Sobre regras e interpretação (D&D/d20)
Sabemos que o D&D RAW — rules as written, “regras conforme escritas” — não possui mecânicas de interpretação (“MI” de agora em diante) — uma grande parcela da primeira parte deste artigo se ocupou com este argumento. Vimos na segunda parte que Tendência/Alinhamento não é MI. E perícias como Atuação e Ofícios são menos ainda.
Fluff oneroso
O caso delas é semelhante ao das tendências: há uma dissonância entre o que é pretendido/percebido como objetivo e a aplicação mecânica de fato. Atuação serve para ganhar moedas na taverna ou como uma versão situacional de Diplomacia aplicável a grupos. Ofícios constrói peças de equipamento. Qualquer outra função que se dê a estas perícias depende de um esforço externo às regras. Para fins de interpretação no D&D, Atuação e Ofícios funcionam da mesma maneira que as informações que você escreve no campo “Histórico e Personalidade” de sua ficha de personagem — seu caráter é adicional, opcional e alheio às regras.
Poderíamos chamar coisas assim de “fluff pago” — o jogador queima recursos mecânicos para comprar elementos não-mecânicos de personagem. Entram nesta categoria certas habilidades inúteis, como o poder de 20o. nível da Linhagem Feérica do feiticeiro para Tormenta RPG (conforme preview na Dragonslayer). A habilidade postula que o personagem não envelhece. E qual a utilidade? Que personagem de D&D realmente morre de velhice? Quantos grupos realmente usam aquela tabela de efeitos do envelhecimento? Se usam, quão freqüente é o uso? Quantos monstros/magias/habilidades são capazes de envelhecer um personagem contra sua vontade? São comuns? Enquanto isto, o feiticeiro da Linhagem Elemental, no mesmo nível, “se torna imune a atordoamento, doenças, paralisia, sono, veneno e aos descritores ligados ao seu elemento” — chances maiores de ser realmente relevante em jogo.
Há quem diga que a possibilidade de esbanjar os recursos de construção de personagem em coisas assim faz o D&D 3.5 mais “interpretativo” que a 4E. Ambos títulos possuem a mesma quantidade de MIs: zero. Um personagem de D&D 4E pode ser um músico sem a presença de uma perícia Atuação — eu incluo tal informação no campo “Histórico e Personalidade” e a interpreto. Meu personagem quer cair nas graças de alguém tocando música bonita? Rolo Diplomacia (a perícia que serve para convencer NPCs) e uso a perfomance como descrição da ação. Com suficiente criatividade, posso até Obter Informação com música — descrevo a performance e afirmo que a letra da música aludiu ao assunto espinhoso sobre que meu personagem deseja saber, e já conecto com um gancho para o mestre: “alguém pode ter captado a mensagem velada e procurado meu personagem para falar sobre o assunto/vender informação”. (E seria o mesmo procedimento para se ter um advogado na 3.5, que não possui uma perícia Jurisprudência — aliaria a mecânica de perícias como Diplomacia, Blefar, Conhecimento (Nobreza) com a descrição na base do roleplay*.)
*Mas um jogador iniciante teria a iniciativa de fazê-lo apenas com as informações contidas no livro de regras?
Mecânicas supérfluas são apenas isto: supérfluas. Como vimos nos artigos anteriores, MIs não se baseiam em tentar simular a realidade do elemento interpretado — não se tratam de modelos mecânicos para “falar com NPCs ou usar um chapéu engraçado”, de acordo com a piada de 1o. de abril da WotC. MIs são instruções que facilitam a atividade de interpretar.
MI sem mecânica
Tais elementos, todavia, podem ser utilizados para trazer mais do personagem à história. Uma “dica de mestre” que ensina uma forma de fazê-lo é a técnica de flags. Aspectos/Atributos Espirituais/Crenças/etc. nada mais são que a codificação disto em regras — são uma maneira de dizer ao mestre (e aos outros jogadores, por que não?) “quero que esses elementos do meu personagem apareçam no jogo”. Daí o nome da técnica — são bandeiras, sinalizadores.
