Resenha – M&M
Mutantes e Malfeitores
Todo mundo aqui sabe que eu em geral tento não escrever muito sobre RPG, apesar de que quando tenho uma idéia não me controlo acabo escrevendo bastante de qualquer forma, o que tem sido especialmente verdade nos últimos tempos, vai saber por quê. Resenhas, então, é algo mais raro ainda – como eu não comprava nenhum livro desde que a linha 3D&T acabou (que ainda é o meu sistema favorito, digam o que disserem), eu realmente não tinha muito o que resenhar. Acho que o mais recente foi o Wushu, que é um jogo gratuito em PDF, além de antigo, e na real eu só coloquei no ar a resenha que eu tinha escrito pra Beholder Cego de qualquer forma.
Mas eis que chega o Mutantes & Malfeitores, jogo sobre super-heróis, um gênero que, por mais que possa ser facilmente criticado e naturalmente propenso à sátira e ao ridículo, pra mim sempre vai ter aquele gostinho de saudosismo e nostalgia; é óbvio que eu não resisti e comprei, acabando com esse jejum todo. Inclusive, essa vai para aqueles que reclamaram da edição econômica pela qual a Jambô optou: eu certamente não teria comprado se ele saísse em uma edição mega-luxuosa de capa dura por 90 reais, estilo os livros do Reino de Ferro (pela qual eu fico babando sempre que vou na loja, mas que fica por isso mesmo); um dos atrativos dele pra mim foi justamente essa edição simples, porém barata (e ainda com desconto pela promoção de terças-feiras na Jambô, heheh). 30 reais é um preço que eu estou bem disposto a pagar por um livro de RPG que me interesse, mesmo com a possibilidade de sair catando PDFs piratas por aí.
Mas vamos ao livro, então. Não, ele não decepciona em um momento sequer; eu diria que é o livro definitivo sobre super-heróis para RPG, mas me arriscaria a queimar a língua quando for lançada uma nova edição. O básico do sistema é aquele que qualquer jogador de d20 deve conhecer bem – os mesmos seis atributos clássicos, perícias, role d20 + modificadores pra vencer uma Classe de Dificuldade, etc. É digno de nota, no entanto, que a tradução do Leonel Caldela (autor dos romances O Inimigo do Mundo e O Crânio e O Corvo, além de alguns livros mais recentes de Tormenta) optou por manter uma adaptação mais acurada dos termos originais em inglês – feats viraram feitos, e não talentos; saving throws vivaram rolagens de salvamento, e não de resistência; etc. Há também alguns pequenos errinhos na edição nacional, tipo poderes referidos na página errada ou quadros de texto sem título, mas em geral ela ficou bastante boa, e não há grandes erros de diagramação ou texto que dificultem o entendimento do jogo.
Das mudanças de regras do d20 tradicional, a primeira a se notar é a ausência de classes de personagem, afinal, super-heróis dificilmente podem ser divididos em padrões e conceitos rígidos e fixos; a criação dos personagens é toda feita por pontos, seguindo limites e parâmetros de um Nível de Poder previamente definido pelo mestre para a aventura, e com alguns arquétipos de personagens prontos representando os clichês e personagens mais clássicos do gênero – há um arquétipo para o Super-Homem, outro para o Batman, outro para o Flash, etc, todos com o NP 10 (o padrão recomendado pelo livro), podendo servir de exemplo ou fichas prontas em aventuras rápidas.
Outra diferença marcante é a não existência de Pontos de Vida, tão comuns em qualquer RPG – ao invés disso, há um salvamento de Resistência para impedir danos, de forma que um golpe especialmente poderoso pode até mesmo nocautear um adversário em um único ataque, e um contador progressivo de ferimentos que vai dificultando testes futuros; pessoalmente, gosto mais de regras de dano dessa forma, tanto que é geralmente o caminho que sigo quando invento sistemas caseiros diversos, mas pode ser só uma questão de gosto pessoal mesmo. Outro destaque vai ainda para as regras para equipamentos – ao invés de haver uma lista rígida e fixa, os jogadores são incentivados a construir seus próprios itens misturando feitos, poderes e outras características; o resultado é bastante versátil, permitindo qualquer tipo dispositivo ou arma bizarra que os jogadores quiserem inventar, quase como no 3D&T, ainda que de forma bem mais detalhada e desenvolvida.
