Aventuras nos Sonhos

“Deitem confortavelmente e fechem os olhos, porque a nossa missão começa agora” – Professor Ícelo.

A mente esconde segredos, verdades, estratégias e todo o tipo de informação preciosa. Às vezes algumas não poderiam ser obtidas nem por interrogatórios. Em outros momentos, essas informações deveriam ser obtidas (ou até destruídas) de maneira mais sutil. Algumas aventuras acontecem em campos de batalha. Outras, nas mentes de quem as vive. Este post é sobre essas últimas.

Aventuras nos Sonhos 1

“Boa noite, jovem sonhador”

Se você já assistiu Sucker Punch ou Inception, sabe bem do que eu estou falando. Esses dois filmes servem de base para muita coisa, mas vocês também poderão encontrar inspiração em outras obras, como Matrix, O Fantástico Mundo do Dr. Parnassus, nos livros de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho, nos quadrinhos de Sandman ou até em algumas histórias dos X-Men (seja em histórias de universos paralelos criados pela Feiticeira Escarlate ou quando alguém entra na mente de outra pessoa, como o Xavier se aventurando nas memórias do Wolverine).

Objetivos

Entrar no mundo dos sonhos pode acontecer por inúmeros motivos. Como citamos antes, talvez seja porque o portador da informação seja um túmulo, resistente até ao melhor interrogatório, ou então ele não possa saber que estão querendo uma informação que só ele possui. Pode ser que ele tenha se esquecido dela e a deixado de lado em suas memórias ou, quem sabe, ele esteja em coma ou até mesmo morto recentemente, tendo suas funções cerebrais funcionando por mais algumas poucas horas.

Os heróis podem estar querendo algum conhecimento essencial, ou buscando inserir uma informação nova de maneira delicada, ou ainda querem fazer alguém se esquecer ou então se lembrar de algo. Talvez os heróis queiram usar um método diferente para destruir a mente de um vilão de poder invencível ou mesmo eles próprios estejam presos no mundo de sonhos ou da loucura, e estejam buscando um meio de sair e voltar para seu mundo (alguém pensou em Caverna do Dragão?).

Um outro detalhe é importante: o que acontece no mundo dos sonhos surte ou não efeitos no mundo real? Em geral, exceto pela obtenção de informações, o que acontece nos sonhos, fica nos sonhos. Se alguém morre nos sonhos, provavelmente não vai se machucar realmente. Pode ser que acorde, que continue dormindo, mas sem sonhos, que fique assistindo tudo como um fantasma, sem poder interagir, que entre de novo no mundo dos sonhos só que mais fraco ou em outro lugar (respawn) ou então talvez se machuque ou até mesmo morra de verdade (sofrendo efeitos psicossomáticos, como em Matrix).

Falando ainda dos efeitos reais do que acontece no mundo dos sonhos, uma coisa comum é se os heróis estiverem numa espécie de sonambulismo ou então loucos, interagindo no mundo real, mas com suas mentes ligadas a um mundo de fantasia. Um exemplo perfeito disso é em Sucker Punch, onde as garotas fazem ações no mundo dos sonhos (no cabaré e nas missões militares) e os efeitos também acontecem no mundo real (no sanatório).

Porta de entrada

Existem vários meios de entrar nos sonhos. Pode ser com o uso de telepatia e poderes psíquicos, por meio de magia (como a magia Mundo dos Sonhos, do Manual 3D&T Alpha), loucura, hipnose coletiva ou tecnologia avançada, seja usando processos químicos, computadores, dispositivos neurais etc.

É legal também pensar na abordagem sobre o acesso a esse tipo de poder de entrada. Talvez qualquer um dos heróis possa fazer isso, talvez dependam de algo que apenas um patrono poderoso possa ter, talvez seja fruto da mente malígna de um vilão. Não existe problema em nenhuma dessas escolhas, apenas vai mudar como e quando esse tipo de missão onírica vai acontecer.

Como sugestão, uma ideia é que seja necessário algum tipo de item especial, podendo ser consumido pelo uso ou não (um item mágico, um produto químico, um equipamento, acesso a um local especial).

