Resenha: Crônicas de Espada e Magia
Acho que poucos subgêneros da fantasia são mais conhecidos ou tem mais força do que o chamado espada e feitiçaria (ou sword and sorcery). Você sabe do que eu estou falando: pense no guerreiro musculoso de sunga (“bárbaro,” diria o seu mestre de D&D) enfrentando sozinho hordas de inimigos com um monstro gigantesco ou feiticeiro maligno (às vezes os dois) no fim da linha. Sim, é o gênero de Conan, Kull, John Carter (com algumas ressalvas) e tantos outros.
Crônicas de Espada e Magia é uma tentativa da editora porto-alegrense Argonautas e da curitibana Arte & Letra de trazer um pouco mais de diversidade para o gênero no país, onde praticamente apenas as criações de Robert E. Howard são conhecidas. Claro, Howard está presente no livro; mas estão lá também nomes importantes que pouco ou nada foram publicados por aqui, como Fritz Leiber e Michael Moorcock; outros mais contemporâneos, como George R. R. Martin (sim, ele mesmo) e Saladin Ahmed (que foi indicado a diversos prêmios importantes este ano com a sua fantasia árabe Throne of the Crescent Moon); e mesmo alguns nomes nacionais que tem se aventurado no gênero, como Carlos Orsi (de As Dez Torres de Sangue) e Roberto de Sousa Causo (de A Travessia e outras histórias de “borduna e feitiçaria” protagonizadas pelo índio Tajarê).
Acho que o ponto que mais chama a atenção na coletânea é a comparação entre as origens do gênero e as suas versões mais recentes. É difícil não notar a grande evolução que há desde O Vale do Verme, a história de Howard que abre o livro, atéAs Canções Solitárias de Larren Dorr, por exemplo, escrita pelo escritor fantástico do momento, George R. R. Martin. É algo que vai desde a própria escrita – Howard tem um estilo meio cru, herdado dos pulps onde publicava, focado menos na qualidade da escrita do que na ação do enredo, com advérbios e adjetivos em profusão -, até o próprio conteúdo das histórias – o conto de Martin, que é um dos pontos altos do livro, subverte o conflito e a ação que fazem o gênero, estabelecendo um confronto bastante único entre uma heroína que nada tem de masculinizada e um oponente que tenta vencê-la sem o uso de violência, muito pelo contrário, aliás.
Na mesma linha de comparação, acho muito interessante que os dois primeiros contos da coletânea tenham sido o de Howard e o de Carlos Orsi, O Sinal da Forca, que botam em conflito alguns elementos formadores dos autores que criaram o gênero. Howard destila preconceitos e racismo na sua história épica sobre um herói ariano enfrentando deuses ancestrais de civilizações negras; Orsi, ao contrário, coloca como protagonista justamente um guerreiro imortal negro, com uma vivência anterior que o permite pregar a tolerância em suas falas, além de haver mesmo uma certa inversão de papeis com a presença de “bárbaros loiros” e uma civilização negra inspirada na nossa igreja católica.
Poderia me estender bem mais neste tema. Os autores mais atuais, em especial os nacionais, realmente buscaram esticar os limites do gênero, dando a ele ares bem contemporâneos. Há contos de fantasia histórica, como os de Ana Cristina Rodrigues e Roberto de Sousa Causo; um com ecos claros de aventuras de RPG, o de Tiago Tizzot; e mesmo alguns que abusam do humor, como o divertido Cavalos?, de Max Mallmann, que tem como único defeito ser curto demais.
E claro, uma resenha do livro não estaria completa sem comentar as histórias clássicas que temos a oportunidade de ler pela primeiro vez em português. Michael Moorcock está presente com A Cidade do Sonhar, a primeira história do seu personagem Elric de Melniboné, um dos mais clássicos do gênero e que havia aparecido aqui apenas em uma mini-série em quadrinhos e uma edição antiga da editora Francisco Alves. De Fritz Leiber, um dos meus autores de literatura fantástica preferidos, temos Encontro Fatídico em Lankhmar, também a primeira história dos seus personagens Fafhrd e Rateiro, um clássico absoluto da fantasia em língua inglesa que vergonhosamente só havia dado as caras por aqui em uma edição em quadrinhos da editora Devir. E gostei bastante também de conhecer o trabalho de Karl Edward Wagner, cuja história Crepúsculo de Dois Sois, estrelado pelo imortal amaldiçoado Kane, é outro dos pontos altos do livro.
Enfim, Crônicas de Espada e Magia é um livro muito bacana, que combina muito bem os clássicos do gênero a novos nomes de destaque. Muito recomendado para quem quiser conhecer algo mais sobre ele que vá além das incontáveis reedições deA Espada Selvagem de Conan.
Crônicas de Espada e Magia, de Cesar Alcázar (organizador).
344 páginas por R$ 49,90.
Burp, quanto a dita subversão do Martin, te apresento a Dark Agnes do Howard: https://en.wikipedia.org/wiki/Dark_Agnes_de_Chastillon
Comprando agora. 🙂
discordo completamente do seu comentario sobre a escrita do Howard. como assim “focado menos na qualidade da escrita do que na ação do enredo”, o Howard já reconhecido e respeitado como um dos melhores contadores de estórias que ja existiram , é só buscar as resenhas sobre seus trabalhos e topar com a profusão de elogios e reconhecimento á qualidade da sua escrita.
mas acho que eu posso estar sendo injusto com voçê, afinal o howard éra tão pouco focado na qualidade das sua estórias, que elas se tornaram imortais e hoje são consideradas algo do que melhor foi feito na literatura fantastica. e tão imbuídas de energia que podem ser lidas nos dias de hoje sem terem se tornando datadas.