O Código Élfico: Amor, Super-heróis e Serial killers.
ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS MENORES
E ainda mais atenção. Essa resenha é de um fã assumido do autor Leonel Caldela.
Então não é lá muito confiável, mas tentarei ser justo e abrangente.
Certa vez, gravando um podcast com alguns amigos meus sobre o livro O Caçador de Apóstolos (podcast que jamais irá ao ar, porque a gravação ficou péssima), lembro de ter falado algo mais ou menos assim:
“O grande lance do Leonel é que ele escreve bem, muito bem. Por mim, ele poderia escrever até mesmo uma dessas historinhas de amor fuleiras vendidas em bancas de jornal e mesmo assim eu leria.”
Porque o Leonel não foi apenas o responsável por trazer um novo respiro de inovação e maturidade para Tormenta, o cenário de RPG que eu cresci jogando, mas porque é um escritor que consegue consegue cativar você desde a primeira página com uma prosa visceral, que é ao mesmo rica e crua, elaborada e fluida.
Agora, adivinhe. No final das contas, embora esteja longe (bem longeeeee) de ser uma historinha fuleira, seu sexto romance, O Código Élfico, acabou sendo justamente uma história de amor. Sim, como Crepúsculo ou Titanic. Mas também como O Corcel Negro ou Máquina Mortífera.
Confuso? Explico.
Porque toda história de amor tem a mesma estrutura.
1 – Dois protagonistas que inicialmente não se dão muito bem.
2 – MAS eles são opostos que se atraem. De alguma forma eles se completam.
3 – Então alguma coisa acontece. Existe uma pessoa ou situação extraordinária tentando impedir que a união dos dois se concretize totalmente, no entanto, essa mesma coisa é aquilo que os acaba unindo.
Há, é claro, diversas variações dessa estrutura, no entanto, para o roteirista Blake Snyder isso é uma história de amor. E assim também é a história de O Código Élfico.
Temos os dois protagonistas:
De um lado do ringue, Astarte, o príncipe dos elfos que vive em uma dimensão paralela chamada Arcádia. Ele é um arqueiro sem par e um mestre em quase todas as artes élficas.
É o filho de uma deusa profana conhecida como Rainha da Beleza e foi criado para ser o ápice de sua raça, viver uma vida contemplativa. Vale notar que muitos dos conceitos no quais a civilização dos elfos de OCdE é baseada são inspirados diretamente na filosofia oriental do nosso mundo (na verdade, dentro do universo do livro, foi a filosofia oriental que se inspirou nos elfos!)
Um dia, Astarte descobre a horrível verdade: para que exista uma raça inteira de poetas guerreiros e filósofos, é preciso que exista uma raça de escravos. E os escravos somos nós, humanos. Os elfos desejam voltar a Terra, planeta sobre o qual já reinaram no passado remoto, e dominar tudo novamente.
Tendo sido educado longe desse lado corrompido dos elfos e como todo bom adolescente (embora tenha séculos de idade) Astarte dá um grande “FODA-SE O SISTEMA!” e foge para nossa realidade voltando-se contra seu próprio povo.
Do outro lado do ringue, temos Nicole Manzini. Nicole é uma jovem terráquea estudante de filosofia com um passado conturbado. Foi criada por uma família de psicopatas estilo Charles Manson e possui um magnetismo sobrenatural que faz com que todas (TODAS!) as lendas urbanas se tornem reais quando ela está por perto, tendo sempre a própria Nicole e pessoas próximas a ela como alvo preferencial. Nicole é a clássica pós-adolescente cínica e cética, mas nesse caso ela criou esse comportamento como uma forma de lidar com todas as desgraças pelas quais passou.
Astarte e Nicole são um par romântico. O que os aproxima é ao mesmo tempo aquilo que os afasta. Uma circunstancia extraordinária: a invasão dos elfos.
