Resenha: The Last Blade 2

last bladeEntão havia uma empresa de jogos chamada SNK. Lá nos idos da década de 1990, na era de ouro dos arcades e fliperamas, pode-se dizer que era uma empresa grande. Entre um punhado de séries clássicas de outros gêneros (em especial os tiroteios caóticos de Metal Slug), era conhecida mesmo pelas máquinas de jogos de luta: The King of Fighters, Fatal FurySamurai Shodown; junto com a Capcom (com Street Fighter) e Midway (Mortal Kombat), formava talvez a grande trindade de empresas que criavam os jogos mais conhecidos do gênero. Recentemente, no entanto, a empresa tem definhado, passando pela mão de vários donos e empresas diferentes, enquanto suas séries outrora clássicas são esquecidas pelos jogadores mais novos.
The Last Blade nunca foi exatamente a série mais conhecida da empresa, mas, por uma série de qualidades únicas, pode ser considerado um clássico cult, com um séquito de fãs bastante ardorosos, inclusive este que vos escreve. E é claro que, assim que foi anunciado que The Last Blade 2 estaria recebendo uma conversão para consoles de última geração, corri rapidamente para comprá-lo nas lojas online.
Um ponto em que a SNK sempre deu um banho criativo nas concorrentes é no roteiro e personagens, que frequentemente fogem de estereótipos e clichês nas suas motivações – você sabe, “quero ser o mais forte!” – para se inspirar com alguma profundidade na mitologia e história japonesas. The Last Blade não é exceção: a história se passa durante o bakumatsu, o período final do xogunato Tokugawa antes do início da era Meiji, marcado por uma sangrenta guerra civil; e muitos personagens são mesmo inspirados em figuras históricas, como os líderes do Shinsengumi, uma unidade policial que serviu o xogum nos últimos anos do período, ou o heroi folclórico chinês Wong Fei Hung. Leitores de Rurouni Kenshin / Samurai X provavelmente se sentirão em casa: há uma inspiração confessa da série, cujo autor também era um fã assumido de Samurai Shodown, a série anterior de jogos de lutas com espadas da empresa.
Temos, assim, um conto complexo que envolve vingança, busca pessoal e poderes ancestrais (inclusive uma transformação em super saiyaj… Digo, despertando o poder ancestral do Seiryu, o dragão azul do oriente), que poderia estar sem muita dificuldade em um filme ou anime de fantasia cult. É claro, a narrativa de um jogo de luta para fliperamas da época não podia ser muito envolvente, com diálogos propriamente restritos apenas à introdução das últimas batalhas e a cena final de cada personagem; mas o jogo possui outras formas de imergi-lo, como nos cenários extremamente evocativos. O meu preferido provavelmente seja o de um cemitério abandonado, com grama alta balançando ao vento junto a ruínas de um mausoléu de madeira; você se sente em um verdadeiro chanbara (ou filme de samurai) para os cinemas, realizando um duelo de espadas sob o luar. Outros cenários envolvem campos de batalha abandonados, feiras populares na cidade e casas em chamas, e são também bem mais vivos e evocativos do que o padrão de arenas e lutas de rua que fizeram o gênero.
Eu também não poderia tecer elogios suficientes à trilha sonora. Saindo de influências de pop e rock que são comuns em jogos de luta, há algo aqui de música tradicional japonesa, embora adaptada para os sons eletrônicos de uma máquina de fliperama. As melodias são marcantes, e, enquanto não deixam de instá-lo ao combate, tem um ar muito mais melancólico do que, digamos, o tema do Guile ou Ryu de Street Fighter. O resultado é uma trilha bastante imersiva, que não faria feio em uma produção cinematográfica, e constantemente me pego cantarolando trechos e com vontade de ouvi-la em playlists do YouTube.
Tudo isso se completa, é claro, com uma jogabilidade muito bem executada e bastante complexa, como era comum nos jogos da SNK. No entanto, quase vinte anos depois do original, é difícil não achá-la um pouco datada – os controles não respondem tão bem, e os personagens se movem um pouco devagar comparado a jogos mais recentes. Mas ela ainda funciona bem nos seus próprios termos, com duas opções de estilo para cada personagem – uma focada na força de ataques especiais e outra na velocidade, permitindo combinações únicas de golpes; uma terceira opção, secreta, permite combinar os melhores pontos de ambas -, e um foco nas viradas heroicas nos últimos instantes, graças à liberação de ataques especiais extremamente poderosos apenas quando o personagem já perdeu quase toda a sua barra de energia.
A conversão para os novos consoles ficou eficiente, mas longe de ser a melhor possível. O jogo foi convertido diretamente do arcade, e não das versões para consoles; isso significa que possui basicamente a parte de lutas mesmo, sem os extras que haviam no Dreamcast e NeoGeo. Mas foi incluída uma galeria de artes destraváveis, bem como dos troféus adquiridos no jogo (que na verdade são bem poucos, basicamente um ao terminar o modo de história de cada personagem, e mais alguns extras), que devem dar algum senso de objetivo para os jogadores solitários. Também é interessante que há a opção de cross-buy para o PS4 e o PSVita – ou seja, você compra o jogo apenas uma vez, e o recebe para ambos os consoles -, e você até mesmo divide os saves entre eles, continuando em um o jogo que começou no outro; ele chega mesmo a ficar melhor no Vita, pois a tela menor diminui a pixelização dos gráficos em baixa resolução (apesar de que os botões pequenos dificultam os combos). A grande adição, no entanto, é certamente o modo de jogo online, completo com ranking de vitórias e pontuação do modo história.
A emulação, por outro lado, possui um bocado de problemas, como quedas de framerate frequentes quando há um excesso de animações especiais na tela. Além disso, simplesmente não fui capaz de conseguir ainda uma conexão decente de jogo, sempre tendo que me virar com lags safados nos combates online. Mas não sei até que ponto isso foi apenas falta de sorte mesmo. E não se engane muito com as opções de idiomas das legendas (inclusive português): a tradução dos diálogos é bizarra, provavelmente feita com softwares automáticos.
A verdade é que no fim das contas The Last Blade 2 acaba valendo mais pela curiosidade e/ou nostalgia. Fãs do jogo original, entre os quais eu me incluo, certamente devem gostar, mas deve ser necessário mesmo algum saudosismo e gosto pela estética retrô pixelada para isso. A jogabilidade bem desenvolvida e os personagens carismáticos são um atrativo adicional, mas não é o lançamento que vai fazer você abandonar o seu Street Fighter V, no fim das contas. O que sobra mesmo é aquela ponta de esperança, uma vez que a SNK, agora propriedade de uma companhia chinesa, parece estar buscando reencontrar o espaço de mercado há algum tempo perdido. Um novo The King of Fighters deve ser lançado ainda esse ano (embora deva admitir que os vídeos que vi não me deixaram muito animados); quem sabe esse relançamento não seja também uma experiência para ver a possibilidade de aceitação do retorno de outras franquias?
Bem, sempre podemos sonhar.

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