Resenha: Rei Rato
Rei Rato traz de volta um velho conhecido do site, mas de quem não se falava por aqui fazia algum tempo – o escritor britânico China Miéville. Trata-se, no caso, do seu romance de estréia, e também o primeiro a ser traduzido para o português e lançado no Brasil pela Tarja Editorial, que, dizem os boatos, está trabalhando em uma edição nacional do clássico Perdido Street Station.
O livro conta a história de Saul Garamond, um jovem londrino que um dia é acordado pela polícia para descobrir que o seu pai está morto depois de cair da janela do apartamento. É claro que não foi um simples acidente, e esse é o estopim que o colocará em contato com todo o mundo estranho e fantástico que existe sob as ruas de Londres, bem como lhe revelar detalhes obscuros sobre o seu nascimento e ascendência.
Em alguns aspectos, o cenário e a história lembram bastante Lugar-Nenhum, do Neil Gaiman – ambos lidam, afinal, com universos escondidos sob as ruas londrinas, e a queda de alguém “de cima” até eles. Se Gaiman cria um mundo colorido e cheio de magia, no entanto, Miéville é muito mais duro na sua caracterização, enchendo a sua anti-Londres de sujeira e podridão, e até mesmo fazendo os seus protagonistas se alimentarem dela. Por outro lado, achei o cenário do primeiro muito mais vivo e pulsante, repleto de personagens únicos e ambientes envolventes, o que me levou mesmo mesmo a refletir algumas coisas sobre o nosso próprio mundo; o universo mágico de Miéville, ao contrário, parece mais simples e objetivo, quase um cenário teatral mesmo, apenas um pano de fundo para o seu roteiro se desenvolver. Muito mais viva são as suas descrições da Londres original, e da cultura urbana do drum and bass que permeia a narrativa.
Já no roteiro propriamente dito, Miéville é de fato muito mais eficiente do que o Gaiman. Trata-se de uma história de jornada do herói, auto-descoberta e amadurecimento bastante simples, a bem da verdade, mas muito bem executada. Ela reconta e atualiza um conto de fadas clássico – O Flautista de Hamelin -, trazendo-o para a Londres moderna, recheando-o com drum and bass e transformando-o, em alguns momentos, quase em uma história de super-heróis, ou mesmo em um mangá shonen, desses em que personagens super-poderosos se debatem por sobre os prédios da cidade. Longe de ser uma história juvenil, no entanto, ela é também pesada e forte, sem se furtar de descrever mortes e amputações de forma bastante gráfica, e com um quê de romance policial em alguns momentos.
Considerando o meu conhecimento de obras posteriores do autor, é interessante notar também a sua evolução enquanto escritor. Pode-se ver bem que se trata do seu primeiro romance, pela forma como ele organiza as descrições e o roteiro, e também como tateia um tanto receoso em algumas delas. A sua ideologia política assumida também se faz presente, embora raramente de forma panfletária – apenas a cena final quase me fez rir em voz alta, pelo seu exagero intrínseco.
A tradução de Alexandre Mandarino também merece todos os méritos. Pela apresentação já dá pra perceber que se trata de uma obra difícil – muitas passagens e diálogos são escritos no dialeto cockney, que é falado pela classe trabalhadora em alguns locais de Londres, o que torna uma tradução e adaptação bastante complicadas. O uso de gírias comuns acabou funcionando bem, acho eu, e o resultado é uma leitura fluida e fácil. O uso extensivo de notas de tradução, algo com a qual eu geralmente tenho algumas reservas, também serviu bem pra elucidar as poucas dúvidas que surgiram, e o seu posicionamento no fim dos capítulos não atrapalha o fluxo da narrativa – você pode facilmente ignorá-las por completo se assim quiser.
Enfim, Rei Rato é um livro muito interessante, o livro de estréia de um dos principais e mais premiados autores de fantasia atuais, finalmente publicado em português. Para os que tinham curiosidade a respeito mas não entendiam o suficiente de inglês para ir atrás dos originais, essa é a chance de vocês.
Rei Rato (King Rat), de China Miéville traduzido por Alexandre Mandarino.
400 páginas, por R$ 56,00 ou R$ 42,00 na loja da editora.
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