Sexo, Drogas e Super-Poderes II
Fiquei com uma enorme saudade de escrever sobre Mutantes & Malfeitores. Há meses escrevi o primeiro Sexo, Drogas e Super-Poderes, com o objetivo de retornar ao assunto com maior freqüência. Mas o tempo passou, eu fiquei com preguiça e a esta altura já perdi o fio da meada. Ainda assim, super-heróis adolescentes ainda é um tema que eu gosto muito. Portanto resolvi arriscar aqui falar mais sobre o tema.
Desta vez vou tentar abordar um pouco a mudança de criança para adulto que os jovens heróis sofrem. Ainda vou usar a escola como parâmetro para medir a fase da vida da pessoa, mas as tramas sugeridas não estão tão presas à vida acadêmica quanto as do post anterior.
Você é moleque! Tira essa roupa preta!
Não importa se você é capaz de voar mais rápido que um avião, dobrar vigas de metal com as mãos, controlar a gravidade com a mente. Seja como for, quando você entra na high school a vida e todos aqueles que convivem com você fazem questão de deixar uma coisa bem clara: você é só um garoto!
Esta é uma experiência que deve ser bastante familiar para os estudantes brasileiros. Eu sei que aconteceu comigo. Quando você está na oitava série normalmente não há alunos tão maiores que você. A menos que você seja bem pequeno, a maioria dos alunos das outras séries era do seu tamanho ou menor. Mas quando você chega numa escola que oferece apenas ensino de segundo grau (ou científico, ensino médio, etc), você automaticamente transforma-se novamente num dos peixes pequenos da história.
O mesmo acontece com o aluno americano que ingressa na nona série, o início da high school.
Mais que isso. Tanto no segundo grau quanto na high school o aluno encara um problema muito comum e que eu encorajo bastante os mestres a usarem, que é receber mais cobranças do que recebia quando criança e não ter mais as mesmas liberdades. Isso é especialmente interessante quando o personagem tem um irmão mais novo para poder contrastar.
Num jogo de Mutantes & Malfeitores isso fica ótimo. Se esse momento já é tenso para pessoas normais, imagine como fica quando você joga super-poderes na parada… Fica um prato cheio para explorar o lado humano e até mesmo imaturo dos personagens. Imagine só.
Se os personagens não podem revelar os poderes, você pode explorar o lado deles estarem cercados de figuras de autoridade (pais, professores, o diretor e os outros funcionários da escola) que poderiam serem facilmente derrotas por eles num piscar de olhos. Mas que ainda assim, de alguma forma (seja por respeito, seja por medo de ter os poderes revelados), conseguem exercer esta autoridade sobre eles, sem desconfiar da real natureza dos personagens.
Sem contar os valentões e demais alunos maiores do que nossos heróis. Como os personagens agem diante destas figuras desprezíveis comuns em todas as histórias de high school? Se deixam serem subjugados e mantém a fachada de presa fácil? Buscam usar um pouco de seus poderes, de forma discreta, a fim de defenderem-se? Ou usam mesmo os poderes e depois tentam lidar com a situação de estarem expostos?
Caso seja um cenário onde não haja segredos sobre os poderes especiais dos personagens a coisa fica um pouco mais simples, mas nem por isso mais fácil. Se os super-poderes são comuns, então provavelmente haverão medidas de segurança à mão dos funcionários do colégio e talvez até mesmo dos responsáveis pelos próprios heróis. O personagem poderia bater no professor que dá bronca, ou no valentão que joga comida sobre ele, mas a retribuição seria rápida. O segredo aqui não é manter uma identidade secreta, mas sim evitar o castigo.
E se os poderes forem bastante comuns. Todo mundo tem. Aí a coisa fica ainda pior. O valentão pode ficar invisível para te dar um cascudo (ou um cuecão), o seu professor pode te dar uma bronca telepática do outro lado da escola e o diretor pode ser capaz de simplesmente anular seus poderes por uma semana para te ensinar a se comportar!
De qualquer forma, este é um dos ganchos importantes para personagens calouros num jogo de high school com super-poderes: não importa do que os personagens sejam capazes, eles ainda serão vistos e tratados como crianças.
Para falar um pouco da parte legal: parte da graça de jogar com um personagem destes é interpretar justamente a sua falta de maturidade. Ele pode encarar os riscos de ser super-herói como se fossem bem menos perigosos do que realmente são (e se ele for razoavelmente invulnerável ou ao menos duro na queda, estes riscos podem nem mesmo ser tão grandes para ele). Afinal, é legal sair por aí colocando bandidos na cadeia. E se as balas deles batem no seu peito e caem no chão, qual o grande risco? Para quê encarar isso com seriedade?
Este tipo de atitude pode deixar o tutor do personagem preocupado. Afinal, se o herói ficar muito confiante desde cedo, pode ser que ele não desenvolva reflexos para defender-se quando deparar-se com uma ameaça realmente capaz de ferí-lo. Ou até pode ser que ele jamais fique bom em salvar os outros, por não avaliar direito os riscos e assumir que pessoas normais resistem a muito mais do que realmente conseguem agüentar.