Aquelas perícias e habilidades inúteis não são tão inúteis assim — de certo o jogador que compra Atuação não quer só usar habilidades de bardo, mas descrever que seu personagem é um artista e que gostaria de situações em jogo em que isto seja relevante e possa ser desenvolvido. Quem se interessar por esta técnica pode ler este texto que discute como diversos elementos do personagem (Perícias, Talentos, Tendência, Raça, Classe…) podem ser usados como flags (com uma conveniente distinção entre flags de personagem e flags de grupo).
Flags têm a vantagem de não alterar uma vírgula no sistema, pois não são MI, mas sim uma técnica externa, uma “dica de mestre” obtida fora do livro de regras. Sua desvantagem está no fato de todas as decisões estarem nas mãos do mestre — quando temos uma flag mecânica, como são os Aspectos, o jogador pode se utilizar dela ativamente, visto que possui controle sobre o uso de seus Aspectos.
Adição de MIs ao D&D
Ou qualquer outro d20 suficientemente similar. E se trata de uma tarefa mais espinhosa do que pode parecer à primeira vista. O d20 é um sistema complicado. Ele possui diversas sub-mecânicas interligadas, mas distintas, e, idealmente, todas estas partes devem estar perfeitamente balanceadas. E aí jaz o perigo: uma modificação aparentemente simples pode reverberar de maneiras inesperadas em outras porções do sistema.
Assim, nossa adição de MIs ao D&D deve ser parcimoniosa. O componente de direção não é preocupante — ele nada mais é que uma “dica de interpretação” expressa de forma mais direta e eficaz. É um atalho, como tantos outros procedimentos codificados nas regras. Em vez de “jogue um dado, some com X e compare o valor com Y — se >= Y, ocorre A; se <, B”, temos “faça um teste de X, CD Y” com o mesmo significado. O componente direção nas MIs cria um atalho similar. Em vez de “Fique atento ao que escreveu no campo Histórico e Personalidade; tente basear as atitudes de seu personagem no que está escrito ali; traga à narrativa tais elementos quando aplicável; se o mestre não se ligar, sugira a ele como este ou aquele detalhe de seu Histórico & Personalidade pode gerar uma situação/problema interessante”, criamos nas regras um atalho que expressa isto de forma mais funcional “Invoque seu Aspecto apropriado para X; se ele for compelido, Y”.
O componente recompensa, o que, aliado à direção, realmente dota uma MI de relevância mecânica, inspira cuidado. A adição de um componente alienígena de recompensa é receita quase garantida para o desastre — é mais seguro, portanto, cooptar mecanismos de recompensa já existentes no sistema, dobrando-os para que sirvam os componentes de direção a serem incorporados.
Dois candidatos em potencial chamam à atenção: o sistema de experiência e os pontos de ação.
Pontos de ação
Alguns d20 já realizam seu uso como parte de uma MI (ou proto-MI). Como vimos na segunda parte, há as Complicações do M&M, a Natureza do True20/Blue Rose e uma “cláusula interpretativa” nas diretrizes de distribuição de pontos de ação no Tormenta RPG (não tão bem resolvida quanto os exemplos da Green Ronin). Mesmo o Pathfinder aderiu a isto com uma regra suplementar no Advanced Player’s Guide* — character story é uma das possíveis condições de se adquirir Hero Points:
História do personagem: mestres podem premiar um ponto heróico por se completar o histórico escrito. Esta recompensa encoraja os jogadores a tomarem um papel ativo na história do jogo. Ainda, o mestre pode usar este histórico para gerar um momento importante para seu personagem envolvendo seu passado. Quando este evento-chave é resolvido, o mestre pode conceder outro ponto heróico. (…)
*Não incluí esta ocorrência na segunda parte do artigo por se tratar de uma regra suplementar/opcional — e não, como nos outros títulos, uma regra do core e, portanto, de caráter não-opcional.
Poderíamos usar qualquer uma dessas regras. Já estão prontas e já fazem parte de títulos d20 sob a OGL. Mas seu componente de direção pode ser expandido. Complicações e Natureza possuem direção clara e definida pelo jogador, mas possuem limitações — um só lida com problemas, o outro, com arquétipos de personalidade. Já no PFRPG, a única direção é o “Histórico & Personalidade” — ou seja, ainda carece de um atalho mais eficaz. O TRPG também é insatisfatório — personagens só ganham pontos de ação por interpretação se agirem de acordo com tendências Boas (seja esta a tendência do personagem ou não). Mas antes de nos concentrarmos no mecanismo de direção, devemos saber bem onde pisamos ao mexer com pontos de ação.
