Tormenta: o papel da música na fantasia medieval

Você já se perguntou qual a razão do bardo ser uma classe básica de Tormenta RPG? Se você parar para analisar, o bardo parece ficar deslocado dentro da dinâmica das classes. Você tem classes combativas como bárbaros, guerreiros, samurais, paladinos e monges, classes especializadas como ladinos, swashbucklers e rangers, classes com magias de ataque poderosas como feiticeiros e magos, classes com magias de suporte como clérigos e druidas… e você tem o bardo, que tem magia de suporte dos clérigos, mas não muito, magias de ataque dos magos, mas não muito, alguma capacidade de combate, mas não como a dos guerreiros, alguma técnicas especializadas, mas não tanto como um ladino. Literalmente um pato, que faz você questionar a razão para a classe ter sido inventada, e certamente bulhufas ela sobreviveu com popularidade o bastante durante a era D&D para se tornar uma classe básica em Tormenta RPG.
Bem, embora explicar a popularidade da classe seja um pouco difícil, é mais fácil imaginar a razão pela qual ela eventualmente foi introduzida por D&D muito tempo atrás: o fato de que o bardo é historicamente o aventureiro original. Apenas parem um segundo e pensem sobre o assunto: das classes básicas que tem um pé na História, qual delas poderia ser enquadrada como um aventureiro errante nos moldes RPGísticos? Clérigos e druidas não viajam para fora das comunidades onde agiam como conselheiros espirituais. Bárbaros, guerreiros, samurais, monges e paladinos basicamente ficam alojados em suas tribos, feudos, escolas de artes marciais e monastérios e até o momento que uma guerra eclodia e eles eram reunidos para lutar. Ladinos ficavam nas cidades ou nas estradas onde atuavam como bandidos, rangers eram ligados a uma única floresta onde atuavam como o caçador oficial do lorde. Todas essas classes tem em seus modelos históricos figuras que eram estacionárias ou de baixa mobilidade. Elas não se aventuravam pelo mundo!
Das classes básicas o bardo é o único¹ cuja inspiração histórica atualmente viajava pelo mundo. A função dos trovadores medievais era viajar de vilarejo em vilarejo, cidade em cidade, cantando e usando as experiências e histórias vividas na estrada para criar músicas que solidificariam a visão que nós temos da cultura medieval até os dias de hoje. Os trovadores eram tão dedicados a aventurarem-se pelo mundo que, numa época onde era quase impossível cruzar as fronteiras de um feudo para outro dentro de um mesmo reino, eles eram capazes de cruzar fronteiras nacionais e viajar por toda a Europa.
Então, qual o papel da música na fantasia medieval? Para começar, ela inventou o modo de vida aventureiro que é o padrão dos jogos de fantasia medieval como um todo, how about that?
Claro que não termina por aí, além de todo aventureiro medieval ser um trovador fracassado que resolveu virar outra coisa sem desistir de viajar por aí, a música é basicamente o centro da vida cultural fantástica. Todas as raças, de elfos a anões passando por orcs e goblins, e todas as classes sociais, do escravo ao rei passando por mercadores e religiosos, utilizam-se da música como passatempo e importante ferramenta cultural. Seja solidificando a consciência nacional, espalhando ensinamentos religiosos, exaltando feitos em batalha, ou simplesmente como uma valiosa fonte de informação sobre lugares distantes. A música está em todos os lugares na sociedade medieval. De fato, não apenas o famoso bardo da taverna é a única criatura que faz música na sociedade medieval. Se a sua descrição de um vilarejo ou cidade medieval não incluir alguma pessoa comum, uma lavadeira, ferreiro, whatever, cantando alguma música pegajosa, a sua descrição simplesmente não está completa.
Diabos, o que é que Aragorn faz na sua coroação nas Minas Tirith? Ele canta uns versos, porra. Se a obra prima que basicamente inspirou a criação do RPG coloca a música como algo tão importante, quem diabos você pensa que é para ignorar isso? O mestre de jogo? Oh, wait…!
¹ Na verdade tem o swashbuckler também nos mosqueteiros e piratas da era moderna, mas eles são posteriores historicamente aos trovadores por uns 500 anos pra mais, então o bardo continua sendo o inventor da vida de aventureiro.

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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