Resenha – Valkaria: Cidade sob a Deusa
Vou agora começar a resenha do suplemento Valkaria: Cidade sob a Deusa, de autoria de Leonel Caldela para Tormenta RPG. Não vou negar que sou fã do cenário desde que começou na ancestral DB 50, mas quero deixar claro que não estou escrevendo como fã, e se eu não gostar de algo não tenho problemas em dizer. E vale a máxima de qualquer crítica, ela reflete a opinião de um individuo e nada mais do que isso, use a seu bel-prazer (ou desgosto).*
(*Nota. Estou escrevendo esse primeiro parágrafo antes de ler o livro.)
O livro em si trata sobre algo que eu acho que fazia falta em Arton, um cenário urbano. E para essa empreitada era mais que obvio escolher logo a maior megalópole que o cenário tem a oferecer. Eu sei que já existe um suplemento dedicado a Vectora, mas ele dificilmente cumpre o papel proposto por este suplemento.
Primeiro a parte visual, A capa tem um estilo de desenho diferente dos normais para o cenário, mas eu gostei do traço, exceto pela Loriane que achei meio torta. E aquele cara que eu primeiro pensei que fosse um Arkan mal desenhado e de braço trocado, depois lendo o livro fui perceber que era na verdade um dos lideres das Irmandades da cidade.
As ilustrações internas como de costume são uma mistura de repetidas e inéditas (e provavelmente use todas as imagens da deusa Valkaria feitas até hoje, o que na verdade faz bastante sentido). Dentre as inéditas o destaque fica para as das Classes de Prestigio, todas muito boas (e minha favorita pessoal é a do Druida Urbano, que consegue ser asquerosamente fofo).
No capitulo 1 “A Capital do Mundo”, temos uma apresentação geral de Valkaria, sua historia e características culturais, principais bairros, pontos de interesse e peculiaridades, incluindo um mapa geral da cidade (nada é descrito em detalhes, apenas descrições gerais, cabendo ao mestre preencher tudo como lhe der na telha). Este capítulo começa a criar o clima para o resto do livro, deixando clara a grandeza da cidade, mas também apagando a idéia comum de que cidades são santuários ao estilo MMORPG, onde uma vez dentro se está seguro dos perigos do “mundo exterior”. E mostrando que apesar de sua beleza e cultura cosmopolita, Valkaria é uma cidade com criminalidade, injustiça, corrupção e preconceitos. É um bom capitulo de introdução para o livro, preparando o leitor para o que virá e já criando uma certa empolgação, em especial (creio eu) nos mestres que possam vir a narrar uma aventura urbana.
O capitulo 2 se chama “Os Donos das Ruas”, e é dividido em varias partes que funcionam como mini-modulos, apresentando cinco grupos e organizações de importância na cidade, pare deste material já havia aparecido na revista Dragon Slayer.
Primeiro temos Sangue, Ouro e Gloria, sobre a Arena Imperial e sua historia. Com suas regras, tipos de luta e outros eventos, organização interna e inclusive regras simples para apostas e torcida.
Logo depois, A Máfia sob a Deusa trata do crime organizado na cidade. No melhor estilo das historias de máfia, explica sobre a estrutura hierárquica das “irmandades”, assim como as suas atividades ilegais, áreas de influencia e relações com a comunidade. Além de trazer uma lista das principais irmandades que atuam na cidade.
A Elite é o trecho dedicado a nobreza da cidade, mas não qualquer nobre, e sim os verdadeiros podres de ricos, a nata da inutilidade acomodada artoniana. Esta parte em particular me pareceu exagerada. Não no comportamento dos nobres, mas é difícil acreditar que existam pessoas tão ricas que se assume que eles possuem recursos literalmente infinitos e que nem mesmo se preocupam em fazer qualquer coisa para manter esses recursos, apenas gastando e esbanjando eternamente em seus caprichos hedonistas, joguetes de poder e exibicionismo desmedido. E mesmo assim são amados pelo povo. No mundo moderno estrelas são amadas pelo povo mesmo quando muitas vezes não fazem nada para merecê-lo. Mas uma sociedade que recebe impostos das pessoas e faz pouco ou nada de útil com isso, dificilmente receberia o mesmo carinho.
