Blood & Honor: novo RPG de samurai de John Wick

John Wick (Legend of the Five Rings) retoma, após dez anos, a temática dos samurai em seu novo RPG, Blood & Honor. O sistema usado aqui é idêntico àquele visto em Houses of the Blooded, sobre o qual você pode ler aqui. Assim, vou abordar aqui, brevemente, as partes que não abordei ao escrever sobre o Houses.
Enquanto no Houses você controla o feudo pertencente a seu personagem, aqui a coisa muda um pouco — você cria (e administra) o clã a que seu personagem pertence. Diversos personagens podem pertencer ao mesmo clã, o que representa uma vantagem — desta maneira, dispõe-se de mais recursospara construí-lo. Clãs são importantes, visto que o jogo trata de guerra entre clãs de samurai. Seu personagem individual é pouco importante — ele é um samurai, e como tal, sua vontade individual está subordinada ao coletivo.
Para compor seu clã, primeiro define-se o Daimyo, o senhor do clã. Ele começa com Rank 1, o que significa que ele controla, inicialmente, uma província apenas. Ele pode “evoluir,” adquirindo mais províncias via guerra. Os daimyos vêm em “tipos,” cada um provendo uma vantagem e uma desvantagem. Pode ser sábio, ambicioso, perigoso, cruel… Ou meu favorito, louco — a cada estação, a rolagem de 1d6 define o tipo ao qual ele pertence durante aquela estação.
Blood & Honor: novo RPG de samurai de John Wick 1A seguir, escolhe-se a virtude do clã. Escolhe-se entre aquelas que compõem os “atributos” do personagem: Beleza, Coragem, Astúcia, Proeza Marcial, Força e Sabedoria. Feito isto, cabe decidir os recursos do clã — os servos, riqueza e instalações (como templo budista, casa de geisha, dojo…) com que conta sua província. Escolha então 4 Aspectos para o clã — temos exemplos como “Nenhum de nós é melhor que nós todos juntos” ou “A melhor espada é aquela que fica na bainha.” Você deve escolher também o Meibutsu da província, isto é, aquilo que ela produz de melhor, que nenhuma outra consegue se equiparar. É porcelana, têxteis, saquê, caranguejos?  Defina a heráldica e o nome do clã — este nome deve significar algo. É como o nome do personagem no Houses of the Blooded — se você se envolve em um risco em que o significado do nome tenha relevância, você recebe um dado extra.
A parte final é a mais divertida, na minha opinião: os jogadores definem as verdades sobre o clã. Cada jogador tem direito a uma, e pode ser qualquer coisa, desde que não contradiga algo já estabelecido por outro jogador. A esposa do daimyo é infiel? O sensei do dojo é cego? A floresta da província é assombrada por aranhas fantasmagóricas? Muitos dos espiões do clã são geisha? Os jogadores podem definir qualquer coisa a respeito da província — e tudo é verdade.
É mais vantajoso, como disse, que diversos (se não todos os) jogadores se unam para criar o clã. No caso dos holdings (as propriedades e recursos da província), cada jogador tem direito a escolher um. Um clã de um personagem só tem uma província paupérrima — apenas um holding. Quatro jogadores, todavia, saem com uma província bem melhor de 4 holdings.
Quanto aos personagens, estes têm a mesma estrutura de Virtudes e Aspectos vista no Houses of the Blooded — você pode ler sobre isto no artigo sobre este jogo, cujo link forneci no início desta. Além disto, os personagens contam com um Dever, Honra & Glória e uma Vantagem.
O Dever (Giri) é a função que seu personagem exerce no serviço ao daimyo, e  fornece 3 vantagens. Primeiro, 3 dados de bônus em qualquer risco que envolva o dever (como na invocação de um Aspecto, mas sem sê-lo: ou seja, pode-se usar um Aspecto e o Dever em um dado risco!). Segundo, uma Habilidade especial. Terceiro, um Benefício dentro do mundo do jogo. Como exemplo, Yojimbo:

YOJIMBO (BODYGUARD)
You are the Daimyo’s personal protector. You never leave his side.
If any harm comes to him and you are still alive, you will be
expected to answer for your shame with your own life.
Ability: You may take an Injury for any other samurai from
your Clan, saving them from that Injury. Reduce the rank of
that Injury by a number of ranks equal to your Giri Rank.
Benefit: You have a number of Guardsmen with you at all
times. You have a number of ranks of Guardsmen equal to
your Giri Rank. These men cannot be bribed or bought away
from you; these are your men and will serve you to the death.
See Violence and War for more information.

