Como o governo federal pode ajudar o RPG

O Tek e alguns de vocês provavelmente vão dar pulos de raiva quando lerem isto mas, acho que o atual governo é um dos melhores da História do país.Também creio que os programas de assistência do governo realmente funcionam e fazem a vida do Brasileiro médio melhor.
Certo, vocês devem estar se perguntando, e o que diabos isto tem a ver com RPG? Já explico, primeiro vou falar sobre o novo programa de assistência ao trabalhador do governo chamado Vale Cultura. Os trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos receberão um cartão magnético com R$ 50,00 para a compra de produtos culturais como ingressos para o cinema, teatro, museus, CDs e DVDs e, claro, livros, revistas e periódicos. O projeto irá ser votado no Congresso em fevereiro, depois da emendas propostas pelo Senado, e então deve entrar em vigor a partir de março de 2010. A partir deste ponto, cerca de 12 milhões de trabalhadores serão beneficiados, injetando 600 milhões de reais por mês na economia de bens culturais.


O Vale Cultura é uma interessante mudança de paradigma na forma como o governo incentiva a cultura no Brasil. Hoje em dia o incentivo do governo se dá através do financiamento de obras escolhidas entre as submetidas aos programas de incentivo, o que gera uma distorção onde o governo ou uma empresa toma o lugar da sociedade como alvo dos produtores de cultura. Para receber financiamento, o produtor faz sua obra para o governo ou empresa, e não para a sociedade. O Vale Cultura dá este poder de volta a sociedade, com ele nós escolhemos o que queremos assistir, ouvir e ler.
E por mais que gostemos de acreditar que o RPG está de fora de tudo isto, nós não somos uma ilha. O fracasso de vendas e crítica Seres do Inferno e o experimental PowerCars, por exemplo, são frutos destes incentivos. O primeiro foi financiado pela Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Porto Alegre enquanto o segundo pelo programa social da Volksvagem, pela qual ela recebe descontos no imposto de renda. Ambos são frutos do incentivo governamental à cultura.
Conversando com as pessoas que fazem o mercado de RPG hoje em dia, encontrei um cenário bem cauteloso com relação ao projeto. Marcelo Cassaro teme que o RPG acabe não sendo contemplado como um produto cultural já que apesar de ser vendido como livro, sofre de restrições não existentes para qualquer outra publicação, como a restrição de venda por idade.
Como todos devem saber, é mais fácil para um garoto de dez anos de idade comprar um livro erótico com cenas de sexo explícito do que o Livro do Jogador de D&D 4E. O primeiro não tem qualquer restrição de venda por idade, ao contrário do segundo, que só pode ser vendido para maiores de 14 anos.
Guilherme Dei Svaldi, editor-chefe da Jambô, apesar de não ter o mesmo temor, acredita que a maior parte dos beneficiados pelo programa irá preferir outros produtos e portanto o impacto do Vale Cultura será menor no comércio de livros de RPG. Opinião similar à de Rogerio Saladino, que reconhece o poder do programa, mas tem dúvidas sobre o impacto dele no nosso mercado.
Para Douglas “D3” Guimarães os resultados do benefício no mercado serão próximos do zero. “Enquanto editor (na Devir) eu acompanhava as curvas de vendas e posso afirmar que os livros com mais saída custam acima de R$ 50,00 facilmente. Além disso, um único livro não basta para jogar (seja no WoD ou em D&D, ou mesmo em sistemas menores, como BESM)”. Por outro lado, “para os livros de baixo custo, como Mini GURPS, o vale não afeta o poder de compra do cliente. Um livro pequeno, barato, como 3D&T ou M&M, não será comprado pelo trabalhador com acesso a esse benefício, mas pelo garoto”.
Mas mesmo assim ele vê um ponto positivo já que o programa “[…] afetaria as lojas online, certamente, porque o cartão deve ser aceito como um Visa ou Mastercard. Logo, o cara que não compra nada na internet porque não tem cartão de crédito passaria a ter acesso. Seja para ingressos antecipados de cinema, seja para livros”.
“Como lojista (não editor) eu acredito que o público alvo [do RPG] tenha um poder aquisitivo maior e não seja o alvo desse projeto. Mas, como sempre, posso estar errado”, diz o ex-editor de D&D pela Devir e atual proprietário da d3store e do blog d3system.
Minha opinião é a de que o Vale Cultura irá sim injetar alguma coisa dos seus milhões de reais mensais no RPG. O impacto será menor, porque o principal público do hobby são os jovens, geralmente fora do mercado formal de trabalho e portanto do alcance destes programas do governo. Mas uma parte dos jogadores de RPG do Brasil irá receber um reforço mensal no orçamento para a compra de livros e isto fará diferença especialmente para livros mais baratos, abaixo do teto de R$ 50,00.
E mesmo livros mais caros podem ser beneficiados. Um ponto interessante no projeto é a possibilidade de acumular o dinheiro de um mês para o outro nos cartões magnéticos, possibilitando a compra de alguns dos livros mais caros de RPG como o Guia do Mundo dos Reinos de Ferro e os livros básicos de D&D 4E.

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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12 Resultados

  1. Iman disse:

    Ótimo projeto.

