Resenha: The Shotgun Diaries
Conforme prometido no outro artigo aqui esta a resenha pós-jogatina de The Shotgun Diaries com o meu grupo habitual, que preferiu um clima mais Zumbilândia e menos Madrugada dos Mortos. A primeira impressão do jogo é que não é como nada que já tivéssemos jogado antes. É completamente diferente de uma partida de D&D e outros jogos voltados para o combate.
Jogamos apenas duas horas e meia e mesmo assim aconteceram mais coisas neste tempo do que em uma partida de seis horas de D&D normal. Os jogadores resgataram suas famílias; um deles perdeu o personagem infectado e em segundos criou outro; fugiram de uma invasão de zumbis ao refúgio criado pelo Exército; tiveram dois Santuários diferentes; encontraram outros sobreviventes; falharam em Testes de Medo; perderam sobreviventes do bando; encontraram e decolaram com um avião monomotor mesmo sem ter um piloto entre eles (o sobrevivente esperto, um mecânico de carros, decolou depois de algumas tentativas e muitos tiros); e ainda conseguiram pousar em segurança para reabastecer o avião numa pista de pouso no interior antes da sessão ser encerrada.
Como pode acontecer tanta coisa em tão pouco tempo? O motivo é simples: em sistemas voltados ao combate este normalmente toma uma grande parte do tempo de jogo. É um tal de mexer peças no mapa tático, anotar pontos de vida perdidos, cada personagem rolando para ataque, dano, testes de resistência, descrever ações individuais e diálogos no meio do combate e lá vai cacetada de coisa. Um combate de nível intermediário em D&D pode facilmente durar entre uma e duas horas de tempo real. Como em The Shotgun Diaries tudo é resolvido com apenas uma rolagem de dados e o tempo está contra os jogadores eles se mantêm sempre em movimento, tudo graças ao Relógio Zumbi, que funciona perfeitamente para manter o ritmo frenético.
Outro ponto a se elogiar é a narração colaborativa. Mais que a garantia de sobreviver um sucesso nos dados dá ao jogador a chance de realizar todos os seus pequenos sonhos relacionados com aquela ação. Explico: imagine que você acha que seria muito legal se seu personagem pegasse duas espingardas e abrisse caminho entre os mortos-vivos com tiros, chutes e coronhadas. Em D&D você receberia uma penalidade gigantesca e precisaria de vários talentos e um nível bem alto para apenas tentar algo assim. Sem falar que cada disparo seria contabilizado de uma quantia finita de munição. O jogador então teria de se contentar com outras possibilidades bem menos excitantes para ele. Mas como aqui um sucesso lhe dá o direito de narrar a cena da maneira que você desejar, não há problema nenhum em usar duas armas ao mesmo tempo, dar chutes e socos e outras coisas que lhe agradem. Munição também não é problema: enquanto houver dados na Reserva de Suprimentos, você tem tudo de que precisa para sobreviver. Quando estes acabarem os jogadores podem se preocupar. Meus jogadores fizeram uma brincadeira de “contagem de corpos” onde contabilizaram o número de zumbis mortos por eles durante a sessão como forma de competição. Quem já viu Dead Rising vai reconhecer de onde eles tiraram a idéia.
As Complicações e a Infecção funcionam tão bem como pareciam: várias vezes durante a sessão pude usar as Complicações e posso atestar que elas realmente fazem a diferença para manter o ritmo do jogo e o interesse dos jogadores. Causei problemas nos carros, fiz zumbis surgirem de surpresa de dentro dos armários no aeroporto e outras coisas mais. A Infecção é divertida porque me permitiu jogar um zumbi bem dentro do primeiro Santuário e ainda fazer eles falharem em um Teste de Medo.
Falando em Medo, é muito fácil ganhar Níveis de Medo aqui, qualquer cena mais perturbadora é capaz de causar um Teste de Medo, e raramente os jogadores conseguem ter sucesso nestes testes nos níveis mais baixos de Medo. Mesmo assim, não pude conferir o resultado efetivo do malfamado Dado do Medo. Nenhum jogador se viu realmente obrigado a escolher um seis de um Dado do Medo durante a sessão. Mas eles estão lá, a cada rolagem, os dados menores que usamos para representar os Dados do Medo são rolados. Tenho certeza que ainda vou ver o resultado de um deles nas próximas sessões.
