O Importante é ser Legal

Será que você realmente precisa pensar em absolutamente todas as implicações geopolíticas e na guerra civil causada pelo vácuo de poder criado pela morte do rei tirano?

Eu estava lendo alguns artigos no viciante Cracked.com quando me deparei com o 8 Classic Movies That Got Away With Gaping Plot Holes (8 Filmes Clássicos Que Se Deram Bem Mesmo Com Enormes Furos Na Trama, ou algo assim). É um artigo que menciona problemas no roteiro de filmes que são considerados ótimos por muitas pessoas. De fato, o foco do artigo é que provavelmente você não notou o furo enorme que eles deixaram só pelo fato do filme ser tão legal.
Imediatamente isso me lembrou de uma regra que li no Musings of the Chatty DM (um ótimo blog escrito por um jogador canadense): The Rule of Cool (A Regra/Reinado do Legal). Regra esta que apareceu originalmente no site TVTropes e que vou traduzir aqui para que os que não entendem inglês possam acompanhar:

O limite da suspensão voluntária de descrença* para um dado elemento é diretamente proporcional ao quão legal ele é. Posto de outra forma, todos à excessão do expectador mais pedante perdoarão liberdades com a realidade enquanto o resultado for extremamente fera e/ou fantástico. Isto aplica-se ao público em geral, já que naturalmente haverá um limite diferente para cada indivíduo no grupo.

*Suspensão voluntária de descrença é a vontade do indivíduo de acreditar naquilo que está sendo apresentado à frente dele, mesmo que vá contra o que ele entende por realidade.

Mas o que isso tem a ver com RPG?

Muitas vezes, graças à internet e eventos de RPG, me deparo com mestres que reclamam do trabalho que têm para criar uma atmosfera mais crível dentro de seus jogos. Para fazer o mundo parecer mais vivo, real. Mas os jogadores não parecem dar o valor devido a este esforço. Geralmente isso vem seguido de alguma forma de orgulho pelo trabalho bem feito (desperdiçado) ou de uma reclamação pela falta de reconhecimento por parte dos jogadores.
No lugar de culpar os jogadores, aqueles hooligans insensíveis que não conseguem compreender a beleza da criação, que tal culpar o mestre? Isso mesmo, o mestre!
Você não deveria criar mais detalhes do que seus jogadores são capazes de absorver. Não deveria se dar ao trabalho de detalhar lugares que os personagens nunca visitarão. Não deveria levar em consideração a geopolítica de uma campanha onde a política não tem um papel de maior importência. Enfim, não deveria esperar que seus jogadores abocanhem mais do que são capazes de mastigar.
Crie o básico, veja até onde seus jogadores gostam (nestas horas a opinião deles é fundamental) e trabalhe naquele ponto. Talvez seu jogo não fique tão profundo quanto gostaria logo no início, mas você sempre pode dar complexidade e riqueza ao cenário à medida que a campanha for evoluindo.
Não force nem apresse as coisas. Instigue seus jogadores a buscarem a complexidade e o realismo, no lugar de já jogar os elementos complexos de uma vez. Enquanto o jogo for divertido você estará fazendo um bom trabalho.
Edit: O Leonel Domingos escreveu uma resposta bem legal a respeito deste post lá na .20. Dá uma conferida.

CF

Advogado de regras de dia. Combate o crime vestido de alce à noite.

