Mago D´Zilla – Guerra à Tormenta 03 – Tecnomago
Caminhando pelos corredores do Liceu TecnoMágico com a altivez que lhe era peculiar, o Velho Mestre agora envergava a identidade do admirável Mago D´Zilla em sua estranha e reluzente armadura. Dirigia-se naquela manhã aoauditório da escola, onde pretendia oferecer uma de suas palestras livres nessa identidade (todos os alunos sabiam que Velho Mestre e Mago D’Zilla eram a mesma pessoa). Ainda havia apenas uma dúzia de alunos matriculados no Liceu, e como o comparecimento a essas palestras era opcional o arcano não esperava mais do que três ou quatro deles ali àquela hora.
Assim, foi com grata surpresa que constatou a presença de todos os alunos matriculados quando chegou ao auditório. Chegando ao púlpito que o aguardava estalou os dedos, ao que a iluminação diminuiu e um foco de luz centrou suas energias em seu corpo.
— Bonanças a todos! – cumprimentou ele, ouvindo não o sonolento coro desencontrado de respostas que esperava, mas um enérgico e uníssono “Bonanças, Mago D´Zilla!”. Começando a ficar desconfiado, continuou com a rotina dessas ocasiões. – Como é costume nessas palestras, vou pedir que a platéia sugira um assunto para nossa discussão de hoje. Para aqueles que não costumam acompanhar a atividade, explico que esse assunto pode ser a respeito de qualquer coisa tecno-mágica, mágica ou não mágica.
De seu lugar especial no fundo do auditório uma centaurete empinou o corpo e ergueu os braços. D´Zilla sorriu para a aluna. A tecnomagia tinha um grande potencial para atrair para si membros das raças que não têm afinidade com a magia normal, como já atraíra a ela, um minotauro, um dragão caçador, uma nagah e até mesmo um anão. Sinalizando para a aluna, ele deu início aos trabalhos do dia.
— Pode falar então, Srta. Tervellous.
— Mestre D´Zilla, é verdade que o senhor derrotou o dragão vermelho Sckhar em combate?
— Bem, não era exatamente o que eu… mas não, Srta. Tervellous, não foi bem assim. Veja, o dragão-rei exigiu que eu “passasse por ele” antes de permitir-me entrar em seu reino. Assim, usei de magia para tornar-me insubstancial como um fantasma, e atravessei seu corpo. Tendo de certa forma “passado” por ele (na verdade, através dele), o dragão sentiu que não tinha alternativa a não ser cumprir sua parte na barganha. Isso levanta um tópico bem interessante, pois nem sempre a confrontação direta… pois não, Dr. Fomahault?
O jovem médico de Sallistick, considerado excêntrico pelo uso de roupas impecavelmente claras e limpas, levantou-se para fazer seu aparte.
— Mestre D’Zilla, estou mesmo intrigado sobre a forma como o senhor curou uma vítima não-anã da toxina das aranhas Beijo de Tenebra.
— Lamento desapontá-lo, Dr. Fomahault, mas cura é uma das habilidades que não possuo. O que fiz foi apenas transformar o corpo da vítima – e o meu mesmo, por falar nisso – numa forma que permitiu-nos destruir a toxina em nossos metabolismos e prevenir novas inoculações até que saíssemos de Doherimm, a saber, em anões. E, antes que alguém pergunte, exatamente por isso fui sujeito à mesma condição que impede anões nativos de revelarem a localização dos acessos ao reino subterrâneo. Alguém por acaso tem uma pergunta que NÃO se refira às minhas andanças pregressas por Arton?
Apenas um braço ergueu-se no auditório, e foi com um certo alívio que D’Zilla estendeu a mão para indicar à anã Aristha Shadowlake que a palavra havia sido concedida a ela. “Ele!”, corrigiu mentalmente o arcano, mas tratava-se de um segredo particular da aluna… do aluno em questão.
— Por que o senhor não fala nada sobre essas aventuras que viveu pelo continente, Mestre D’Zilla? Poderíamos aprender muito com elas!
— Aristha, o objetivo do Liceu TecnoMágico não é promover a minha imagem pública, mas sim o crescimento de vocês, alunos, enquanto tecnomagos. Quer resolvam seguir a “carreira” de aventureiro no futuro, ou mesmo outra qualquer, espero que essa decisão os encontre aptos a encontrarem suas próprias soluções para seus problemas, e não a lamentarem não ter o poder para usar as soluções que eu empreguei no passado.