Agora, uma coisa que notei sobre Santuários é que eles são bem difíceis de se obter, e como em regras esta é a única maneira de conseguir mais Suprimentos os jogadores ficaram sem ou quase sem eles a maior parte do jogo. Como resultado nenhum deles tentou retirar um dado da Reserva de Suprimentos para melhorar suas chances em uma rolagem. Não é uma desvantagem já que o clima do jogo realmente pede isto: não há moleza no meio do apocalipse zumbi.
The Shotgun Diaries é tremendamente divertido e altamente recomendado para jogar dentro do gênero a que se propõe. Seu sistema de narração colaborativa pode ser adaptado para outros estilos. Achei ele particularmente eficaz para rolar uma campanha de Call of Cthulhu e jogos com outros temas pós-apocalípticos. Mesmo uma fantasia medieval clássica pode rolar se você fizer as adaptações certas, trocando o Dado do Medo por um Dado de Tendência, por exemplo.
The Shotgun Diaries (Independente, John Wick)
18 páginas, PDF.
US$ 5,00.
Eis uma demonstração prática de "sistema importa." O sistema do Shotgun foi projetado para se comportar da maneira que se comportou — uma coisa frenética e "sem moleza." Em termos de emulação de gênero, me parece funcionar zilhões de vezes melhor que o Vampiro, por exemplo, que usa um sistema projetado para outra coisa.
E por mais variadas que sejam as "skins" postas sobre esse esqueleto, teremos o mesmo jogo — os heróis em desvantagem, perseguidos sem descanso. Podem ser sobreviventes do apocalipse zumbi, ou aventureiros em uma masmorra infestada de monstros, ou até mesmo ex-drogados lutando diariamente para não recair no vício — é o sistema que acaba determinando como o jogo se desenrola. E acredito que todo *bom* sistema deve ser assim. Essa coisa de "sistema genérico" me parece balela — a maioria desses não passa de um D&D com alterações cosméticas; no âmago, são todos sistemas de pendor tático e sistema de combate hipertrofiado, e nada há de genérico nisto.
Observando o design, suponho que o Houses of the Blooded funcione de maneira semelhante, mas mais abrangente (os personagens têm diversas Virtudes e os Aspectos, enquanto no Shotgun podem apenas rolar dados em relação à especialidade do personagem). O próprio Wick chegou a declarar que faz os sistemas assim porque, segundo vê, toda minúcia de combate D&Dêica (CA, tipos de ataque…) não tem outra função que não prolongar o combate puramente com o objetivo de prolongar o combate.
Sempre quis jogar algum sistema desse tipo, de regras focadas a interpretação do que ao combate.
O mais perto que cheguei foi com storyteller xD, apesar de ser um bom sistema pro nosso grupo, não deve ser a mesma experiencia 0__0
Quanta inveja. Shotgun Diaries é uma obra prima pelo que escuto. Estou louco para jogar desde vi sua resenha um site gringo a uns meses atrás. O relógio zumbi é uma proposta curiosa que alias pode até ser inserida em outros jogos, já vi até a matilha comentar sobre fazer um jogo assim…
Acabei de comprar o livro. Como fã de filmes/histórias de zumbi eu me sinto completamente satisfeito =]
Agora meu "Guia de Sobrevivência aos Zumbis" terá um um uso completamente novo (Além de me preparar para o inevitável, é claro).
Agradeço muito por ter feito essa resenha, sem ela eu jamais conheceria esse sistema.
"Mesmo uma fantasia medieval clássica pode rolar se você fizer as adaptações certas, trocando o Dado do Medo por um Dado de Tendência, por exemplo."
Aí está um projeto que eu me animaria a trabalhar com afinco.
Li o sistema :).
Bacaninha, mas não é muito meu estilo de jogo. Gostei de diversas idéias dele – especialmente o Relógio Zumbi, que pode ser adaptado pra inúmeros sistemas sem problemas algum. Os diários também são muito massa – é muito bacana recompensar in-game a galera por escrever sobre a sessão :).