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9 Resultados

  1. Leonel Domingos disse:

    “Discordo totalmente” é muito forte para se escrever… então vou escrever “discordo brandamente”.
    Estórias podem ter buracos no roteiro que passarão despercebidos ou não ao público. Pode também ser que estes buracos não sejam mesmo buracos, que haja uma explicação para um fato estranho, apenas o autor não viu necessidade em passar a explicação. Mas não estou entrando no mérito dos buracos de roteiro, embora ache que um bom autor deva tentar evitá-los, sempre que os identificar.
    Quero falar é sobre esta parte do detalhamento na criação.
    Há, deveras, quem se demore a criar diversos elementos, a trabalhar exaustivamente no cenário, etc, etc… E que depois reclama quando o jogador não dá valor ao esforço.
    São chorões, se me permite. Podemos até pensar nos motivos para que aconteça o caso…
    A estória pode ser insossa mesmo, e então não há cenário rico que dê jeito.
    Ou o mestre/narrador/sei lá gastou horas enchendo os ovos dos jogadores com todos os detalhes que ele criou, citando e explicando (ex: ah, vocês estão entrando em Matapreás. Os políticos neste município são muito incisivos, desde que, em 1935, a família Galheiras botou posse a seu filho, Francisco, como prefeito. Houveram 15 mandatos da família até agora, e o principal concorrente deles, neste ano de eleições, é o candidato popular Tucão da Oficina, homem tido como grosseiro e freqüentador da zona baixa da cidade… E tudo que os jogadores queriam era entrar, beber uma cerveja, passar um telegrama e sair da cidade!)
    Ou ele fez tudo direitinho, é uma boa estória e o cenário é aplicado com a moderação necessária, porém esperava ser carregado em triunfo pelos jogadores, em honra ao magnífico trabalho.
    Bem… a primeira alternativa é natimorta. A segunda é entediante e a terceira está entre a carência afetiva e a impaciência.
    Porém, e faço questão de afirmar, trabalhar bem o cenário, criando detalhes e minúcias, escrevendo e ordenando para tornar mais verossímil (não significa que perca a fantasia. Apenas faz com que os elementos daquela fantasia sejam coerentes entre si), faz diferença no impacto da estória, e muita. Se você entende bem o cenário que está narrando, sua narrativa será melhor. E os pequenos detalhes que você narra, que insere no jogo de maneira bem sutil, aos poucos serão notados pelos jogadores, quando eles começarem a reagir dentro do cenário com mais naturalidade a algo que só é natural NAQUELE LUGAR.
    Manter um certo controle, anotado, de alguns detalhes, também ajuda ao mestre para que ele cometa menos enganos durante sua narrativa, ou de que linha ele pode seguir no caso de ter que improvisar por conta de uma ação dos jogadores que lhe pegue totalmente de surpresa.
    Vou usar como exemplo essa criação, de Matapreás: Digamos que o mestre tencione agregar Matapreás em seu jogo, fazer com que os jogadores tenham algumas aventuras lá dentro no futuro, ou até mesmo fazê-los passar dois dias ou três empacados na cidadezinha, devido a uma pane em seu veículo. Ele foi cuidadoso com o cenário, rabiscou um mapa para si mesmo (não precisa ser um mapa muito complexo) que lhe permite lembrar como é a cidade e o que acontece nos diferentes pontos, além de facilitar a orientação durante a narrativa e detalhou a política da cidade, daquele modo como citei no exemplo. Também incluiu alguns detalhes de alguns personagens aqui e ali, para o caso de uma necessidade.
    Ok. Hora do jogo. Os personagens entram na cidade, o narrador dá uma idéia simples, uma descrição básica de como a cidade se apresenta aos jogadores. Uma descrição do que eles vêem e sentem, e não um histórico… eles entraram na cidade, não consultaram a biblioteca municipal. Se eles vêem um bar e decidem parar para beber, ele narra, normalmente. Talvez hajam algumas pessoas no bar, elas não estão assim TÃO interessadas nos estranhos, e os estranhos certamente não estão muito interessados nelas, então novamente uma descrição ligeira e eles conseguem a própria bebida. A narrativa deve fluir tranqüila, deixando os jogadores conversarem entre si ou entre quem mais queiram. Quem sabe um dos comentários de um jogador faça com que o outro fique pensativo um pouco, um pouco calado… nesse espaço de tempo o narrador, para dar idéia do hiato na conversa, pode dizer que ouvem o som de papel rasgando, olham displicentemente para a origem do barulho, e vêem um homem bruto, vestindo um macacão emporcalhado, colando um cartaz sobre outro, que ele rasgara: Vote Tucão da Oficina.
    E só. Acabou o hiato, a conversa retoma normalmente. Quem sabe, naquela aventura eles podem ser atendidos justamente pelo Tucão, que lhes conserta o carro. Eles continuam as aventuras, vãopara cá, vão para lá. Se um dia passarem novamente pela cidade, pode estar havendo uma passeata de protesto, por conta do assassinato do prefeito recém-empossado. Se eles ficarem, o prefeito podia ser justamente o tal tucão.
    Aos poucos, BEM AOS POUCOS, os detalhes inseridos podem começar a se encaixar na mente dos jogadores. Eles vão começar a perceber que há uma certa coerência. “Pombas! Esse nome não me é estranho… Tucão…”.
    Jogadores com boa memória podem tentar embarcar numa nova aventura, podem tentar caçar pistas usando detalhes que lhes foram jogados sem que eles percebessem. Ou, se não tiverem tanta memória, irão simplesmente seguir seu caminho. Exatamente como as coisas acontecem, na vida real.
    Concluindo e resumindo:
    Uma boa estória é uma boa estória, independente dos detalhes apresentados. Mas um cuidado com o cenário, com os detalhes e sua verossimilhança, ajuda o autor a não se perder na evolução da narrativa e ajuda o leitor/espectador/jogador a se familiarizar com a estória. Ao contrário, o descaso com o cenário e detalhes irá empobrecer a narrativa e poderá prejudicar a reação do público.
    Mas saber introduzir os detalhes com suavidade e elegância, sabendo qual detalhe mostrar, quais detalhes guardar para si, é uma habilidade que deve ser treinada se o objetivo é agradar com a estória. O ritmo que será impresso na narrativa irá depender da decisão do narrador e no caso de um jogo de RPG, se ele for bem habilidoso, refletirá o ritmo que agrade aos jogadores.
    E tomem cuidado com a preguiça disfarçada de despojamento.
    Abração
    Leonel

