GURPS não é RPG
Por que Gurps ganhou a fama de RPG difícil? Eu acho que justamente por ser mais completo que os outros RPGs. Gurps te permite jogar com astronautas, magos, dinossauros inteligentes, (ou dinossauros inteligentes magos astronautas), qualquer personagem que se possa imaginar. E é comparado com sistemas que só fazem um gênero de jogo de forma adequada: Fantasia Medieval, ou Horror Pessoal, ou Supers. Esses sistemas na verdade costumam ter mais regras do que Gurps, com resoluções das mais variadas e contra intuitivas. (Gurps só tem uma resolução: 3d6 contra a perícia com modificadores)
Toda a má fama do jogo se desenvolve de Gurps ter muitas situações para lidar com esse conjunto de regras: Dano por radiação, exposição ao vácuo, resistência à magia, hacking de computadores, psiquismo, armas de fogo mágicas, alquimia, insanidade causada por terror, personagens que mudam de formas… E é óbvio que você não precisa de todas essas opções para o seu jogo. Como fazer então para simplificar Gurps? Primeiro uma verdade inconveniente:
Gurps não é um RPG.
Está no próprio nome, Gurps é um System, não um Game. Ele é uma fábrica (um sistema) de fazer jogos de RPG. O segredo é fazer um RPG com esse sistema. Como Gurps é muito completo, não precisamos acrescentar nada, só retirar.
Começando com a criação de personagens, o principal problema é a imensa variedade de opções para escolher. Existe uma forma excelente de manejar as opções, o GURPS Traits Sorter.
Ele gera listas de vantagens, desvantagens e perícias que são obrigatórias, recomendadas, não recomendadas ou proibidas. Ela já vem carregada para campanhas realistas, com todos elementos sobrenaturais/exóticas proibidos. É só alterar para seu gosto e gerar a lista para sua campanha.
Um outro meio para facilitar ainda mais é criar templates para a campanha. Assim os jogadores já começam com personagens quase construidos, só precisando personalizar com suas características próprias. Existem vários exemplos de templates no Characters (B259), outro exemplo está no meu artigo sobre os pilotos do 1º Grupo de Aviação de Caça do Brasil, na Segunda Guerra.
Agora, simplificar as regras (principalmente as de combate) é muito mais pessoal. E é essa a parte que vai tornar o jogo o Seu RPG. É muito simples, na verdade, é só usar apenas as regras que se quer. Algumas sugestões:
Acha as regras de teste de HT para dano muito complexas? Estabeleça que a o personagem que ficar com HT negativa tem que fazer teste de HT sempre que agir para não desmaiar, e quando chegar a -HT ele automaticamente perde a consciência e morre se não receber socorro.
Os danos e a resistência a dano começaram a ficar muito altos, fazendo as contas ficarem grandes? Que tal tratar RD como uma diminuição de dados de dano, com cada 7 pontors de RD tirando dois dados do ataque. Assim um colete a prova de balas de RD 14 vira um colete -4d, uma arma que faça 5d+1 de dano passa a fazer 1d+1. Mais rapido do que somar os 5D+1 e remover os 14 pontos de resistência.
Acha muito difícil computar todos modificadores para escuridão, piso escorregadio, cheiro nauseante, armadilhas e trancas de qualidade, etcetera? Pegue essa dica do Gurps Action, use um modificador único para cada dungeon ou área: Os orcs vivem em túneis escuros, fedorentos com armadilhas simples e vigias que frequentemente dormem no posto. Dentro dos túneis orcs todas jogadas são sujeitas a um modificador de -3. O Dragão vivem numa caverna profunda, em escuridão mágica e com armadilhas mágicas, sobre um rio de lava que solta vapores venenosos. Todas as jogadas estão sujeitas a um modificador de -10!
Preparação por parte dos personagens pode diminuir esses modificadores. Se trouxeram tochas, cordas, estudaram as cavernas dos orcs, sabem que horas eles se alimentam e trocam a guarda, cancelam o modificador de -3. Se procuraram em bibliotecas antigas o nome do Dragão, entrevistaram sobreviventes de antigos ataques, conseguiram armas e proteções mágicas apropriadas, conseguem cancelar 5 pontos de penalidades e o modificador fica -5. Uma boa dica é premiar aventuras bem-sucedidas com informação ou items que diminuem os riscos em aventuras seguintes.
Como eu disse, todas as regras de Gurps são opcionais e usar qualquer delas fica por conta do gosto e experiência dos jogadores. É importante quando for eliminar regras tornar o resultado balanceado. Ou seja se remover uma regra prejudica os jogadores, remova outra regra que favoreça-os. No exemplo da HT, os jogadores perdem a oportunidade de lutar com pontos de vida menores que -HT, mas ao mesmo tempo não sofrem penalidade nas esquivas quando estão com menos PVs que HT/3. No final das contas quem decide que regras vão fazer o melhor jogo são o mestre e os jogadores.
Publicado Originalmente no GurpsNation em 29/04/2010
Quem dera uma matéria dessas pudesse ter sido feita nos anos 90 ou virada do século para calar a boca de toda uma geração de chatos que repetiam besteiras de revistas sem pensar criticamente… 😛
Ótima matéria Tiago e realmente reforçar o fato de que 90% das regras do GURPS na verdade são opções que você combina, retira ou picota e rejunta para fazer o seu próprio cenário de jogo NUNCA é demais.
Lembro que nas primeiras páginas do livro já dizia que não era preciso ler tudo pra jogar.
Bastava ler os capítulos de criação de personagem e o combate básico, daí você leria o resto quando precisasse daquilo.
Pra que ler combate aéreo se sua campanha é de fantasia????
Deixa pra ler quando for montar em um dragão, ora.
GURPS não é RPG. GURPS é puro amor!!!
Foi meu primeiro RPG e dos jogos antigos (WoD, D&D) é de longe meu favorito!
Isso é o que penso de TODO sistema que se apresenta como “genérico”. No entanto, isso ficaria muito mais claro se, em vez de apoiar-se apenas nos suplementos de apoio, existisse um capítulo claro para os Mestres configurarem seus jogos, a partir do sistema (algo que o Fate Básico faz, contando até com uma planilha de composição para jogos!)
No mais, um texto muito interessante, meus parabéns. 🙂