Quando utilizados, os pontos de ação conferem um dentre os seguintes benefícios:
Melhorar uma jogada. Em qualquer rolagem que use um d20 (jogadas de ataque, testes de perícia, de resistência…), o jogador pode adicionar o resultado de 1d6 ao total. Conforme o personagem avança de nível, ele pode rolar mais dados (2d6 nos níveis 8o. a 14o., 3d6 em 15o. a 20o.) e escolher o melhor deles.
Ativar habilidade de classe. O dispêndio de um ponto de ação permite um uso adicional de uma habilidade especial, como a destruição do mal do paladino.
Melhorar defesa. Dobra o bônus recebido por lutar defensivamente.
Emular talento. Por uma rodada, o personagem recebe o benefício de um talento qualquer que não possua (desde que atenda os pré-requisitos).
Ataque adicional. O personagem pode realizar um ataque adicional, usando seu bônus mais alto.
Melhorar magia. Aumenta em 2 o nível efetivo de uma magia.
Recordar magia. Recupera um slot de magia que o personagem acabou de lançar. Se o personagem não prepara magias (feiticeiro, bardo), pode lançar uma magia sem perdê-la.
Estabilizar-se. O personagem, que deve estar morrendo, gasta um ponto de ação para ficar estável.
Melhorar talento. Se o personagem possui um talento dentre os listados, ele pode gastar um ponto de ação para melhorar seu benefício por uma rodada. Com o Improved Critical, por exemplo, o efeito é dobrar a margem de ameaça. Metamágicos melhorados desta forma funcionam de forma semelhante aos sudden metamagic — os efeitos são aplicados sem que a magia precise ser preparada como sendo de níveis acima. E por aí vai.
Outras encarnações dos pontos de ação possuem usos diferentes. Os Hero Points do Pathfinder não concedem bônus de +1d6 — o bônus é fixo, +4 se aplicado após a rolagem do dado, +8 se aplicado antes. Um de seus usos também permite agir fora do próprio turno.Em vez de ataque adicional, temos uma ação (padrão ou movimento) adicional. Não permite emular talentos.
No Tormenta RPG o bônus inicia em +1d4 e aumenta com o nível, até +1d12 — e pode ser também aplicado à Classe de Armadura. Neste título, pontos de ação também servem para recuperar-se de dano — equivalente a uma magia de curar ferimentos cujo nível efetivo também escala com o nível do personagem, etc. Não permite emular talentos.
Pontos heróicos no M&M (e Conviction no True20) contam com reroll, recuperar-se de ferimentos e também emular talentos, entre outros.
Nas regras do Unearthed Arcana (o suplemento que trouxe os pontos de ação para o D&D 3.5), somos informados de que cada ponto de ação equivale a um item mágico de uso único com valor aproximado de 100 PO para cada nível do personagem. O sistema também impõe limites à aquisição destes pontos — a cada nível, um personagem possui 5 + 1/2 nível pontos de ação. Uma vez gastos, não retornam até que se avance de nível, ocasião em que o personagem recebe 5 + 1/2 nível pontos de ação. Presumo que pontos não-gastos durante um nível são perdidos — 5 + 1/2 nível é a máxima quantia possível de se possuir. Como geralmente ocorre com Válvulas de Segurança (vide parte dois), são tratados como um recurso escasso, cujo uso deve ser parcimonioso. Mesmo sistemas que prevêm o ganho destes pontos em jogo (não apenas valor fixo por nível) aconselham um uso cauteloso, melhor reservado para momentos de tensão — a abundância destes “pergaminhos”, afinal, pode perturbar o equilíbrio de poder.
Sabemos o que nosso mecanismo deve fazer. Cabe agora estabelecer suas condições de uso.
Direção e delimitação
Um mecanismo de direção satisfatório também disponível sob a OGL são os Aspectos do FATE. Contido neles já temos um ótimo mecanismo existente no d20 (Complicações do M&M) sob o formato de Compel. Mas além de ser fonte de pontos de destino, os Aspectos são também o canal de utilização destes. Temos, assim, duas situações de incentivo para trazer à narrativa elementos do personagem — não apenas o recebimento, como nos d20s que utilizam os pontos de ação desta maneira, mas também o gasto.