Entramos então no que resume minha opinião sobre OCdE: essa não é apenas uma história de amor, é claro, mas uma história de super-heróis.
Astarte é o Superman do Caldela: um ser de outra raça, que chove na terra e que está decidido a ser nosso defensor. É um personagem maior que a vida, maior do que tudo e um bom escoteiro: não mata, a menos que seja estritamente necessário. É perfeito e um deus nos combates. Sua maior kriptonita é entender o nosso mundo louco e uma garota mais louca ainda.
(Aliás, acho que há até mesmo uma referência sutil ao personagem da DC Comics: nas HQs o Superman é vulnerável a magia, e magia é a única arte élfica que Astarte não domina.)
Por outro lado, Nicole NÃO é uma Lois Lane. Não passa livro inteiro sendo salva pelo herói, atravessa toda uma jornada de evolução e chuta tantas bundas quanto todos os outros personagens. Apesar de ser humana, ela também é maior do que a vida, alguém que passou por experiências muito longe do mundano e deslocada no nosso mundinho.
O mesmo se dá com o mercenário Félix Kowalski (meu personagem favorito do livro todo). O mesmo se dá com o vilão mezzo Lex Luthor, mezzo Patrick Bateman, Emanuel Montague. Todos seres grandiosos e fora do comum.
Por isso (como diz a citação na capa do romance, aliás), OcdE é um livro de aventura épica não terror. Bem escrito, vale cada centavo, mas não acho que deva ser lido procurando ~realismo~. Esses são personagens que vivem vidas e tem diálogos entre si não muito diferentes do que você está acostumado a ver em filmes de ação ou HQs.
“Ué, mas essa não é uma história de terror?” O terror está lá. Mas é pando de fundo.
OCdE tem uma compilação de lendas urbanas, histórias macabras e brinca com vários clichês de filmes do gênero. Assim como Joss Whedon fez com em o “O Segredo da Cabana”, Caldela pegou tudo isso e colocou dentro de uma mitologia própria e coerente. O romance também está repleto de referências legais. (Vibrei ao descobrir QUEM foi um dos grande inimigos da raça élfica.)
Mas são apenas elementos de terror numa história épica, assim como em outros trabalhos do Leonel. A Trilogia Tormenta era fantasia épica com toques de horror barkeriano e lovecraftiano em algumas cenas (principalmente referentes à Tormenta em si.) A mesma coisa em alguns momentos de O Caçador de Apóstolos e Deus Máquina.
Não quer dizer que OCdE não tenha momentos humanos. Tem muitos. E são os mais legais. Como todo um diálogo envolvendo uma simples barra de chocolate.
E não quer dizer que apesar de ter adorado o romance, eu não tenha queixas. Pessoalmente não gostei muito do subplot envolvendo os habitantes de Santo Ossário (Principalmente do desfecho.) E embora todas as lutas sejam fodásticas, não curti quando foram ficando cada vez mais resumidas a força de vontade/estado de concentração (em OCdE isso é quase o equivalente ao Ki de Dragonball ou ao Cosmo de Cavaleiros do Zodíaco)
Avaliando como aventura, Código Élfico tem uma nota dez em dez. Agora, se você deseja algo mais realista e down-to-earth, um terror onde os protagonistas são humanos comuns e o sobrenatural é só uma pincelada, talvez seja melhor procurar um livro do Stephen King.
Mas mesmo assim acho que você deveria deixar a frescura de lado e ler o romance.
Por quê?
Porque o Leonel escreve bem. Muito bem.
O Código Élfico. Leonel Caldela. 576 páginas. R$ 37,50.
Só lendo aqui que me dei conta que o Código é uma “história de amor” mas não num estilo para menininhas, mas de uma forma muito louca e heróica, acho que o Caldela conseguiu transformar as lendas urbanas que normalmente são grandes clichês em algo totalmente surpreendente!Realmente cada centavo, vale cada página.