Mas pro mim e pro meu grupo, eu precisaria criar algumas house-rules para deixar o sistema mais de acordo com o que a gente gostaria de aproveitar. Por exemplo, se não entendi errado, toda vez que um survivor encarar um risk que não seja do seu "tipo", ele não pode rolar dados e o mestre decide o que acontece. Essa é uma mecânica por exemplo que não seria -nada- popular com o pessoal com que costumo jogar :).
O jogo é meio "rules light" demais pro que eles gostariam de jogar e vem com toda as característias típicas de um jogo "rules light" – como a falta de diferenciação mecânica de diversos setores. O exemplo usado no texto sobre as duas espingardas seria igualmente válido para qualquer ação que o jogador resolver descrever como consequência do seu sucesso :). Na prática, isso quer dizer que a bacana cena descrita deixa de ser "tão bacana" pra eles, já que qualquer um a qualquer momento e sem muita lógica narrativa poderia resolver descrever a mesma cena :).
Ainda assim, o jogo é de um excelente game design – simples e elegante, ideal para aventuras one-shot. Eu estava procurando um sistema bacana para mestrar uma one shot de Left 4 Dead e, levando em conta que o sistema é pequeninho e dá pra explicar em minutos e fazer uma "ficha" dentro de meio minuto, acho que vale a pena ao menos dar um try na criança :).
Vou fazer umas "mods" pra deixar o sistema mais ao meu gosto e dos meus jogadores e vamos partir pra fazer um test-drive :). Se for interessante, posto aqui (ou envio aqui pro .20) os mods que eu fizer e o porque de criar tais house-rules, pode interessar a alguém :).
De qualquer forma, foi uma excelente resenha Nume e me mostrou um sistema interessante que despertou várias idéias :).
"Por exemplo, se não entendi errado, toda vez que um survivor encarar um risk que não seja do seu "tipo", ele não pode rolar dados e o mestre decide o que acontece."
Precisamente. Eu encaro isto como uma forma abreviada da mecânica do Houses of the Blooded, que você encontra aqui: http://www./2010/02/09/aspectos-apost…
Basicamente, no Houses, o personagem tem uma característica principal (que permite rolar 4 dados, como no Shotgun), e outras em graus menores (2 com 3 dados, outras duas com 2 e uma com 0, a fraqueza do personagem). Detalhes mecânicos adicionais se fazem através dos Aspectos.
Tive essa impressão mesmo de que o sistema parecia ser "resumo" de algo mais complexo!
Estava pensando justamente em permitir o uso de certas habilidades com 2 ou 3 dados! Essa provavelmente seria uma das minhas "house rules" :).
Interessante, vlw pela informação Shido!
Não é exatamente difícil. Com poucas regras, vem poucas alterações. 🙂
Como eu já havia comentado com o Nume, este sistema é perfeito pra se jogar após uma festa, ou numa praia, por exemplo. Dá até pra substituir os dados pelo "Jô-Ken-Pô", caso haja necessidade, sem ter dores de cabeça.
Ao terminar a sessão, ficou parecendo que a gente tinha apenas brincado de "contar história". O jogo trata de forma genialmente simples tudo que se precisa para uma boa campanha de apocalipse zumbi.
Como toda boa história de horror, tudo pende contra os personagens, e fica a cargo do mestre decidir a maioria dos desfechos. Recomendo!
Um dúvida sobre as regras: Os dados extras recebidos pelo uso de suprimentos e pela quantidade de pessoas no grupo podem ser usados para que um sobrevivente de um tipo realize uma tarefa destinada a outro tipo? (como por exemplo um sobrevivente rápido tentando ser furtivo e etc)
Sim, mas ele contará apenas com os dados extras. Só não sei até que ponto os suprimentos podem ser usados pra melhorar testes, acho que em alguns casos o mestre deve ser rigoroso.
É essa a forma como também interpreto isso, Adão — dá pra rolar, mas usando apenas os dados extras. (Ainda que isso seja dispendioso e arriscado — os suprimentos são um recurso bem limitado, e as chances de sucesso são bem menores com poucos dados.)
