Conto

Olhei Jhon nos olhos, ele assentiu.

As noites eram cada vez mais geladas em Nova York. O vento zunia entre os arranha-céus do centro trazendo neve ao povo americano. O inverno era uma época boa, mas infelizmente não para mim. Hoje é vinte e três de dezembro e famílias e reúnem-se em suas casas. Festejam.

Não tenho família a algum tempo, e o único lugar que posso chamar de lar não pode ser considerado uma casa. Fui investigador a mais de vinte anos, mas a três, minha vida se tornou uma loucura. Um assassinato, depois outro e outro. Era sempre assim, o diferencial eram vitimas trancadas pelo lado de dentro, despedaçadas. Mensagens escritas por algum lunático satânico eram a marca comum, todas com sangue. Nunca havia me dedicado tanto a um caso, e tanto meus amigos quanto minha família começaram a duvidar da minha sanidade.

Hoje estou prestes a rir deles, provar a todos, inclusive aos meus superiores que me afastaram, como eu estava certo e essa merda toda sempre fora muito mais que um bando de jovens de preto viciados em livros de jogos idiotas.

Jhon sempre esteve junto a mim, entramos juntos para o FBI e quando fui afastado ele disse que viria comigo. Era o irmão que não tive, e juntos, nesses três anos, vivemos noites loucas, investigações em um submundo paralelo, uma dimensão que coexiste paralela a nossas vidas e que por hipocrisia e comodidade, fingimos não existir. Drogas cada vez mais potentes, jovens alucinados, seringas comprimidos, bebidas e orgias. E tudo isso era só o começo. Gangues que tornavam-se seitas e seitas que se tornavam uma espécie de clãs, todas praticando sacrifícios e consumindo seu néctar imundo. Sangue. No meio do caminho podíamos ter chamado a mídia e prendido uma centena de malucos, mas não bastaria. Essa porra toda continuaria, precisávamos pescar peixes grandes de verdade, mas para isso teríamos que entrar na água.

Meu casaco de couro estava manchado pelos inúmeros focos brancos, estávamos nos fundos de um galpão na trigésima quarta avenida. Segundo nossas informações, haveria uma reunião, os grandes iriam estar lá. Convocamos a imprensa e a policia, riríamos quando tudo estivesse acabado, tomando wiski doze anos em algum pub do centro.

Meu revólver estava comigo, no coldre havia outro, mas esperava não usar. Tinha sete balas no pente de minha Eagle, e mais vinte e uma em outros três presos a meu cinto. Jhon portava uma Usp com silenciador, dizia que era mais o seu estilo.

Estávamos de costas ao muro de tijolos sem reboco, nossa respiração saia quente no ar gelado mostrando como passaríamos maus bocados sem um bom casaco grosso. Já havia chegado a hora combinada, mas nem mesmo os malditos repórteres haviam chegado, não podíamos mais esperar.

O silenciador fez seu serviço e a fechadura explodiu num ruído opaco. Adentramos em meio a escuridão, coração acelerado e garganta seca.

Havia chegado a hora.

Caminhamos por um longo corredor, tão escuro quanto sinistro, perfumado por um odor completamente estranho. Chegamos a uma porta lateral que estranhamente estava aberta, continuamos, chegamos a uma bifurcação dobramos a esquerda duas vezes em outros entrançamentos e depois a direita. Uma escada, totalmente escura, e aparentemente com uma distância impossível, do outro lado a uns 100m, uma porta iluminada por uma luz vermelha. Nos olhamos novamente e começamos o trajeto. No começo avançávamos devagar por não saber o que nos esperava, mas depois, aquela subida, incrivelmente extensa parecia se tornar um pesadelo. Imagens inundaram meu pensamento. Minha esposa e meus filhos indo embora. Aqueles rostinhos lindos sendo levados de mim, chorando. Pensei em como deviam estar grandes, e em quanto tempo não os via. Não havia pensado em nós, na minha vida, mas agora não seria o momento, estava tudo prestes a acabar, e eu seria mais um herói no noticiário das oito sendo condecorado com uma medalha. Mas, e se eles não estivassem mais lá quando eu estivesse terminado, se minha esposa tivesse outro marido, ou pior se meus filhos tivessem sido assassinados. Imediatamente imaginei seus corpos estraçalhados como o das vitimas, sangue espalhado por todos os lados. Senti um aperto no peito e meu coração pareceu prestes a explodir. Me apoiei no corrimão e achei que ia cair, por um momento parei de subir, e percebi que Jhon caíra a minha frente. Seu rosto estava estampado pelo medo, ele transpirava e seus lábios estavam brancos. Pensei em voltar, mas não lembrava o caminho, me senti cansado. Retirei o celular do bolso para chamar a emergência, mas estava sem sinal, senti calor e percebi que minhas roupas estavam encharcadas. Retirei o casaco o casaco e o joguei em um canto, Jhon arfava e eu na tinha mais tempo. O coldre também me incomodava por isso também o deixei. Era agora eu e minha pistola, não havia volta e eu tinha que continuar. Continuei a subida impossível, com a cabeça latejando em fatos trágicos. Meus olhos expeliam lagrimas, e eu não podia acreditar que estava chorando, tive vontade de parar e ficar ali para sempre, envergonhado da minha própria existência.

