Tenebra, completando uma antiga profecia. Edauros é o sumo de Kallyadranoch e Kelandra Elmheart a de Keenn, enquanto Sir Alenn Toren Greenfeld é o novo sumo-sacerdote de Khalmyr. A nova sumo de Marah é um anjo da guerra e o de Megalokk é um finntroll chamado Kiielettyenennn que sabe usar a magia perdida Megalon. Gaardalok ainda é sumo de Ragnar, mas agora virou um lich. A nova sumo de Sszzaas é uma nagah cafetina e o de Thyatis um plebeu de 8º nível que homenageia Breaking Bad. Pra terminar, a nova sumo-sacerdotisa de Wynna é um qarren que se parece e se comporta como a Niele, chamada Nialandarena.
Além da história e fichas dos sumo-sacerdotes também há o modelo meio-dríade (da Lisandra), a raça finntroll (de Kiielettyenenn) e a classe de prestígio Armadilheiro (do sumo-sacerdote de Hynnin). Meio-dríade continua forte como sempre, os finntroll são uma raça bastante útil para magos com bônus de Int e Con e a resistência a magia, e armadilheiro é uma boa classe de prestígio para ladinos. As magias Megalon e Megalon Maior também são apresentadas, assim como regras para escalar criaturas gigantes para tornar a sua sessão parecida com uma fase de Shadow of the Colossus.
O maior erro do Panteão não é o que está lá, mas o que não está, já que a caixa promete descrições dos deuses na contracapa, mas elas ficaram de fora da edição final (e o editor esqueceu de retirar a menção a elas no texto da contracapa). Estes textos, no entanto, seriam uma repetição dos encontrados no livro básico, motivo pelo qual foram cortados da versão final da caixa, e portanto o leitor pelo menos não está perdendo nada que fosse novo.
Para terminar, temos as cartelas e o mapa. As cartelas trazem os símbolos sagrados e o armorial dos reinos, com seus escudos de armas. Os símbolos sagrados são especialmente bonitos e alguns deles são sérios candidatos a tatuagens futuras neste que vós fala. 😉
Mas enquanto os símbolos sagrados e escudos de armas dos reinos são puramente cosméticos, o mapa de Arton é talvez a mais útil peça de toda a caixa. Para além de um simples mapa feito para parecer bonito, o criador Leonel Domingos, arquiteto urbanista, garantiu que este fosse um verdadeiro guia para viagens em Arton. O mapa mostra topografia, principais cidades e suas rotas comerciais terrestres, fluviais, marítimas e “aéreas” (a rota de Vectora), principais estradas e seu tempo de viagem usando diferentes tipos de transporte, movimentação de exércitos e vários outros detalhes que eu provavelmente ainda nem descobri.
Avaliação final: a expectativa criada sobre esta caixa fez com que muitos se decepcionassem com ela. Muita coisa foi dita e desdita até a publicação. Uma resenha extremamente adiantada publicada na Dragonslayer chegava a dizer que a caixa teria três livros em vez dos dois que acabou tendo. Isto, somado ao erro com a descrição dos deuses e ao preço, considerado um pouco alto, acabou deixando-a com certa má reputação. Mas, deixando todos estes erros de lado, o material da caixa é de boa qualidade e responde muitas perguntas, além de ser um acessório muito útil tanto para mestres quanto jogadores. Ela é especialmente útil para novos mestre e jogadores de Tormenta que não tem os livros mais antigos como O Reinado e Panteão. Os veteranos então podem se sentir melhores se comprarem o PDF a R$ 19,90, enquanto os novatos podem investir sem medo na versão física a R$ 85,90.

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

Você pode gostar...

6 Resultados

  1. Khrjstjano disse:

    Ao meu ver a caixa vale à compra só pelo mapa.
    Você pode falar o que quiser sobre o resto do conteúdo, mas aquele mapa, com toda a informação que contém sobre topografia, rotas e tempo de viagem para diferentes veículos e terrenos é um dos melhores acessórios que já vi num RPG.
    Sinceramente, ficou muito além do que eu esperaria nas minhas melhores expectativas e eu pagaria o preço da caixa só por ele, se fosse o caso.

  2. Leo Lima disse:

    Ótima resenha Nume!
    Comprei a caixa no lançamento, mas li apenas alguns pontos. Só não gostei que a caixa é bem frágil e a ilustração de capa, que para fãs do cenário sem dúvidas significa algo, mas para quem não o conhece bem é apenas uma bonita ilustração técnica pouco evocativa.

  3. Gilmar disse:

    Sobre o problema com relação ao texto dos deuses que não foi incluído, na época, no fórum da Jambo, prometeram uma aventura como forma de compensação.
    Chegamos ao final do ano e, até onde se sabe, essa aventura nunca foi apresentada ao público.

    • Culpa minha, que não entreguei essa aventura até agora, na real. Preciso correr aqui e consertar isto.

      • Gilmar disse:

        Não lembrava que você era o responsável. Tanto melhor: agora estás ciente de que algumas pessoas ainda aguardam essa aventura.
        Além disso, dependendo de suas jogadas de marketing e da qualidade do produto, o material pode ter uma recepção tão boa ou melhor que o Só Aventuras I e II, tornando-o passível de ser vendido da loja da Jambo como pdf para qualquer um que não tenha adquirido a caixa.
        Algo como: compradores da caixa podem usar o cupom “aventurabônus” ou “xxxxxxxx” para zerar o preço da aventura, enquanto outros clientes pagam um preço simbólico pelo produto (algo como 4 ou 5 reais). E claro, o produto seria lançado apenas em pdf (o que geraria informações sobre esse mercado, se a Jambô trabalhar bem).
        Claro que tudo o que escrevi são apenas devaneios, mas todos são passíveis de virar realidade.

  4. PJSF disse:

    “(…) problemas menores, como a porcentagem da população de minotauros no Império de Tauron (…) um mistério que provavelmente nunca será respondido de maneira satisfatória.”
    SÉRIO!? Basta fazer as contas. Haviam 54% de minotauros antes e ainda há 54%… CLARO, isso é um PERCENTUAL e não um número absoluto! Ou você acha que SÓ minotauros morreram na guerra? Morreram trabalhadores, escravos, etc. Portanto, a PROPORÇÃO pode ter permanecido a mesma, ainda que os números tenham caído. Além disso, perceba que os exércitos dos minotauros já estavam espalhados antes do ataque à capital deles e que eles iniciaram o ataque ao Reinado logo depois – portanto é óbvio que o total de minotauros aumentou. Nada de ‘mistério’, só falta de percepção mesmo ¬¬

Deixe uma resposta