Quanto à disponibilidade dos suprimentos para melhorar testes, eu, pessoalmente, daria carta branca para os jogadores. O conceito de suprimentos é bem abstrato e abrangente, e uma boa explicação dá um jeito. Fazer uma ligação direta em um carro é coisa pro sobrevivente esperto — mas o sobrevivente forte poderia usar suprimento como sendo "Que sorte, olha só esse molho de chaves no chão próximo ao veículo!" — se a chave do veículo em questão está ou não contida no dito molho, o resultado do teste dirá.
Realmente ótimo jogo, esse.
Pelo que está escrito no livro (se é que podemos chamar de livro, hehehe), os personagens rolam 4 dados (cada) para procurar um Santuário. Mas mesmo que não caiam mais “6” do que personagens, os “6” rolados viram suprimentos. Eles não acharam um Santuário, mas acharam suprimentos.
Com jogadas individuais de 4d6 (sem bônus por ferramentas nem nada), a chance é razoavelmente alta de não cair nenhum sucesso, e portanto é uma chance do personagem morrer ou ser infectado ali mesmo (já que é um “risco”, de acordo com o livro). Assim, com as chances contra você dessa forma, seria no mínimo estranho não conseguir nenhuma recompensa.
Além disso, o Zombie Clock tira um dado de suprimento a cada incremento, de modo que os jogadores são obrigados a gastar esses dados antes que o mestre tire tudo.
No mais, o livro não menciona nenhuma forma de conseguir suprimento, e por isso concluo que isso acontece enquanto os personagens procuram um Santuário, conforme expliquei.
Fazendo dessa forma, tenho certeza que seus jogadores terão mais suprimentos, sem medo de gastar.
Observação muito oportuna, Alexandre. Por um segundo eu tive um lapso e esqueci a lógica que governa os recursos nestes jogos mais modernos: "use it or lose it." (Como os Style Dice do PDQ, que se vão ao final da sessão.)
Desviando um pouco do assunto: já chegou a ter algum contato com o Yesterday's Tomorrow? É uma coisa meio steampunk/techno-retrô e, segundo um comentário do John Wick na RPG.net, parece ter uma lógica de recursos ainda mais "nazista" — você só pode rolar dados de queimar Danger Points. Parece interessante.
Nume, seu senvergonha (tudo junto)! Tu só contou como "ou acha santuário, ou nada". Perdemos alguns dados de suprimentos por causa disto (óóó)! Cretino, safado, picareta, fidamãe!
De fato, mesmo podendo usar os dados de suprimentos a coisa ainda fica difícil, e os dados usados são descontados do suprimento, que normalmente é curto.
Eu dei uma olhada aqui, e o suprimento pode ser usado pra qualquer teste mesmo, como tu disse, Shido. Como é um recurso escasso e que não garante o sucesso do teste, não atrapalha o clima de horror e a tendências às falhas em testes.
Eu e o Rogério compramos o jogo graças à resenha e à dica do Nume lá no Twitter. Amanhã talvez role uma mini session aqui de teste.
Pensei em dar o direito de o personagem poder rolar UM dado em testes que nao sao do arquétipodele e aumentar um pouco o numero de rolagens pra diminuir a estranheza.
Ah, e tive uma ideia de variação retardada: o jogo rola normal. Morreu um personagem? O jogador do personagem morto passa a ser o Mestre e o Mestre faz um personagem pra entrar na aventura. O processo se repete sempre que alguem morre. Em caso de mais de uma morte ao mesmo tempo, desempate feita com rolagem comparando o número de sucessos. Deve ser algo legal pra se fazer ocasionalmente. Leva o lance de narrativa em colaboração ao extremo.:)
Valeu a dica aí.
Opa,
De nada. 🙂
Bacana a idéia, depois conta como é que funcionou na tua mesa.
Como o sistema não fala nada sobre como adquirir recursos, instalei uma regra da casa onde os jogadores ao tomar riscos para conseguir comida, por exemplo, tem uma chance pré estipulada de conseguir um ponto de recursos: na pratica seria a cada 4 ou 6 sucessos buscando comida, munição e remedios um ponto será acrescido (estava muito bonzinho no dia hehe).
se tiverem outra ideia me falem