Mas a luz vermelha estava perto, me esforcei ao maximo, passo a passo, degrau a degrau. E por um instante não podia acreditar. Havia conseguido. Chorei mais violentamente agora, de felicidade, me esqueci por que estava ali, o que estava fazendo. Na minha mente conturbada veio um nome, Jh….e nada. Não havia mais ninguém, não me lembrava. Havia apenas aquela porta, e a luz vermelha que piscava em intervalos regulares.

Girei a maçaneta e entrei. Não enxerguei nada de começo, pois estava escuro, mas as luzes se acenderam e mostraram um salão deturpado. Reboco despencara, deveria haver milhões de infiltrações, talvez até um pequeno desabamento. Havia uma mesa, uma cadeira e alguém sentado nela olhando por uma janela noite a dentro.

Senti a arma tremer entre os meus dedos e a ergui. Nesse momento a cadeira girou trezentos e sessenta graus e pude ver meu anfitrião. Um arrepio subiu por minha espinha, e o cheiro que havia esquecido voltou mais forte que nunca. Ele vestia um terno, fumava um charuto, tinha a cabeça raspada e olhos profundos. Apontou o indicador para mim e falou:

– Baixe este brinquedo, ou alguém pode se machucar cachorrinho!

Larguei a arma instantaneamente, não sabia por que ou o que, era inexplicavelmente, medo.

Ele se ergueu e caminhou em minha direção, era pequeno, magro e extremamente branco.

– Você me causou muitos problemas com suas ligações cachorrinho, – ele estava próximo agora e meu corpo se enrijecera impressionantemente – tive que mover muitos pauzinhos para corrigir sua ousadia.

Seu indicador encostava em meu pescoço, suas unhas eram compridas e eu senti sangue escorrer, mesmo sem sentir a dor do ferimento. Estava anestesiado.

– Por quê essa fixação pelos meu negócios cachorrinho? Por que não viver sua miserável existência normalmente como milhões de outras pessoas? – Ele gargalhou maldosamente perto do meu ouvido e eu senti a urina escorrer entre as minhas pernas. Você me custou dinheiro, imundo. E você não me vale merda alguma. Por isso, penso no que farei com você. Apenas lhe garanto que a muito não me divirto, e você e seu amigo vão ser alvo do meu mal humor. Mas antes, devo lhe contar uma coisa: Os assassinatos, a os assassinatos. Que perfeição, não acha? Sangue espalhado, carne despedaçada e órgãos. Sou um apreciador da arte meu caro, e aquilo, aquilo é puro sentimento artístico. Sou um traficante como deve saber, mas a droga a qual trabalho está mais para um dom. Não creio que possa entender, só um de nós poderia, mas pense que é uma dádiva concedida a poucos; E foram eles, meus seguidores que causaram a festinha a qual você e seus amigos tiveram que limpar.

Ele se aproximou, rosto a rosto. Com seu dedo indicador, rasgou meu rosto de um lado a outro, milimetricamente usando a unha, pouco abaixo dos olhos. Mais sangue escorreu mas não senti nada, era fascinação quase um fanatismo.

– Estou ficando entediado, por isso, sonhe com sua mulher, sua noite será longa, e talvez se ela e seus filhos valerem a pena, e minha raiva não seja saciada com você e seu amiguinho, eu os faça uma visita.

Olhei para baixo e sua mão acabara de ser introduzida em meu abdome. Eu vazava litros de sangue, mas só conseguia olha-lo fixamente, enquanto ele enfiava repetidamente suas mãos em minha barriga exposta. Quase sorri, e de repente minha visão tornou-se turva, e bati minha cabeça no chão com um baque depois de cair. Minhas tripas voaram, e eu estava feliz, afinal, ele estava feliz.

E o odor continuava forte, e então eu entendi o que era.

Cheiro de morte.

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1 Resultado

  1. Raulzito disse:

    Gostei muito do conto, parabéns!

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