Cara, a parte que você menos gostou, foi justamento a que eu mais gostei. O povo de Santo Ossário são, para mim, muito mais interessantes que Astarte. (Nicole ainda é legal). De fato, junto com o Felix (de longe, o personagem mais cool que o Caldela já criou), o Abel é meu personagem favorito. Tipo cara, o capítulo que conta a história do Abel é um dos melhores do livro, dá pena e admiração pelo rapaz.
Certo, e agora, um ponto que me deixou indignado por você não ter mencionado: Salomão Manzini. Salomão é um monstro, e pra mim, um dos personagem mais legais do livro. Legais em sentido de maneiros, por que o cara compete com o Patri…Emanuel Montague pelo posto de capeta na Terra.
Enfim, de resto concordo em tudo. E só eu imaginei o Salomão como uma fusão do Papai Noel com o Charles Manson?
“E só eu imaginei o Salomão como uma fusão do Papai Noel com o Charles Manson?”
Não! Eu imaginei ele assim também. (fisicamente)
O Salomão é foda. Mas não dá pra falar de tudo que está no livro em uma resenha.
Sim sim, fisicamente. E eu entendo que não dá pra falar tudo, só mencionei o Salomão porque eu gostei pacas dele. Digo, o personagem é foda. (E se um filme fosse feito, eu vejo o Jack Nicholson ou Jeff Bridges como ele… digo, seria interessante xD)
Eu só tive de discordar na questão Santo Ossário mesmo. Tipo, apesar de ter uns personagens que eu não gostei de jeito nenhum (As irmãs Salazar e aquela prostituta cujo nome eu não me lembro), isso deu um clima de cidade pequena um pouco mais real. Sei lá, eu curti. E o Custódio é um excelente exemplo de personagem que não está nem perto do nível dos personagens do livro em habilidades/poder, mas que consegue ser badass da sua maneira.
[SPOILER A FRENTE]
Quando ele diz, no final do livro:
– Você está preso, Emanuel.
Me deu uma imagem muito foda na mente. Eu gostei exatamente do fato deles serem muito mais mundanos do que o resto, e ainda assim terem uma participação interessante, entende?
[SPOILERS!]
.
.
.
.
Entendo você ter curtido, Matheus. O Abel mesmo é um personagem carismático.
Meu problema aqui é mais uma questão de gosto pessoal, não por algo ter sido mal executado. O lance do Coração de Santo Ossário e dos habitantes se unindo para tentar proteger a cidade (nesse clima de “nossa cidade”) me desceu um tanto piegas.
Acho que tenho uma visão um pouco mais pessimista quanto a cidades pequenas (talvez, por morar em uma). O Caldela trabalha bem esse lado negativo num conto de fantasia medieval dele chamado “História de Herói”, ambientado no cenário Tormenta.
Eu gostaria de ter visto uma dinâmica mais parecida com isso no final desse subplot. Teria casado mais com o clima de O Código Élfico. Mas, como eu disse, é questão de gosto pessoal. 😉
[SPOILERS]
.
.
.
.
.
Certo, a questão do “nossa cidade” soou meio piegas. E entendo perfeitamente seu ponto de vista. Talvez eu tenha curtido o subplot mais por ter mostrado algo diferente do que eu to acostumado em fantasia: gente comum fazendo coisas grandes. Convenhamos, Nicole, Astarte e Felix nem de longe são comuns. Felix pode ser “só” humano, mas ainda assim é muito superior a média humana.
Eu também não curti muito a marcha no final do livro, eu esperava algo mais “táticas de guerrilha” dos habitantes. Mas curti o subplot em geral. Enfim, de qualquer maneira, grande resenha, tirando o já comentado, concordo com tudo. =D
P.S.: Desde que compararam o Emanuel ao Lex Luthor, eu não consigo imaginar ele com cabelo. Diacho.
Concordo em número, gênero e grau. Estou lendo. E é um dos melhores livros que já li!