O próximo modulo é Proteger e Servir, e fala da força miliciana da cidade, ou seja, a policia de Valkaria. Somos apresentados aos diferentes cargos da milícia (que é totalmente independente do exercito ou do Protetorado do Reino). Suas divisões (incluindo uma dedicada a coisas bizarras e inexplicáveis, estilo Arquivo X e Fringe), a vida dos milicianos, sua conduta, relações, recursos, obstáculos e dia a dia.
Por fim temos Acima da Lei. Este trecho é o mais estranho, mas não por isso menos divertido. Fala de sociedades secretas e heróis encapuzados. Oferece razoes para que um aventureiro medieval decida agir fantasiado e termina com uma lista de diversas sociedades secretas, nem todas nobres, mas todas encapuzadas. Se você duvidava que pudesse rolar uma campanha de Supers em um cenário medieval, pense de novo.
O capitulo deixa disponíveis ao mestre e jogadores informação para que cada um desses 5 aspectos da cidade possa ser incluído em aventuras, na criação de personagens, ou até mesmo fazer campanhas inteiras baseadas neles. Se você quiser uma campanha estilo Torneio das Trevas de YuYu Hakusho (eu sei que existem muitos animes com torneios, mas pra mim YuYu Hakusho sempre virá a mente primeiro). Derrubar a máfia da cidade, trabalhar como um miliciano tendo que fazer justiça em meio a inimigos internos e burocracia, criar uma liga de heróis encapuzados ou envolver os personagens nos joguetes dos nobres. Está tudo aqui. E se quiser simplesmente fazer com que a atuação da milícia em um crime ocorra de forma realista, ou fazer os personagens negociar com aquele capitão de uma irmandade que tem o item mágico que eles precisam, você também poderá fazê-lo sem dificuldades.
O capitulo 3 se chama Heróis da Vizinhança. E é dedicado aos personagens. Aqui estão todas aquelas coisas que os jogadores adoram ver em um suplemento, novas pericias, talentos, equipamento, Classes de Prestigio e itens mágicos. Tudo neste capitulo é bem orientado a aventuras urbanas, mantendo sempre o clima do livro.
Os talentos muitas vezes estão relacionados ao capitulo 2, sendo adequados a mafiosos, nobres, milicianos, etc. Existem inclusive alguns muito bons para prostitutas (perdão, para cortesãs). Alguns são bastante bons, mas outros podem ser considerados um pouco apelativos. Esses em geral seriam recomendados para NPCs mais que para jogadores. Temos por exemplo um talento que permite ao personagem possuir quantias obscenas de dinheiro em níveis baixos, eu mesmo o permitiria apenas se a campanha envolvesse personagens ricos como pano de fundo, em qualquer outra circunstancia eu provavelmente o consideraria proibido (e para o meu alivio a própria descrição do talento diz que seu requisito está a critério do mestre, ótimo para calar aquele jogador overpower mala que em nome de sua luxuria usa argumentos desesperados como “se está no livro eu posso usar e o mestre não tem nada a ver com isso”).
Dentre os novos equipamentos a lista não é grande, mas sim interessante. Não ah novas armaduras, entre as armas, o Bastão acolchoado para causar dano não letal. A utilíssima Adaga com Molas serve par fazer ataques surpresa, além da poderosa Maça de guerra, que chega a impor uma penalidade no ataque para compensar sua força. Entre as amas de longa distancia temos 4 tipos de bestas, todas exóticas, com destaque para a Balestra que aplica bônus de força a seus ataques. E também armas de arremesso não letais que entorpecem os inimigos. Entre os itens mundanos nada de especial, temos o retorno de alguns itens do Livro do Jogador D&D que não estão presentes no modulo básico de TRPG, como luneta e estrepes.