Como disse, esse paradoxo entre ser moleque e ser super-poderoso (peter pan bombado) pode ser bastante interessante de ser usado. Desde que não demore muito. Ele fica maçante depois de um tempo. O ideal é cortar mais ou menos quando o herói-mirim deparar-se com a morte ou ferimento grave de alguém com quem ele se importa.
E isso nos leva a outro ponto importante desta fase de início da high school:
O Amadurecimento
Existe um fato muito triste sobre heróis adolescentes: eles precisam amadurecer rápido.
Normalmente o processo de amadurecimento de uma pessoa toma todo o período da adolescência (e muitos passam da casa dos 20 ainda crianças). Mas super-heróis são expostos a muitas situações difíceis. Criminalidade. Morte. Sofrimento humano. E tudo isso, não através da tela de uma televisão ou do computador, mas sim ao vivo. Estas experiências não apenas mostram muito do sinismo do mundo adulto para o personagem, como também forçam ele a tomar decisões enquanto este novo mundo se revela diante dele. O resultado é a perda da infância. Se o herói é infantil, pessoas podem morrer.
Perder o contato com este mundo vivo e cheio de surpresas movido pela inocência nos olhos dos heróis pode ser uma experiência e tanto. O foco que o mestre e o jogador devem dar é sobre o lado trágico e o sentimento de que alguma parte do personagem perdeu-se para sempre. Não é necessário tornar isso algo completamente negativo. O mundo está ganhando um herói, mas o preço é perder uma criança.
Num jogo de Mutantes & Malfeitores o negócio é usar isso como uma guia para desenvolver o psicológico do personagem em jogo de uma maneira que seja divertida para todo o grupo. Os jogadores interessados podem avisar o mestre antecipadamente quando querem que seus personagens cresçam, e o mestre pode tentar encaixar uma situação ou um arco de histórias que permita isso dentro do jogo.
Claro. É sempre bom lembrar que a idéia aqui é explorar o desenvolvimento do personagem sem roubar para ele a cena. E é preciso que jogadores e mestres estejam muito conscientes sobre isso, porque é comum este tipo de trama jogar os personagens que não estão passando pelo amadurecimento para escanteio. Coisa que não é legal se for por períodos longos e deve ser minimizada.
O Lado Responsável da Equação
Se no jogo (e o mais importante: no grupo) há um ou mais personagens novatos que precisam experimentar a transição para uma forma mais madura de ver o mundo, e o grupo não é formado apenas por eles, boas as chances de haverem personagens mais velhos que já passaram por isso.
Estes personagens mais velhos podem servir de instrutores para os mais jovens. Podem ensiná-los sobre como ser um herói neste mundo. De fato, boas as chances deles já estarem fazendo isso há mais tempo. Mas é agora, quando existe esta trama de transição para a fase adulta rolando que esta característica do personagem pode ser a mais importante. É aqui que a bússola-moral fará a maior diferença.
O personagem que dá o direcionamento para o jovem que está amadurecendo influencia muito no estabelecimento das fronteiras morais do novato.
Num jogo de Mutantes & Malfeitores esse papel pode ser uma boa forma de colocar os personagens que não estão sofrendo o amadurecimento de volta num papel importante dentro da história. Afinal de contas, estas dicas ainda são para um jogo e é importante que todos os jogadores tenham coisas legais para fazer com seus personagens.
Além disso, esta posição dá uma compensação interessante para os jogadores que não estão tão diretamente sob o foco dos holofotes: eles podem influenciar a personalidade dos heróis que estão amadurecendo. Suas dicas, as formas como eles orientam os mais jovens, podem influenciar a personalidade final do personagem que passa pelo período de transição. Basta haver uma boa interação entre os jogadores e o mestre ter jogo de cintura para armar a história de forma que colabore. Eu já vi isso acontecer numa mesa de jogo (de Lobisomem: o Apocalipse), e é algo bem legal de se ver em jogo.
Bom. Por enquanto é só. O que acharam?
Achei fodástico!
Muito bom, deveria participar da Iniciativa M&M, em especial do segundo tema, o “Super entre Nós”.
Abrçs e Bons Jogos.
Legal o artigo, mas com esse título e não mencionar o Lanterna E Arqueiro fica faltando algo ^^
Gostei muito do post, cara! Excelente!
Mas concordo com o Balard… não imaginei que o texto fosse tão legal, lendo só o título.
Nota 10. Já estou ansioso pela parte 3!
Será que a jambo pretende lançar Hero High?
Abraço e por favor não pare com essas materias sobre M&M.
Não importa o enredo, sempre irei ter uma queda pelo arqueiro, grande oliver <3
Gostei bastante do artigo. Joguei Multantes & Malfeitores há algum tempo e pretendo voltar a jogar em breve, quero escrever sobre o sistema no meu blog também. Abraços!