HQ-jogo #03 – Roteirizando
HQ-jogo é uma série* onde falo do meu projeto de TCC em design gráfico, cuja prática é o desenvolvimento de um livro-jogo em quadrinhos. Aqui, falo menos dos aspectos teóricos do trabalho, e mais sobre a HQ-jogo em si. Ela começou aqui e teve continuação aqui. Vamos agora à terceira parte da nossa saga.
Como fazer o roteiro de uma história não-linear? Sabia que a história não podia ser muito longa, nem muito complexa, mas que também deveria passar o clima de uma aventura de fantasia medieval. E qual o gênero de aventura mais comum nesse tipo de ambientação? Não tive dúvidas: essa seria uma história sobre a exploração de uma masmorra. E essas foram as bases para a criação do argumento.
Agora, uma grande técnica que vou compartilhar com vocês sobre a criação de roteiros é: chame alguém mais competente que você para faze-lo! 😛 Então recorri a dois comparsas de longo tempo, o (seu, o meu, o nosso) Marlon “Armageddon” e o intrépido Fabrícius “Keitaro” para me ajudar na empreitada. Eles aceitaram de pronto (o Keitaro exigiu cinco toalhas brancas e um saquinho de alfafa no camarim, mas eu nem contabilizo esse pequeno mimo), e começamos a trabalhar juntos então.
Depois de algumas conversas sobre coisas como referências, as personalidades dos personagens e o tom geral que a história deveria ter, enviei o primeiro argumento, que era algo como:
Um pequeno vilarejo por onde os heróis estão passando está sendo assolado por uma misteriosa doença que parece mágica. A anciã da vila explica que existem rumores da existência de um templo abandonado em uma floresta próxima à cidadela; templo que seria dedicado ao antigo deus do sol, cujos sacerdotes eram reconhecidos como grandes curandeiros. Ali talvez possa estar a única esperança de cura à tempo. Os aventureiros decidem ajudar e tentar encontrar este lugar misterioso.
Alguns dias depois, o Marlon me passou alguns parágrafos desenvolvendo essa ideia:
A Cura
Essa seria a trama geral, sem as falas ainda. Basicamente, é um ‘puxão de orelha’ com isso da molecada passar o dia inteiro no computador ou com o celular e ficar meio desligado da vida.
(…)
A história tem início com o grupo já formado caminhando através da mata. Eles conversam entre si sobre o que aconteceu no vilarejo, e notavelmente se conhecem de antemão. Conforme trocam ideias, algumas cenas do vilarejo aparecem em ‘flashback’ (talvez usar um tom de sépia, fica legal).
Nestas cenas, é a clériga que puxa assunto, animada com a perspectiva da aventura. A maga ralha com ela, lembrando que o motivo de sua viagem: o vilarejo de Bosque do Silêncio está sofrendo com uma misteriosa maldição que afetou as crianças do lugar.
Todas tornaram-se apáticas, permanecendo o dia inteiro escondidas dentro de suas casas, sem vontade de sair e brincar, exceto pela companhia discreta e não mencionada diretamente de um tipo de ‘bicho de pelúcia’ em forma de serpente. Também quase não falam mais com os adultos, isolando-se apenas com aquela porcaria de brinquedo.
O ladino dá de ombros pra história, interessado apenas na perspectiva de lucrar alguma coisa com a situação. É o guerreiro que dá o ponto final na conversa dizendo que se nada for feito, aquilo pode se espalhar e condenar o mundo inteiro. Assim, eles chegam até o templo.
Daqui em diante haverão outras linhas. A história principal seria a seguinte…
(Parei por aqui para evitar spoilers, haha! :D)
Nesse primeiro argumento, o Arma de cara nos trouxe uma “moral” para a história. Bem subjetiva, é verdade, mas eu sequer tinha imaginado fazer alguma metáfora com essa HQ, então achei interessante fazer esse tipo de abordagem, mesmo que seja algo que não dê para notar de cara. Ele também já deu uma ideia do tom dos diálogos, além de sugerir mais alguns detalhes, como o nome do vilarejo e o título da própria história.
_
Bom, chegamos então na grande questão, quando se pensa em livro-jogo: como trabalhar a história. Como esse material aqui nos mostra, uma aventura-solo normalmente possui um grande final feliz (todos os problemas são resolvidos, com o máximo de sucesso e aproveitamento); alguns finais favoráveis ou medíocres (uma parte dos problemas são resolvidos, ou eles até são resolvidos, mas com alguma grande perda ou sacrifício de algo valioso para os protagonistas) e muitos finais decepcionantes ou catastróficos (o protagonista morre, fica preso, desiste da missão…). Optamos por trabalhar a história linearmente, do início até o final feliz para depois, então, adicionar os pontos onde as opções se dividem e levam para outros desfechos.
Defini que a HQ-jogo teria 40 pontos de escolha (“parágrafos”, se fosse apenas escrita), e que haveria inicialmente uns 25 pontos do início até o final feliz, restando 15 pontos para dedicar aos demais desfechos. Comecei então trabalhando já com os pontos, mas de forma linear. Algo mais ou menos assim:
Ponto 01 – blá, blá, blá. Vá para Ponto 02 ou Ponto 03.
Ponto 02 – blá, blá, blá. Vá para Ponto 04.
Ponto 03 – blá, blá, blá. Vá para Ponto 04.
Ponto 04 – blá, blá, blá. Vá para Ponto 05 ou Ponto 06.
E assim por diante, deixando para “embaralhar” os pontos depois que todos estivessem escritos. Aconteceu que, lá pelo ponto 16 eu já estava achando tudo confuso demais, tendo que ir e voltar no texto muitas vezes, para confirmar se eu estava fazendo as remissões certas. Isso sem falar que, depois de tudo escrito, eu ainda teria que dar uma numeração a estes pontos, renomeando-os todos. Achei que seria muito retrabalho sobre retrabalho e decidi abordar isso de outra forma: desenhei primeiro um grande fluxograma com 40 pontos, imaginando as possíveis conexões entre eles, e já com os números “embaralhados”. Só então voltei a escrever, encaixando-os já nos seus devidos lugares e mudando manualmente as conexões que eram necessárias. Trabalhando de um modo mais visual me foi muito mais fácil e, em uma tarde, todos os 40 pontos estavam definidos e argumentados.
_
Atualmente, estamos trabalhando em duas frentes: eu estou fazendo os concepts dos coadjuvantes e cenários, enquanto Marlon e Fabrícius estão definido os diálogos e propondo as primeiras ideias de disposição e enquadramento dos quadrinhos. Dois assuntos que já queria falar agora, mas o post está ficando muito grande, então vão ficar para uma próxima. Até lá! o/
*Estava até então chamando essa série de “O Rpgista acadêmico”, mas resolvi trocar porque 1: é um nome muito grande; 2: faz parecer que se trata de uma série de artigos acadêmicos feitos por rpgistas ao invés de uma série sobre a construção de uma aventura-solo em quadrinhos.
Quero mais! haha
Logo vem! ;D