  2. CF disse:

    Cacilda, Leonel! Não quer transformar esse comentário num post aqui? Faço a sua conta de autor agora mesmo! Se preferir, pode colocar na .20 mesmo. O importante é essa resposta ganhar uma possibilidade maior de ser lida.
    Eu ainda discordo da necessidade de todo esse planejamento para algo que poderá muito bem passar ao largo pelos jogadores. Mas acho que este comentário serve bem sobre a arte de instigar os jogadores e chamá-los à aventura sem ficar um negócio claramente forçado. Exceto, é claro, pela parte de deixar eles passarem sem nunca explorarem a trama toda que armou. Mas aí é só deixar o cenário evoluir e a confusão – agora bem maior – voltar para assombrá-los no futuro.

  3. Leonel Domingos disse:

    Bom, por pura comodidade, e pela (ótima, na minha opinião) oportunidade de fazer um ping-pong com este blog e o outro, vou então postar para ele, colocando o link. Pedirei ao JP para me ajudar a linkar tudo bonitinho.
    Abração

  4. Nume disse:

    Eu sabia que o Leonel isso soltar uma dessas se lesse teu post, CF. Por isso mandei o link pra ele XD
    Nume, aquele que trama posts alheios 🙂

  5. CF disse:

    Hahaha. Você é mais maligno que a redinha, Nume!

  6. Leonel Domingos disse:

    É… Nume não presta, fica cutucando os outros. Maldito ovo de codorna.
    >Eu ainda discordo da necessidade de todo esse planejamento para algo que poderá muito bem passar ao largo pelos jogadores.
    Poderá passar ao largo. Poderá não passar. Eu prefiro não precisar passar a vergonha de ser pego de calças curtas, despreparado.
    E existem métodos para tornar esse trabalho de detalhamento bem fácil e rápido. Ninguém precisa escrever a Enciclopédia Britânica, nem O Grande Romance Americano.

  7. Heitor disse:

    Sempre reparo nesta questão dos “buracos”, mas no final nem ligo muito (afinal, vários livros que gosto tem furos na história, e nem por isso deixo de curtí-los; afinal, as tais histórias são cheias de fatores estranhos e sobrenaturais, logo não precisam de tratados explicando cada detalhe). Vários conhecidos meus caem na trouxidão de questionar buracos em filmes que não gostaram, mas quando chegam na vez de seus favoritos… atitude típica de “fãbói”.
    Bom, mas ainda existem aqueles que têm que analisar tudo “à luz da ciência”, de ressureição de corpos decompostos (regeneração serve pra isso) à telecinésia.
    Resumindo, concordo com o CF: nem tudo precisa ser complexo ou “explicadinho” para funcionar bem e ser interessante.

  8. Daniel R disse:

    Caramba, é raro mas de vez em quando eu concordo com uma posição sua XD.
    Acho que o cara pode escrever uma coisinha resumida (dependendo da proximidade com os PJs, de um breve “release” a uma ou duas frases) pro resto do mundo de campanha, e detalhar realmente só o que eles tiverem contato.
    Essa é, inclusive, a razão de boa parte da minha discordância com o Remo com a insistência dele de explicar cientificamente os aspectos de um mundo de fantasia medieval.
    Por isso que quando eu quero que tenham a impressão que meu mundo é vivo, faço uma campanha em outro lugar dele. =)

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