Temos 9 Classes de Prestigio. O Capitão das Irmandades é um mafioso de carreira, com status e poder no submundo. O Detetive de Tannah-Toh é um verdadeiro Sherlock Holmes com capacidade de resolver os mistérios mais indecifráveis. O Druida da Favela faz comunhão com a natureza usando a sujeira e imundícies urbanas. O Espírito da Cidade é um feiticeiro tão urbanizado que substitui sua linhagem sobrenatural por uma urbana. O Gladiador Imperial não precisa de explicações, e é uma versão atualizada (e melhorada) do antigo Tormenta: Guia do Jogador 3,5. O Lenda Urbana é um herói (ou vilão) mascarado no melhor estilo Batman ou The Spirit. O Nobre de Valkaria é a encarnação da arrogância em forma de aventureiro. O simpático Pastor de Valkaria é um verdadeiro guardião da comunidade. E por fim, O rei do Crime é um ladino com todos os recursos que as manhas da cidade podem oferecer.
Em quanto a conceito todas as classes são excelentes e se encaixam muito bem no cenário. Mas em relação ao nível de poder, em uma primeira olhada, o Lenda Urbana e Nobre de Valakaria me pareceram fortes demais, enquanto que o Detetive de Tannah-Toh é bastante inútil para qualquer coisa que não envolva capturar o culpado de um crime. Praticamente todas as classes foram feitas pensando especialmente em aventuras dentro da cidade, tanto que boa parte delas tem poderes que enfraquecem, ou somem fora dela. O Pastor de Valkaria em especial, eu acredito que tenha sido feito já pensado apenas para PdM, pois apesar de seus excelentes poderes de alto nível, a maioria só funciona em seu templo, e diga quantos aventureiros se aventuram dentro de seu próprio templo.
Finalizando o capitulo, temos apenas 2 páginas de itens mágico. Temos 5 itens mágicos novos, 2 bônus de melhoria para armas, e 1 artefato, a Coroa Imperial, utilizada pelos monarcas de Deheon ao longo da historia (e eu fiquei com a impressão de que faltou algo na descrição, que alguém me corrija se eu estiver errado). Assim como os equipamentos, são poucos, porém uteis.
O capitulo 4, “Mil Historias na Grande Cidade”, é também o maior, e está voltado ao mestre. Começa com dicas de como colocar os personagens em uma campanha urbana. Fala das diferenças entre este tipo de cenário e a boa velha exploração de dungeons. Afinal aqui você não vai estar andando constantemente, explorando masmorras, florestas e templos sem olhar pra trás. Por isso oferece dicas para usar personagens recorrentes, criar áreas familiares para os personagens, ter lares (ou bases de operações) e famílias, etc. Coisas que podem até parecer óbvias para alguns, mas são bastante uteis para a maioria, especialmente quem sempre jogou o RPG medieval mais tradicional onde cidades são mais áreas de recarga que qualquer outra coisa. Para ajudar o mestre a criar um bom clima urbano, temos uma lista chamada “101 encontros em Valkaria”, com pequenas situações, algumas envolvendo os personagens, outras não, e que dão um ar mais vivo e pitoresco as aventuras.
Em colunas laterais temos a utilíssima lista “101 Ganchos de Avnturas em Valkaria”. Que faz exatamente o que o nome diz. Com aventuras urbanas de todos os tipos, de historias de detetive até coisas mais extremas, como lidar com uma invasora extraplanar.
Depois segue uma parte com novas regras. Regras para perseguições (incluindo desviar obstáculos), e correr em telhados. Também regras para negócios, com diferentes tamanhos, e uma lista de “ativos” para incluir em seu negócio, cada um com diferentes benefícios para os jogadores (como ter montarias mais saudáveis se tiver um estábulo, ou fabricar armas melhores se tiver uma forja), além do lucro em dinheiro. Quanto maior seu negócio, mais ativos e mais benefícios ele oferece. E por último regras par ser procurado pela justiça, dividido em 6 níveis, que vão do simples batedor de carteiras insignificante, ao maior dos vilões, procurado em todo o reinado, morto ou morto.
Segue uma lista de PdMs genéricos, capangas, milicianos, comerciantes, etc. Depois ainda ah alguns novos monstros urbanos, como a Casa Assombrada e o Limo do Esgoto, e inclusive um novo modelo chamado Criatura da Poluição, para vitimas de uma doença sobrenatural.