Heróis

Dentro do mundo dos sonhos os heróis podem ser diferentes do que são no mundo real. Talvez suas mentes os obriguem a ser praticamente os mesmos, mas com poucas mudanças, quem sabe mais poderosos, como em Matrix. Uma ideia legal é o mestre dar certas permissões para os jogadores. Algumas ideias são:

  • Forma Alternativa: da mesma forma que a vantagem, os heróis podem refazer suas fichas, mas mantendo suas desvantagens (exceto Monstruoso), perícias e magias conhecidas.
  • Acréscimo de pontos: Os heróis mantêm suas fichas como são, mas ganham pontos extras para comprar novas habilidades dentro dos sonhos. Aqui vale também a ideia dos heróis serem humanos normais no mundo real e serem bem mais poderosos dentro dos sonhos (mestre, cuidado para não extrapolar).
  • Forma Alternativa + Acréscimo de pontos: Dê pontos a mais e deixe que os heróis refaçam suas fichas, mantendo apenas desvatagens e perícias.

O mestre pode permitir a troca de Vantagens Únicas ou até quem sabe ele mesmo escolher uma nova para os personagens. Dependendo do caso, o mestre pode pedir algum talento ou conhecimento especial do herói antes de permitir a escolha de um poder especial, uma magia ou uma vantagem única. Nada impossível, mas algo que também não permita uma farra desorganizada. Por exemplo, poderia permitir o poder Doppleganger (por 1 ponto, a magia Transformação ou a Vantagem Única Nanomorfo) para um herói com perícia Artes (por causa da especialização Atuação).

Sobre magia, talvez os heróis possam usar nos sonhos apenas as magias que conhecem no mundo real, mas talvez o mestre permita que eles possam usar outras magias (quem sabe permitindo que comprem magias com Pontos de Experiência, conhecendo apenas as Magias Iniciais ao comprar uma vantagem mágica ou então permitindo que escolham apenas uma magia diferenciada ao comprar uma vantagem mágica). Isso deve acontecer para ampliar a ambientação de sonhos modificáveis. Se o mestre não quiser permitir magias, é só tirar esse elemento, sem problemas (vamos falar um pouco mais disso no tópico “Fantasia”).

Algumas vantagens e (em especial) desvantagens que os heróis tenham no mundo real podem criar efeitos no mundo dos sonhos. Em Sucker Punch, os inimigos e objetos desejados do mundo real tinham projeções nos sonhos da protagonista. Em Inception, um dos personagens tem um trauma sobre uma pessoa e as memórias dessa pessoa ganham vida. Usando isso de base, uma variedade de coisas podem acontecer. A memória de inimigos, mestres, patronos, aliados e protegidos do mundo real podem aparecer (mas seriam movidos apenas pelas memórias dos personagens sonhadores e não os inimigos (etc) reais. As possibilidades são infinitas (e fazer alguém com Poder Vergonhoso se ver completamente nú ou de cuecas é algo perfeitamente válido).

Uma devoção pode aparecer (quem sabe de maneira exposta mas inalcançável, exprimido o desejo de cumprir o dever na vida real, mas os medos de não conseguir). Insanidades e Códigos de Honra podem ser provados a todos os momentos ou até mesmo tomar formas de NPCs que vivem de acordo com isso ou em total desacordo. Uma assombração pode tomar formas concretas, uma maldição pode aparecer como uma assombração, perseguindo o herói e muitas outras coisas.

Ambientes e camadas

A ambientação do mundo dos sonhos pode ser exatamente a mesma do mundo real, mas com um pouco mais de ação (Inception), pode ser uma distorção da realidade (como heróis de um mundo medieval entrarem no sonho como orcs lutando contra elfos), ser algo totalmente diferente do mundo comum (como heróis medievais sonhando com um mundo do século XXI) ou então uma mistura disso tudo.

Dentro desses ambientes, também é provável que haja inimigos para os heróis. Roubando a explicação do Inception, em geral os vilões serão um reflexo defensivo do inconsciente de algum personagem (a pessoa que esconde a informação desejada, o vilão que criou o universos dos sonhos) ou então pode ser um reflexo do inconsciente (medos e lembranças) de todos os envolvidos.

Às vezes os ambientes também podem conter elementos surreais, como leis da física distorcidas e a existência de fatos e lugares irreais, como cenários de artistas como Salvador Dali ou Escher.

