Resenha – O Rei Mago
O Rei Mago é, sem firulas, a continuação de Os Magos, livro que eu havia resenhado no meu blog ainda na edição importada, The Magicians, antes de uma edição nacional ser sequer sonhada. Vale destacar, aliás, a velocidade da editora Amarilys em trazer o livro tão rápido para cá – ele foi lançado em língua inglesa em agosto passado, e no começo deste ano já era possível encontrar a tradução nas lojas! Preferi valorizar o nosso mercado local, assim, e comprar esta versão, ao invés de ter todo o trabalho de importá-lo de terras estrangeiras, por mais que a capa britânica tenha ficado absurdamente mais bonita.
Em todo caso, o livro continua a história de Quentin Coldwater, o nosso misto de Holden Caulfield e Harry Potter preferido, já anos depois de se formar na universidade mágica de Brakebills e ter a sua primeira viagem trágica para o reino encantado de Fillory. Agora, junto com alguns antigos colegas e amigos, ele se tornou um dos quatro reis do local, passando seus dias entre banquetes vistosos, caçadas mágicas e aparições públicas na varanda do seu castelo. Seria um belo de um final feliz para a sua história, não fosse o fato de que ele ainda sente falta de alguma coisa, algo que deixou para trás mas que não consegue exatamente nomear – e será esse sentimento, é claro, que porá tudo a perder, e o forçará a entrar em uma nova jornada de auto-descoberta até os confins do mundo conhecido.
Paralelamente a esta viagem conhecemos a história de Julia, amiga de infância de Quentin e agora também uma rainha de Fillory, que havia sido recusada em Brakebills e teve que descobrir a magia sozinha, pagando um preço altíssimo por ela. Na verdade, aqui ela é muito mais propriamente uma protagonista do que Quentin: aproximadamente metade do livro envolve a sua história pessoal atrás dos segredos arcanos que lhe foram negados no livro anterior, e é através dela que todo o seu cenário e o universo, antes praticamente restritos a Brakebills e Fillory, se desenvolve e expande, tomando ares de uma fantasia urbana que não deve nada a qualquer história do Neil Gaiman.
É também a história de Julia que compreende o lado mais intenso do livro, aquele que nos dá um nó na garganta ao se aproximar do desfecho e nos deixa pensativos por dias a fio. O autor Lev Grossman costuma se basear e fantasiar a sua própria história pessoal, muitas vezes levada na base de consultas psiquiátricas e anti-depressivos, para criar seus personagens, e isso dota eles de uma força e realidade bastante únicas, mesmo quando jogados em um mundo repleto de magia e seres mitológicos. Já falei um pouco sobre estas histórias no meu blog, que ele costuma relatar algumas vezes no seu próprio site pessoal, e a forma como eu me identifiquei e relacionei com elas. Acho que a melhor descrição que vi sobre o resultado está em alguma resenha que li algum tempos atrás, embora não consiga me lembrar onde: ele é ao mesmo tempo uma homenagem sincera e envolvente às histórias de fantasia clássicas como as Crônicas de Nárnia e Harry Potter, e uma desconstrução extremamente crítica delas e daqueles que as lêem; ao mesmo tempo em que nos encanta com um mundo maravilhoso repleto de fantasia, ele também nos puxa bruscamente de volta à realidade, chutando o escapismo para longe e nos fazendo parar e refletir sobre nós mesmos, raramente de forma elogiosa.
Na soma geral, em todo caso, acho que me envolvi e cativei mais com o primeiro livro do que este. Ele tem o lado positivo de ser mais direto e objetivo na ação, sem se estender por metade do livro em desventuras estudantis; por outro lado, por ter lido o anterior justamente durante o meu período de ressaca pós-formatura, acho que elas ajudaram mesmo que eu me identificasse com os personagens e situações, e tornasse a experiência toda de ler ele um tanto mais intensa. Não sei também até que ponto o fato de eu ter lido uma tradução atrapalhou nisso, mas eu senti o estilo um pouco mais exagerado e cru do que o anterior, nem sempre com frases e parágrafos muito bem aparadas e retinhos. Aliás, se anteriormente eu elogiei a velocidade da editora em lançá-lo, aqui vale um puxão de orelha também: o texto final em português me pareceu um tanto mal revisado, errando, por exemplo, praticamente todos os particípios do verbo pagar, além de algumas frases que alguém com algum conhecimento de inglês consegue facilmente reverter para a língua original e pensar em uma tradução melhor. Não é nada que realmente prejudique a leitura, mas incomoda um pouco, especialmente se pensarmos que são coisas que poderiam ser evitadas com uma ou duas revisões a mais; alguns meses a mais para ter o livro em mãos não me incomodariam nem um pouco para ter um produto melhor acabado.
É interessante destacar também a forma como o livro deixa a a possibilidade aberta para ainda outra continuação, provavelmente fechando uma trilogia (ou até mesmo uma série maior, vai saber). Antes que critiquem, no entanto, é bom deixar claro que a história é perfeitamente autocontida, resolvendo de forma satisfatória todas as tramas e subtramas que ela mesma propõe, com todos os três atos narrativos perfeitamente bem estabelecidos; se você consegue perceber esta abertura, é muito mais por dicas e comentários laterais, deixados entendidos nas entrelinhas, e no final um tanto melancólico que na verdade nos deixa desejando que uma continuação venha, mais do que meramente esperando. Sem contar, é claro, em todos os personagens cativantes que conhecemos ao longo do livro, que passamos às vezes a ver mesmo como amigos pessoais, e que sinceramente gostaríamos de ter a oportunidade de encontrar novamente. Bom, eu gostaria, pelo menos.
Enfim, O Rei Mago é um ótimo livro, uma continuação perfeitamente a altura de um livro tão marcante como foi o primeiro Os Magos para mim. Recomendo ambos enormemente.
O Rei Mago (The Magician King), de Lev Grossman.
432 páginas, por R$49,00 na Livraria Cultura.
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