Vendo as expressões desapontadas de seus alunos, e o constrangido silêncio que se seguiu à sua última frase, D’Zilla ficou penalizado, e sentiu que pelo menos a turma merecia uma recompensa por seu esforço em estar ali em peso àquela hora.
— Por outro lado, essa é uma palestra livre, afinal de contas. Estabeleci que qualquer assunto era válido, então que assim seja. Podem perguntar o que quiserem!
Assim D’Zilla passou a manhã inteira desmentindo exageros que seus alunos haviam ouvido de um bardo forasteiro na praça e detalhando as aventuras de seu original por Arton (já que as memórias dele deste período eram quase as mesmas, não sentia-se um mentiroso completo). Às dez e meia, dispensando a turma para o almoço, o mago saiu da torre e dirigiu-se furioso ao centro da cidade.
— ROOORM ROODRIK!!! – Bradou ele com um brilho esmeralda nos olhos e com força suficiente para ser ouvido na cidade toda. Apesar de o céu estar limpo naquela manhã, relâmpagos e trovões acompanharam a manifestação de fúria do arcano, e na sequência o bardo surgiu diante dele com o corpo sentado em alguma coisa que não foi atingida pela magia de teleporte, com uma coxa de galinha nos dentes. Caindo ao chão, rapidamente Rodrik empertigou-se para encarar o ex-colega.
— Eis que surge Mago D’Zilla! – diz ele, engolindo o bocado que havia mordido junto com o medo que aquela “invocação” despertara nele. – Ou melhor, eu surgi, né! Que bonita sua roupa, foi você que fez?
— Vamos falar do que VOCÊ fez, seu bardo linguarudo! Que idéia é essa de ficar espalhando versões deturpadas dos acontecimentos de minha vida?
— Ei, calma aí, Tio Véio! Eu… GAK!
— E não me chame de “Tio Véio” quando eu estiver usando essa armadura! – sussurrou o mago ao bardo enquanto segurava-o pelo pescoço bem perto de si. – É a última vez que aviso.
Quando foi solto Rodrik caiu novamente, e levantou-se furioso por sua vez.
— O que é que há?! Ficou bravinho porque fiz o que todos os bardos fazem? Ganho a vida cantando e contando histórias, sabia? E daí se às vezes enfeito um pouco um ou outro detalhe? Me pagam mais quanto mais gostam de minha arte, e eu ainda preciso comer para viver! – completou, ostentando a coxa de galinha mordida e arrancando-lhe outro naco de carne.
Respirando fundo para se acalmar, Mago D’Zilla interrompeu a conjuração da rajada de plasma que estava preparando quase sem pensar no que fazia. Rorm Rodrik, apesar de incômodo, atrevido, desrespeitoso e positivamente irritante, não era maligno em essência.
— Por quê o grupo está se juntando outra vez, Rodrik?
— Ufa, até que enfim! – bradou Rorm com os braços amplamente abertos em direção aos céus. – Caiu o tibar, foi? Não é para dar nenhuma festinha de reencontro, pode crer! Tem uma criatura posando de deus lá em Nova Ghondriann, um tal de Q’tohr-Loo ou coisa assim, que está armando um esquema prá lá de sinistro! Ele se diz o “deus da profanação e da blasfêmia”, e começou a carreira aprisionando a deusa do Ezram numa fortaleza perto da fronteira com Portsmouth.
— Lybriell, cativa? – D’Zilla lembrava-se da deusa da Liberdade, ela havia indicado o caminho para seu original retornar a Theros, seu planeta de origem, e ordenado a Ezram, seu paladino, que o acompanhasse na jornada até o ponto de partida.
— É, é! A gente vai partir daqui mesmo, assim que todos chegarem! E aí, você vem ou não?
— Então está bem, bardo. Esperaremos pelos outros, mas enquanto isso você não vai ameaçar mais meus segredos!
— Legal! Vai me transformar em morador da sua Torre? Só se for agora!
O elmo negro da armadura do arcano, coberto por um capuz azul-escuro de tecido metalizado, deixava entrever silhuetas luminosas de seus olhos e de sua boca. Um dos olhos do arcano arregalou-se enquanto o outro permaneceu semi-contraído, o mago analisando a situação a partir de várias perspectivas.
— É, Rodrik, essa seria a solução mais… conveniente.
Quando Rodrik viu o Mago D’Zilla sorrir, soube que estava encrencado.
Muuuito encrencado.
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