Aspectos são mecanimente simples — gaste o ponto, ganhe +2 na jogada ou role novamente. O bônus numérico conferido pelo Aspecto é fácil — o Fred Hicks, numa postagem de fórum que li faz muito tempo e cuja fonte perdi, afirmou que no D&D/d20 o bônus de um Aspecto seria +5. (O valor mais preciso seria +4, arredondamento de 4,4444… +2 pontos significam dois passos na gama de resultados possíveis em 4dF (-4, -3, -2, -1, 0, +1, +2, +3, +4). 2/9 de 20 possíveis resultados (1d20) seria 4,4444…)
E isto é uma armadilha. Um ponto de destino “avulso” no FATE concede um bônus de +1 e só (vide Dresden Files RPG). O próprio livro informa que tal uso é sub-ótimo, sendo mais interessante usar os pontos de destino ganhos com suor em conjunto com os Aspectos — que efetivamente dobram o benefício. Os pontos de ação no d20 não se limitam apenas a um bônus — realizam muito mais. Para que os Aspectos efetivamente sejam usados como canal de dispêndio de pontos de ação, os benefícios conferidos devem superar quaisquer possíveis via uso “avulso”.
Seguindo a mesma lógica, poderíamos dobrar os efeitos do ponto de ação quando usado através do Aspecto — bônus de +2d6, receber o benefício de dois* talentos por uma rodada, etc. E estaríamos assinando nosso atestado de insanidade ao fazê-lo. Se os pontos de ação já possuem o potencial de perturbar o equilíbrio de poder, dobrar sua potência é garantia de desequilíbrio — o sistema não foi projetado para lidar com isto. O problema apenas se agrava quando injetamos na equação o fluxo de action points que os Aspectos requerem para funcionar — o oposto de “escasso e parcimonioso”. A economia de pontos de ação passa de “acumulação de metais preciosos” para “bolsa de valores”.
*Como a core ability Higher Purpose do True20 Revised (pág. 148).
A solução se encontra no objetivo de projeto — prover uma recompensa mecânica por ações que estejam de acordo com o conceito do personagem.
Logo: pontos de ação só podem ser usados através do Aspecto. Isto atenua nosso problema de power creep — pontos de ação perdem versatilidade por estarem presos a uma aplicação situacional — e reforça o que se quer da MI — incentivo a atitudes consonantes com o conceito de personagem (chances de sucesso são maiores nestas situações).
Da mesma maneira, pontos de ação só podem ser recebidos através de Aspectos. Isto cria um equilíbrio no balanço geral — os efeitos positivos de que os personagens dispõem já foram “comprados” quando sofreram efeitos negativos. Na mesma proporção que os personagens possuem o equivalente a itens mágicos menores, o mestre também os possui para melhorar obstáculos. Como MI, o mecanismo cria um incentivo para decisões consonantes com o personagem que sejam sub-ótimas ou até mesmo prejudiciais — é prejudicial para o personagem, mas não para o jogador, que recebe um crédito em sua “poupança kármica”.
Atentemos também para outra diferença entre o FATE e o D&D — a integração da válvula de segurança ao sistema. O D&D pode funcionar muito bem sem pontos de ação — tanto que são regra suplementar. No FATE, por outro lado, os pontos de destino são peça fundamental no sistema. Nele não apenas os personagens possuem Aspectos — NPCs, cenas (e até mesmo o cenário) também os têm. Elementos que o D&D resolve com regras dedicadas (como manobras em combate ou condições — paralisado, abalado…) são, no FATE, baseados também em Aspectos — praticamente qualquer vantagem que se queira obter em jogo depende de pontos de destino. Como resultado, personagens iniciam o jogo com uma reserva de pontos de destino (5 no Diaspora, por exemplo), e quando ocorre o refresh (geralmente entre uma sessão e outra), a reserva retorna a este valor (o excedente é perdido).