E, claro, nenhum jogo de super-heróis estaria completo sem super-poderes, e a importância deles para o gênero pode ser vista pelo fato de que o capítulo correspondente é simplesmente o maior do livro. Aqui, no entanto, é dificil fugir de uma lista extensa de poderes diferentes, cada um com a seus próprios efeitos, custo por graduação, extras, feitos de poder e todo o resto – é onde o sistema pode ficar um pouco complexo, razão pela qual eu continuo prefirindo o 3D&T de forma geral, ainda que o M&M possa se considerar bastante próximo na minha lista de jogos preferidos; lembro bem o trabalho que foi ficar conferindo os pontos de cada personagem da Cavalaria da Justiça a cada novo extra que eu decidia adicionar, e a frustração cada vez que eu percebia que tava faltando ainda uma dúzia de pontos em um ou outro.
Pelo menos, no entanto, todos eles são bem descritos e explicados, não ficando aquela coisa como tem em muitos poderes no Daemon Supers, de “compre o poder e na hora do jogo o mestre que se vire pra definir o efeito dele”.
E apesar disso, as opções de customização, descrição e interpretação dos poderes são deixadas bem abertas na maior parte dos casos, e é possível combinar os poderes de formas variadas para ter personagens completamente diferentes uns dos outros – o destaque nesse quesito vai para o feito Poder Alternativo, que por um único ponto extra permite a você reconfigurar os pontos de um poder para simular os efeitos de qualquer outro; uma mão na roda para aqueles personagens temáticos, que pegam um único poder básico e o torcem e distorcem em dúzias de formas diferentes, tipo a Jean Grey usando telecinésia como campo de força ou o Magneto fazendo lavagem cerebral através de manipulação dos átomos de ferro no sangue que vai até cérebro (não riam, isso aconteceu mesmo!), ou dúzias de outros exemplos espalhados por décadas e décadas de histórias em quadrinhos em quatro cores.
Outro ponto positivo do sistema é a forma como ele incentiva a interpretação e a colaboração dos jogadores com o mestre, através da distribuição de Pontos Heróicos. E os méritos também não acabam com as regras de jogo – as dicas e sugestões de customização do sistema do capítulo para os mestres são ótimas; e os capítulos que tratam do gênero dos super-heróis, sua história, suas eras e dicas para organizar a ambientação da campanha são um atrativo à parte, uma leitura especialmente prazerosa para qualquer um que tenha crescido lendo as histórias da Marvel e da DC. Completam o livro ainda alguns arquétipos de vilões, fichas de coadjuvantes, animais e criaturas diversas, e duas aventuras introdutórias ambientadas em Freedom City, cenário oficial do jogo lá fora.
No geral, Mutantes & Malfeitores é um sistema brilhante, certamente uma das estrelas dessa era OGL que está chegando ao fim, e um lançamento de peso dentro do mercado nacional; pessoalmente ainda prefiro o 3D&T, mas é uma excelente opção para quando eu quiser jogos mais detalhados e diversificados sem perder muita coisa em agilidade e dinamismo. E ainda que o foco do livro seja assumidamente o gênero dos super-heróis, eu diria até mesmo que, com todas as possibilidades de customização, flexibilidade na interpretação e variações de Nível de Poder, ele pode funcionar sem grandes problemas como sistema genérico, podendo ser usado com poucas adaptações em qualquer gênero propício a poderes incríveis e maravilhosos, da fantasia medieval ao sobrenatural contemporâneo à ficção científica de forma geral.
Por BURP
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