Para Honra, o personagem recebe 2 ranks. O conceito de honra varia conforme a Virtude do clã, mas a mecânica não, em pontos. São semelhantes aos Style Points do Houses of the Blooded, com algumas diferenças. Primeiro, sequer chegam perto dos Aspectos. Segundo, são um recurso coletivo — o grupo conta com um Honor Pool, cuja quantidade de pontos de honra é igual ao valor combinado de Honra dos personagens. O uso destes pontos concede bônus em riscos (impressionantes 4 dados) e a possibilidade de adicionar elementos à narrativa, como se faz com as apostas. Pontos de honra podem ser ganhos em jogo, mas apenas através de riscos que beneficiem o clã, não o personagem.
Para Glória, 1 graduação, e deve-se definir a reputação em uma frase, algo como “Grande Espadachim.” Graduações em Glória podem conceder bônus em riscos relacionados à descrição. Tal valor aumenta em jogo, mas também pode diminuir quando sua reputação é ferida.
Já Vantagens são o que o nome diz: uma vantagem. Quatro seguem como exemplo:

ANCIENT SWORD
You are in possession of an ancient weapon handed down
from family member to family member… or perhaps
you stole it. Regardless, it is yours. See Violence for more
information on ancient weapons.
ARCHER’S EYE
When using a bow, you do the same damage as a katana.
Unfortunately, when you use a katana, treat it as a normal
weapon. See Violence for more information.
INSIGHT
You were born to perform your duty for the Daimyo. All your
life has lead to the moment when you could serve. You begin
the game with a Giri Rank of 2 rather than 1.
LARGE
Your character always gains a free wager on any Strength
risks.

Pessoalmente, penso que vantagens assim não são necessárias em jogo que conta com Aspectos, que já cobrem com maestria este tipo de elemento. Mas as vantagens têm, bem, uma vantagem — são sempre ativas, e não podem ser exploradas ou forçadas, como costumam ser os Aspectos. (Aspectos são também discutidos em detalhe no FATE, jogo de onde a regra se origina.) Aspectos não possuem custo de invocação, mas pode-se apenas invocar um por risco (e desde que o Aspecto seja relevante, claro), o que concede os usuais 3 dados de bônus.
Além dos elementos de clã e personagem, há ainda um capítulo sobre magia e religião (que parecem funcionar da mesma forma que as bênçãos do Houses of the Blooded) e outro dedicado à prática da guerra. Guerra, como o próprio jogo afirma, é uma merda. Quando a guerra é declara, nenhuma ação de estação (ações tomadas a cada estação do ano, que envolvem manutenção e melhoria das províncias, fabricação de itens, treinamento de samurai e espionagem) pode ser tomada além de fazer guerra. A guerra lhe custa oficiais, estruturas, recursos… Como no mundo real, a guerra é uma coisa estúpida (praticada por sujeitos estúpidos) que só traz perdas — se perder, perde a província — e possivelmente comete suicídio, a honra e tal; se ganhar, fica com duas províncias (a sua e a do oponente) arrasadas.
Combates são descritos no capítulo Violência, e um embate entre mais de duas cabeças, como no Houses, é chamado de mass murder. O autor prefere este termo, Violência, e não combate porque:

This chapter talks about violence. I won’t be using the kind of
terms you hear in other roleplaying games. That’s because most RPGs
say that they’re all about story, story, story. But then, someone draws
a sword, and the game suddenly shifts from “story” to “authentic
strategic simulation.” The game breaks everything down into arbitrary
dice rolls, pointless minutia and endless bookkeeping.

“Authentic strategic simulation” is not something you’re going to
find here. Instead, I present you with an alternative.

Usually, this kind of chapter is the longest in a roleplaying game.
In this case, it is going to be the shortest.

Há um detalhe interessante a respeito de espadas katana — se um personagem é acertado por uma katana, ele morre. Sem ferimentos, sem teste para resistir, sem poder gastar um ponto de Honra para transformar a morte em um “mero” Ferimento de rank 5 (quase morto) — se você é acertado por uma katana, você morre, ponto.De acordo com John Wick:

A samurai lives four feet from death. Four feet, of course, being
the length of a katana. I’ve said this many times before, but it bears
repeating.

When a sword maker tests a katana, a well-made katana, he tests
it on a pile of bodies stacked stomach to back. The number of bodies
the katana cuts through is the number put on the blade. “Four man
blade.” “Five man blade.”

Now, imagine getting hit with one of these things. Then imagine
asking, “How many hit points do I lose?”