Como o sistema do D&D já possui ferramentas para resolver estas coisas, Aspectos devem englobar apenas aquelas coisas não cobertas pelas regras — elementos de histórico/personalidade. Apenas personagens possuem Aspectos (talvez NPCs importantes também). Não havendo tantos canais obrigatórios de dispêndio de pontos de destino/ação, uma reserva menor é indicada. Importaremos traços de outros dois sistemas, PDQ (dados de estilo) e Full Light Full Steam (baterias temáticas) — personagens iniciam o jogo sem pontos de ação (ou uma pequena quantidade, talvez 1 ou 2), devendo conquistá-los em jogo, e seu prazo de validade é a sessão de jogo — pontos de ação que não sejam gastos durante a sessão não se acumulam para a próxima, são perdidos.
Para saber se funciona ou não, devemos testar. Seguem os Aspectos para d20 em forma de regra utilizável.
Definição. Isto vai delimitar as situações em que o Aspecto se aplica — pode parecer confuso, mas é bastante intuitivo. “Médico de Sallistick” se relaciona a situações e atividades bem distintas de “Crescido nas Ruas” ou “Família de Comerciantes”, por exemplo. Cabe ao grupo decidir o quão abrangente é demais: “Médico de Sallistick” é perfeitamente adequado para tratamentos médicos, diagnose, conhecimentos relacionados (biologia, botânica…). Interações sociais com pessoas fragilizadas (como o menino que sobreviveu ao ataque do monstro à vila) pode ser cabível. E quando realiza ataques, por conhecer anatomia e, portanto, pontos fracos/vitais? Talvez, mas só contra humanóides. Ou talvez “técnica dos pontos vitais” seja extrapolar demais o conceito — de “médico” passamos para “ninja”.
Delimitar o conceito vai depender do quão consonantes são as expectativas do mestre e dos jogadores quanto ao tema/clima do jogo. Se o mestre e os jogadores concordam que “ficção científica” é Asimov e não Star Trek (ou o contrário), todos sabem o tipo de coisa que é ou não plausível e/ou apropriada. Usar um cenário publicado ajuda bastante — qualquer pessoa familiar com Eberron tem uma idéia mais ou menos similar das coisas que envolvem a Casa Medani ou os Stillborn Aereni. Se o cenário possui múltiplas interpretações (Tormenta: Holy Avenger, trilogia dos romances, etc.), é interessante definir qual será usada. Samurai é o cara que luta bem com a katana? É o membro de uma classe elitizada versado em certas formas de arte e cultura? Ou também fatia sushi no ar e abre fechaduras com a espada? O consenso do grupo define se o “Doutor de Sallistick” é um médico vitoriano ou o Doutor Ichigaki do Yu Yu Hakusho.
Uma rota mais suave pode estar na cooptação de um mecanismo de recompensa já existente, o sistema de experiência. Neste caso, podemos usar as Chaves do TSoY. Na verdade, o próprio autor desta mecânica fez sua adaptação para o d20, que chamou de Sweet20:
O objetivo de um novo sistema de experiência
O atual sistema de experiência para o sistema de RPG mais famoso do mundo (SRPGMFM) é desajeitado. Seu personagem ganha experiência de duas formas:
-Ele mata uns monstros.
-Se o mestre se ligar, ele usa regras de “experiência de história”, que significa que ele vai lhe conceder experiência quando estiver a fim.
No sistema Sweet20 você escolhe por quais coisas você quer que seu personagem receba experiência, direcionando a história onde você a quer.
Níveis
No Sweet20 você pode descartar todas as tabelas de experiência do seu livro de regras do SRPGMFM. De acordo com esse livro [edição 3.5], são necessários aproximadamente 13 encontros para ganhar um nível. Então, no Sweet20 o 13 se torna um número muito especial. Seu grupo deve decidir o ritmo que deseja para seu jogo. Se quiser que os heróis ganhem níveis rapidamente, serão necessários 13 pontos de experiência (XP) para avançar um nível. Se quiser uma taxa de progressão mais próxima do padrão, 26 XP. Para uma progressão mais lenta, 39 XP.
Chaves
A primeira forma de conquistar XP no Sweet20 é através das Chaves. São parecidas com os Talentos, mas não concedem quaisquer habilidades especiais. Em vez disso, elas determinam comportamentos que renderão XP para seu personagem. Chaves são motivações, problemas, conexões, deveres e lealdades. Você deve selecionar uma no 1o. nível e mais uma a cada nível ímpar posterior. Você nunca pode ter mais de 5 Chaves.