Também pode ser feito o uso de camadas de sonhos, como sonhos dentro de sonhos, mudando a ambientação e as fichas dos heróis. Em Inception, quanto mais fundo se vai, mais perto do inconsciente se fica, podendo conseguir informações de maneira mais fácil, mas também ficando mais próximo da loucura. Em Sucker Punch, quanto mais se avança nas camadas (coisa que vai e volta aqui), mais surreal é o ambiente. Se na primeira camada as garotas saem da realidade do hospício e vêem tudo como um cabaré, mas mantendo os personagens. Conforme entram nas camadas, elas se vêem em ambientes diferentes, como um templo oriental, um campo de batalha, um mundo de fantasia medieval e até num mundo futurista.

Ou seja: as camadas podem ser usadas para aproximar os heróis da insanidade e do surrealismo. Ou então podem ser só uma desculpa para mudar a ambientação e levar os heróis para um mundo completamente diferente do anterior.

Também pode ser abordado aqui o tempo de duração dos sonhos. Talvez durante alguns minutos reais possam passar horas nos sonhos. Talvez o tempo possa acontecer muito mais depressa. Ou então nem tanto assim. A escolha é do mestre.

Fantasia

Nos sonhos, coisas incríveis podem acontecer. Algumas delas podem acontecer pelo uso de magia ou algum efeito análogo. Em Inception temos a figura do arquiteto, um personagem com a responsabilidade de moldar e manipular o mundo dos sonhos para propiciar a execução da missão. Se na aventura haverá lugar para um personagem tão poderoso, fica a cargo do mestre, mas uma variante é ter um personagem com grandes capacidades mágicas (possuindo magias variadas, em especial Ilusão Total). Esse personagem poderia agir da mesma forma que um arquiteto, moldando o mundo enquanto seus companheiros agem. Dependendo da missão, pode acabar sendo alguém muito importante e que precisa de extrema proteção.

De acordo com a vontade do mestre, pode ser que haja mais de um personagem com esse tipo de poder entre os heróis ou pode até ser uma habilidade exclusiva de um ou mais vilões (complicando ainda mais a vida dos jogadores). Talvez o mestre libere esse poder para qualquer um ou então possa exigir algum precedente no personagem do mundo real para que este tenha tal nível de poder no mundo dos sonhos (talvez a perícia Ciências, por conter conhecimentos como Geografia, Biologia e Arquitetura).

Talvez o mestre possa permitir o uso de magias por Pontos de Experiência (como a regra padrão permite) ou então por custos mais caros (o dobro de PMs) para personagens não aptos a usar magia.

Outra ideia que pode ser usada é a de eventos aleatórios acontecendo, criando um efeito caótico, próximo do que acontece nos sonhos. Para isso, o mestre pode criar tabelas para rolagens de dados ou cartas de baralho. Os efeitos podem ser variados, contendo a inserção de elementos bons ou ruins. Pode ser legal que esses elementos estejam relacionados às fichas dos personagens e NPCs no mundo real que estejam sonhando (algumas ideias de interação foram apresentadas no tópico “Heróis”). O mestre pode escolher o jogador alvo através de uma jogada de dado, através de testes de Resistência ou então como provação a um jogador que estiver em destaque na cena.

O mestre também pode usar elementos dadaístas para inserir ideias de contextos, objetos e cenas. Ele pode sortear letras ou palavras recortadas em papel, abrir um dicionário (ou algum outro livro/revista) aleatoriamente ou abrir uma página aleatória da Wikipédia, entre outros.

Perigos

Pode ser que hajam perigos reais para os jogadores, mas isso não é uma necessidade. Mas caso o mestre queira, algumas possibilidades são: morte e ferimentos nos sonhos também acontecem na realidade (fruto de efeitos psicossomáticos), a morte por inanição (por ficarem demais nos sonhos e esquecer de comer no mundo real), efeitos do sonambulismo/loucura (se ferir na realidade enquanto interpreta tudo dentro de um mundo dos sonhos) ou até mesmo ficar louco (dependendo da duração do sonho ou de quanto foi fundo nas camadas dele).