(E o mesmo vale para armas de fogo. “Apenas um samurai pode carregar armas. Mas mesmo um camponês pode disparar uma arma de fogo. Pense nisso.”)
Além das regras — todas explicadas e bem amarradas aos conceitos do cenário, no caso Japão Antigo não-fantástico mas também não-histórico, apenas ficcional –, temos também as costumeiras seções que explicam coisas como interpretação e atribuições do narrador.
Como já comentei no artigo sobre o Houses of the Blooded, este é um dos meus sistemas favoritos, se não for o favorito. O sistema é leve, mas nem por isso impede o jogador de definir, mecanicamente, o personagem em detalhe. O mecanismo de apostas, que considero genial, gerencia muito bem o controle narrativo por parte dos jogadores (controle este que, em jogos mais velhos, pertence apenas ao narrador), dosando de maneira justa a “fatia da pizza” a que tem direito cada um. A mecânica de administração das províncias ao longo das estações, ainda que se pareça por vezes a um jogo de Civilization ou SimCity, é bacana — como no Houses, amarra o personagem ao cenário. Personagens aqui não são Wolverines enjoados, solitários mauzões que proferem frases de efeito canastronas/cafonas a todo o instante e deixam destruição por onde passam sem sequer se importar: eles são parte do mundo e da sociedade, têm responsabilidades, e suas ações têm conseqüências.
O livro, em formato eletrônico .pdf, possui 170 páginas, preto e branco de layout limpo e de fácil leitura, ilustrado com competente arte em estilo de gravura japonesa tradicional. E a melhor parte: custa apenas U$5.00 — muito barato para um jogo deste tamanho e qualidade.
Caso você tenha se interessado e deseja investir aproximadamente 10 reais de uma forma que vale muito a pena, pode encontrar o livro na loja virtual do John Wick. Lá você também pode encontrar os outros jogos do mesmo autor, sejam eles “grandes” (Houses of the Blooded) ou “pequenos” (Cat, Shotgun Diaries) — tudo por 5 dólares.
EDIT: Até 14 de junho, John Wick estará colhendo feedback para revisar e incrementar o livro. Feito isto, serão aplicadas as mudanças e então o livro será re-lançado, então em cores. (Evidentemente, quem comprou o livro agora poderá baixar a nova versão sem custo adicional.) Caso você tenha adquirido o .pdf e tem sugestões, envie um email para [email protected].

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12 Resultados

  1. Advogado de Regras disse:

    Maldição, fazer um RPG justamente sobre a temática que eu mais detesto com o sistema/cenário de Houses of the Blooded, que eu adoro. Eu realmente detesto o Wick.
    E como um off: Você cometeu dois erros minúsculos relevantes apenas para aficionados, mas que vale a pena citar: Escreve-se Civilazation ( Com um "z", e não com "s" ) e SimCity ( unido, e não com as palavras separadas. Viu que erro gigantesco? xD )

  2. Advogado de Regras disse:

    E uau, fui corrigir e piorei ainda mais: Civilization

  3. Bokken disse:

    Opa! Eu li apenas recentemente as resenhas de FATE e HotB, tinha achado extremamente interessantes, mas as ambientaçãoes não me atraíram muito… Agora, esse B&H… Cara, que foda! Fiquei até com vontade de reler Lobo Solitário! Vou comprar (e, possivelmente, já ler) hoje mesmo! Mas eu tenho certeza de que o que me espera é material da melhor qualidade, então muito obrigado por trazer essa pérola ao meu conhecimento! Hoje você ajudou a fazer um jogador de RPG mais feliz.

  4. Shido disse:

    Também não morro de amores por Japão feudal, mas pelo preço e pelo autor, valeu muito a pena. Foi muito legal para ver como o sistema do Houses pode se flexibilizar para se encaixar em um cenário diferente. (Ainda que similar em alguns pontos, uma vez que os Ven são tão anal-retentivos e neuróticos por ritual como os japoneses.)
    Mas o que eu queria ver mesmo era algum suplemento pro cenário do Houses mesmo. (Fora aquele com regras de live action que ele já lançou.)
    E obrigado pelos toques! Consertei — e aprendi a sempre dar uma checada no Google nesses casos. 😉

  5. Advogado de Regras disse:

    Eu não vejo os Ven e a ambientação altamente sugerida ( afinal, o nível de detalhes de Houses oscila como uma montanha-russa ) como muito diferente do "Japão Feudal" ( não só a tara Ven por rituais, mas também os limites bem rígidos entre "castas" e o tratamento "não muito gentil" para com os non-Blooded ) , o meu problema é simplesmente um desgosto irracional por tal cenário.
    Quanto a suplementos, eu ainda alimento uma certa esperança ( tola ) de um lançamento de um HotB no ambiente vitoriano ( e nenhum pouco Steampunk ).
    E um detalhe, Blood & Honor é também o nome de uma rede de bandas NeoNazis, Ou na versão "original", era o lema da Juventude Hitlerista ( Blut und Ehre ). Quanto tempo até acusarem o Wick de ser um Racialista Nazista? :p

  6. Silva disse:

    Paguei os 5 mangos no pdf e to achando interessante.
    Mas tem uma coisa me incomodando: no Houses a premissa de tragédia e drama era mais forte, mais presente. Mas nesse, apesar de se dizer “tragédia samurai”, não to conseguindo captar o vibe de “tragédia” não, nem no texto, nem nas mecânicas. Parece haver um dilema “Honra do grupo VS Glória pessoal”, mas esse não parece ter grande impacto, não vi exemplos que antagonizem estes elementos de forma significativa. Estou perdendo alguma coisa aqui?