Encerrando o livro estão as fichas de diversos valkarianos famosos. Indo de clássicos como O Camaleão e Loriane (que deve ser a pessoa mais tapada de toda Arton), até novas figuras, como a socialite bondosa, Callista Il-Sharat. Dentre os personagens antigos temos históricos e fichas atualizados. Os destaques para mim ficam com Arkan, que com seus 19 níveis finalmente tem uma ficha a altura do líder do Protetorado do Reino, e com Shivara, que agora possui 18 níveis.
Considerações Finais
Poderia ser maior? Claro que sim, eu mesmo gostaria que se falasse sobre o Protetorado do Reino e que tivesse mais CdP. Uma cidade do tamanho de Valkaria poderia ter diversos suplementos escritos somente sobre ela, mas como o autor mesmo diz no começo do livro, descrições detalhadas demais tirariam a liberdade do mestre de fazer o que quiser com a cidade. Com o que é apresentado neste livro você vai ter material e inspiração suficientes para diversas campanhas baseadas na capital ou usar seus elementos para conduzir aventuras urbanas em outras grandes cidades de Arton. Ampliando assim os temas e aventuras aos quais estamos acostumados em Arton, ou outros cenários medievais. A idéia de campanhas com super heróis em particular foi a mais interessante, eu nunca havia pensado em uma campanha assim em um cenário medieval.
Os textos são excelentes e oferecem muitas idéias e clima urbano. As novas regras são simples e funcionam (eu gostei principalmente da parte dos negócios). As únicas queixas provavelmente ficam com a parte dedicada aos nobres que como eu já disse me pareceu extrapolada demais. E com algum ou outro desequilíbrio nas CdP e talentos, o que pode exigir certo malabarismo por parte do mestre (como criar situações em que certos benefícios não estão disponíveis), ou no mínimo ficar de olho nas escolhas dos jogadores.
É provavelmente o melhor suplemento para o cenário Tormenta que saiu até agora, talvez empatado com Área de Tormenta, que eu acho muito foda.
A nota final eu deixo em 8,5, quase 9.
Nenhuma menção sobre como as Guerra Táuricas afetaram a cidade? Se a Shivara é a rainha, então o livro é pós-guerra.
O livro é no presente, mas se concentra na descrição e cultura da cidade, existem pouquissimas menções a respeito da guerra. O que se destaca mais é o Portão da Queda, um ponto mencionado no primeiro capitulo que é por onde os Minotauros invadiram. Um monumento foi construído no lugar e serve para lembrar do ocorrido e garantir para que esse erro jamais se repita.
Basicamente, eles não confiam mais em minos e os lugares por eles frequentados sofrem de vandalismo. Mas, IMHO, o fato de não citarem o resultado das guerras não é um demérito deste livro mas sim do próprio Guerras Táuricas.
Em primeiro lugar muito legal a resenha! E acho que captou todas minhas impressões gerais do livro. =)
Só alguns pitacos:
– “Não no comportamento dos nobres, mas é difícil acreditar que existam pessoas tão ricas que se assume que eles possuem recursos literalmente infinitos e que nem mesmo se preocupam em fazer qualquer coisa para manter esses recursos, apenas gastando e esbanjando eternamente em seus caprichos hedonistas, joguetes de poder e exibicionismo desmedido.”
Acredito que a inspiração pra “Elite” de Valkaria vem do Patriciado na Roma Antiga e a Nobreza Palaciana de Versalhes na França. No último caso principalmente era uma nobreza que podia viver completamente alheia a situações políticas e mesmo ecônomicas. Por incrivel que pareça a vida de boa parte desses nobres vivia na boca do povo em fofocas e coisas do gênero. Claro que na vida real Versalhes foi tomada de assalto por Revolucionários… mas acho que por se tratar de um mundo de fantasia o autor tem licença poética de usá-la como um elemento separado.
– Também achei Lenda Urbana e Nobre de Valkaria Cdps fortes… mas isso me deu mais interesses de usar elas em campanha. Não chegam a ser “desequilibradas”, o Mestre pode se adequar a suas habilidades.
Detetive de Tana-Toh ficou uma classe pouco útil em combate, mas bastante adequada em campanhas que resolvam focar-se em investigação.