  2. cochise disse:

    Bem… um livro de 80 reais (ou 60 em pré lançamento) com um desconto de 50 fica bem mais em conta.
    5 salários não é algo risível. São 2.700 reais. Dizer que a mioria dos RPGistas estão acima dessa faixa é acreditar em uma elitização do hobby bem maior que eu. (creio eue a linha de corte seja por volta dos 1200)
    Também gostei muito do projeto e tenho alguns comentários ao post.
    O vele cultura não indica uma mudança no modo de financiar cultura. ele será paralelo aos meios atuais. Pode parecer pedantismo, mas só usaria a expressão mudança de rumo caso os meios existentes como fundo nacional, lei rouanet e etc fossem descontinuados os perdessem recursos.
    Como disse acima, não concordo com o comentário do Douglas uma vez que o valor de 50 reais deve funcionar como desconto em bens culturais mais caros que isso. O livro dos monstros foi lançado se não me engano a 60 reais na d3store. Com o vale cultura sairia a 15 para o beneficiado (10 da diferença mais 5 dos 10% do vale cultura que o trabalhador paga).
    E por fim, vejo um possível impacto do vale cultura no mercado de RPG aumentando o número de livros comprados por jogador, mas não criando novos jogadores. Um não jogador vai preferi ir ao teatro ou cinema, ou comprar crepúsculo. Um jogador de RPG vai adorar receber 600 reais por ano para comprar livros e embora deva comprar muitos ouros acho que boa parte deste montante vai para o RPG.

  3. Adorei esse projeto, espero q seja aprovado, apesar de não está incluso nos beneficiados. Mas tb espero q seja feita uma vistoria pesada em cima disso, se não com certeza, uma boa parte dessa renda será desviada.

  4. As empresas que aderirem ao programa receberão 1% de desconto no imposto de renda sobre o lucro liquido.

  5. Wicttor disse:

    Infelizmente como bem foi dito no post, o projeto ainda precisará passar pelas casas legislativas, isso significa que muita coisa vai mudar até ele ser efetivado.
    E não se engane, vai haver muito lobby de grandes produtoras de eventos, de canais de tv e produtoras de cinema. Eles não serão beneficiados com a proposta, mas para que ela avance todos tem que participar.
    Digo do lobby porque não tenho dúvida que ele vai acontecer, as produtoras pequenas poderão ganhar espaço, ganharão público pagante, a Globo Filmes, as grandes do mercado AudioVisual não querem concorrência, querem domínio de mercado.
    Tenho certeza que o mercado de RPG pode sim ser benefíciado, mas como todos os militantes de cultura, devem se unir para poder fazer um coro maior.
    Vamos juntos ver no que vai dar!

    • Opa,
      Wicttor, muito desse processo já passou, a votação em fevereiro próximo é a última etapa. O projeto de lei veio do governo, foi aprovado no Congresso e recebeu emendas no Senado, voltando assim para o Congresso para segunda votação. Depois disto, basta a aprovação do Presidente e o projeto se torna Lei.

  6. Só um adendo. Pelo que eu já li, a empresa que entrar nesse projeto ganhará o desconto de 1%, como disse o Nume, mas o empregado deve arcar com uma parte do valor, assim como acontece com o Vale-Refeição. Pelo que já li, o empregado deve entrar com 10% [R$ 5,00], então ele só vai receber R$ 45,00 mensais.
    Eu concordo com o Cochise. Acredito que esse 'bônus' vai injetar uma boa grana no mercado de RPG. Sinceramente, não acredito que a maioria dos jogadores de RPG que trabalham ganhem mais que 5 salários mínimos mensais. Com certeza existem aqueles que se encaixam nesse perfil, mas a maioria, não creio.

  7. Jagunço disse:

    Uma coisa também é curiosa nisso: De um lado a relação de desconhecimento/descrença presente no pessoal que trabalha com a coisa. Imagino o quanto calejado todo mundo do meio pode estar – trabalhar com livro no Brasil é duro, RPG então… Mas isso também mostra que há aquela fratura entre projetos e políticas públicas e uma parte dos criadores de oferta – no caso, livros de RPG. As editoras convencionais (como a Companhia das Letras ou a Record) tem participação em algumas discussões (como o debate do Fundo Pró-Leitura e as isenções adquiridas em 2004 pelo setor). Claro, são grandes empresas, há décadas no mundo. Só quero dizer que, de algum modo, o pequeno/médio "livreiro" ainda está afastado desse mundo maluco dos incentivos, por uma aparente falta de união. E isso não é um entrave necessariamente dos empresários, mas, possivelmente dos mecanismos de diálogo, de debate, também. Acho o atual governo transparente, sim. Agora algumas coisas poderia ser melhores. E a Jambô e a Devir fazem parte de alguma associação de editoras (como a Liga Brasileira de Editoras ou algo parecido)? Alguém sabe dizer?

  8. É um círculo virtuoso. Aumentando-se o número de leitores consequentemente o número de livros degustados aumenta e o Vale Cultura permite a manutenção destes novos leitores e do mercado em si. Desque o círculo continuo virtuoso e não seja alvo de corrupção, teremos vantagens reais a longo prazo na quantidade de leitores. Deste aumento de leitores, obviamente o RPG tem sua fatia, como qualquer outro tipo de leitura e assim ganhará por tabela.
    Deixei um artigo no meu blog pessoal comentando sobre este post. Este artigo sairá amanhã pela manhã. Boa discussão!

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