Oposições
Cada Chave possui uma Oposição. Se você age contra a Chave — isto é, de acordo com sua Oposição –, pode escolher entre duas opções.
– Perder 2 XP.
– Remover a Chave e receber 7 XP. Você nunca pode escolher esta Chave novamente.
Cenas-Chave
A segunda maneira de obter XP é com Cenas-Chave. Cenas-Chave são elaboradas pelo Mestre quando ele cria a aventura. Cenas-Chave são similares ao sistema de experiência de alguns RPG no quesito de serem pontos particulares na sessão de jogo que o Mestre decidiu que são dignos de experiência aos personagens. Warhammer Fantasy Roleplay faz tal uso.
Não há resultados particulares, porém. “Salvar a princesa” e “derrotar o lorde maligno” e “domar a besta selvagem” não são bons exemplos de Cenas-Chave. Estas devem ser tensas, ter múltiplos rumos possíveis, e forçarem os jogadores a tomarem decisões por seus personagens.
“Descobrir a princesa raptada em uma alta torre”, “encontrar o lorde” e “confrontar a besta selvagem” são boas Cenas-Chave pois cada uma pode ter múltiplos resultados e não impõem restrições às decisões. (…)
Sempre que um personagem estiver presente em uma Cena-Chave, ele recebe de 1 a 3 XP, como determinado previamente pelo Mestre. Estes XP são distribuídos assim que a cena termina.
(…)
Construindo novas Chaves
Você é encorajado a criar novas Chaves para seus personagens, trabalhando em conjunto com seu grupo e seu Mestre. As regras para construí-las são:
– Uma Chave deve envolver uma motivação, problema, conexão, dever ou lealdade.
– Há dois tipos de Chaves:
Motivações. Quando a motivação é satisfeita em jogo, ganhe 1 XP. Quando a motivação é satisfeita apesar de grandes dificuldades, ganhe 3 XP.
Demais tipos. Quando a Chave aparece em jogo, ganhe 1XP. Quando a Chave representa um problema menor, ganhe 2XP. Quando ocasiona um grande problema, ganhe 5XP.
– Todas as Chaves possuem uma Oposição, que ocorre quando o personagem faz o oposto da Chave.
O texto original traz uma lista de Chaves prontas. Caso você não tenha gasto pontos em Línguas para ler em inglês, use como base os exemplos que vimos no TSoY — Chave da Sanquinolência é uma Motivação; as Chaves do Guardião e do Impostor se enquadram na outra categoria “geral”. As Chaves são uma boa maneira de incluir nas regras coisas que não se enquadrariam bem no corpo do sistema, como as obrigações e restrições dos clérigos de Tormenta.
(Pode parecer estranho que o abandono de uma Chave renda um gordo prêmio de XP, mas isto ocorre por uma razão — o sistema assume que quando o personagem sofre uma mudança, ele cresce como pessoa. Assim como o personagem afeta o cenário, este também o modifica.)
As Chaves, ainda, resolvem o problema da ausência de MIs com uma abordagem mais tradicional, XP por interpretação, com o conveniente descarte dos pontos fracos desta abordagem (ausência de parâmetros claros, longo intervalo, “conjunto da obra”) e, no caso específico do D&D, a quantia insuficiente de recompensa por interpretação, que beira o simbólico. As Cenas-Chaves asseguram que o mestre retenha o poder de atrelar prêmios de XP a encontros — com a vantagem de que “encontro” não necessita ser apenas combate, mas qualquer situação importante.
A única preocupação é uma possível disparidade de nível entre os personagens do grupo. Para que isto não ocorra, cabe ao mestre prover oportunidades para que todos os personagens possam usar suas Chaves. Uma forma de fazê-lo é usar as Chaves dos personagens para criar as aventuras. Isto permite ao mestre não apenas regular o avanço, mas o auxilia na distribuição do “tempo de spotlight” entre os personagens, evitando que este ou aquele personagem seja deixado de lado.
E isto é mecânica de interpretação, pois traz para o campo das regras o fator “o que meu personagem faria?” — interpretar os elementos do personagem se traduz em otimização.
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