  7. Putz, fiquei na vontade de comprar só pra ver as regras!
    Aspectos que não custam style? Nunca? Lembro que em HotB o primeiro uso na sessão é grátis.
    Foi o tempo em que eu me enfiava em livros sobre cultura japonesa. Mestrei uma grande crônica de Oriental Adventures (minha primeira experiência com D&D 3.0) e estudei o idioma japonês por três anos, tendo completado o curso básico e iniciado o intermediário.
    Cada vez que vejo RPG com tema oriental sinto o fogo voltando a acender.
    .-= Último post no blog de Alexandre Draco: Análise de Paradigma – Ações =-.

    • Shido disse:

      As regras me pareceram bem interessantes, e estou curiosíssimo para ver se algo vai ser modificado na revisão. (Embora eu acredite que seja improvável; o jogo foi submetido a bastante playtest, segundo o Wick, e possivelmente a revisão se concentre em errata e esclarecimentos.)
      Eu achei *estranhíssimo* os Aspectos que não custam style (ou honra). Até pensei que fosse um erro, mas não parece — afinal, se o gasto de 1 ponto de Honra concede, direto, 4 dados, usar o mesmo ponto para invocar um Aspecto por 3 não faria sentido. Ao que parece, a economia de pontos de Honra parece bem diferente da economia de Style relacionada aos Aspectos. Honra é um recurso comunal, aí não faria sentido taggear o Aspecto do colega, e por aí vai. Parece ser interessantíssimo na prática — mas que os Aspectos sem a economia de Style são estranhos, ah, isso são.

  8. jrmariano disse:

    Do que tenho lido parece-me uma versão mais concisa do Houses of the Blooded e bastante mais acessível. E eu adoro o HotB!
    Parece que o JW está a trabalhar num sumplemento/jogo chamado Blood & Shadow, uma espécie versão das Crónicas de Âmbar do Zelasny! 🙂 Ora aí está um grande ideia!

  9. Deviemn disse:

    Shido, titio Sun Tzu discorda de você! =P
    Muito embora o "Arte da Guerra", diga que o ideal é vencer um a guerra sem precisar luta-la (derrubando o governo adversário através de inteligência, espionagem, alianças, etc) ele, ou qualquer outro manual de guerra, fornece as estratégias para derrubar um Estado com o mínimo possível de desperdício de recursos e pessoal, de forma a não devastar o território conquistado, nem exaurir o próprio território. Portanto, que a guerra não é, necessariamente, um empreeendimento fútil levado a cabo por homens tolos, embora essa possibilidade exista.

  10. Silva disse:

    Acredito que o capítulo das Seasons será todo revisto. Muito confuso quanto às opções disponíveis aos jogadores, e ao Daimyo. Além disso um aspecto importante do jogo que John vem comnetando nas discussões – o conflito entre os samurais no sentido de influenciar o Daimyo sobre o que fazer com sua única Season Action – está completamente omisso do texto.

  11. PEP disse:

    Alguem ae entendeu o mass murder? cada um diz quem vai atacar, rola os dados e quem tirar mais começa. cada aposta feita é um ataque extra e cada um vai atacando em ordem decrescente. ate ai blz, mas a duvida é:
    Quando vc vai atacar os inimigo vc faz um novo risco resistido de Prowess contra ele ou usa o valor rolado no inicio do combate em massa?
    Se vc fizer um novo teste, o combate vai ficar demorado, pois se tenho 5 apostas (ataques) e cada ataque posso rolar 10dados, serão 50 dados fora novas apostas e no final, ter vencido a rolagem inicial apenas me garantiu a iniciativa….
    Agora se o lance inicial de dados for o valor usado para atacar os inimigos entao ninguem me mata nesta rodada e eu mato quem eu quiser!!! Se na rodada inicial eu fiz 5 apostas, rolei os dados e tive a maior soma, quer dizer q poderei atacar 5 inimigos com aquele valor, q já eh mais alto q o deles!!!?? essa abordagem torna o combate mais rapido e mais mortal….
    qual é a abordagem certa!? ou existe uma terceira? meu ingles nao eh bom e to lendo o livro com ajuda de amigos e do google heheh

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