Sobre acabar ficando louco, o mestre pode criar mecanismos variados. Uma ideia é a de “pontos de insanidade”, onde a cada 10 pontos o personagem deve fazer um teste de Resistência para evitar receber a insanidade Fantasia (ou alguma outra, se quiser, crie uma tabela para rolar uma insanidade aleatória). A cada 10 pontos adicionais, acontece uma nova rolagem com um redutor cumulativo de -1 no teste. Ao falhar no teste, o personagem recebe a insanidade, os pontos são zerados e começa tudo de novo.

Os pontos de insanidade podem ser dados por motivos variados, como penalidades contra fugir de Devoções, não cumprir Códigos de Honra, “esquecer” insanidades que possua e outros efeitos interpretativos. Também pode ser dado um ponto a cada camada nova que se entra ou a cada duas horas no mundo dos sonhos. Claro que isso tudo são ideias e não é muito aconselhável usar todas em conjunto (a não ser que a loucura seja uma ameaça constante e um futuro certo para os heróis). Uma ideia alternativa é que as insanidades recebidas tenham um efeito temporário, sumindo depois de um tempo (um dia, ou então 2d6 horas; lembrando que horas no mundo real pode durar muito mais no mundo dos sonhos). Sabe quando você sonha com algo estranho e fica com uma impressão ruim pelo resto do dia? Seria algo nesse sentido. Assim o mestre pode usar e abusar desse recurso ao mesmo tempo em que o medo dos personagens ficarem loucos se torna mais brando.

Aventuras

Não há restrição para usar esse tipo de aventuras oníricas dentro do seu mundo de campanha preferido, uma vez que entrar nos sonhos pode ser um efeito de ações variadas, como magia, poderes psíquicos, tecnologia e o que mais o mestre quiser. Essas aventuras podem ser inseridas dentro da campanha atual dos jogadores, para viver aventuras em ambientações diferentes (pra mudar um pouco do comum), pode também ser encarado como apenas um oneshot, com ou sem ligação com a campanha atual ou até mesmo uma campanha toda só voltada para esse universo dos sonhos. A escolha é de cada grupo.

Tomando uma licença poética com o tema, podemos também usar essas ideias para propor o uso de mundos alternativos, virtuais, espirituais e uma outra variedade de universos onde o ambiente e os heróis possam ser alterados.

Creio que aventuras acontecendo dentro da mente podem dar margem para muita coisa bacana, seja para fugir do tipo de jogo habitual ou seja em caráter experimental. Fazendo um trocadilho de forma bem literal, a imaginação é o limite.

Divirtam-se e bons sonhos!


Ilustração: Capa de Fables 58 (Vertigo), por James Jean.

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6 Resultados

  1. Oriebir disse:

    Um dos teus melhores posts, Ásbel. Se superou! Parabéns!
    (Oh droga, *tenho* que assistir Sucker Punch assim que possível! =D)

    • Lipe Soares disse:

      Também bato palmas, de pé, para o artigo, Ásbel. E assim como o Tiago, fico babando por Sucker Punch, mas ainda não consegui ver… =(

  2. Pedro disse:

    Lembra daquela materia da DS 8 se não me engano (ja foi pro sebo :l)

  3. Kuro disse:

    Já assistir Sucker Punch vocês dois D:
    E dá pra combinar essa matéria com a de Persona, que tem dungeons dentro do subconsciente ou até em sonhos mesmo =D

  4. Tiago SephBlade disse:

    Cara… Belo post… Depois de le-lo praticamente fui obrigado a alugar Inception e Sucker Punch e me surpreendi muito com a qualidade de ambos os filmes… Ja tinha ouvido falar deles e a curiosidade soh foi aumentando… Agora eh juntar um grupo disposto a embarcar numa aventura dessas…

  5. Rocket Rider disse:

    Wow!
    É um post que eu venho mastigando há um tempo, então fico muito feliz de terem gostado.
    Pedro; é na 11 (fui olhar ali). A matéria dá umas ideias diferentes, o que é legal, porque complementa. Vale a releitura!
    Kuro; ótima ideia!
    SephBlade; que bom que gostou dos filmes também!
    E quando achar o grupo e se aventurarem, volte aqui pra contar o resultado.
    Avante!

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