Resenha: São Jorge, de Danilo Beyruth
Acho que, no Brasil e o mundo ocidental de maneira geral, se é tão acostumado e bombardeado com a cultura judaico-cristã que as histórias relacionadas a ela, quando esvaziadas do fervor religioso propriamente dito, simplesmente perderam a capacidade maravilhar e parecer fantásticas. Perdemos um pouco a dimensão de mitologia que elas têm – não mitologia em um sentido negativo, como “mentira,” mas no sentido mais positivo que a palavra pode ter, como fonte de significados, histórias e literatura. É difícil se dar conta às vezes que – desconsiderando aqueles que de fato acreditam nelas como História, com H maiúsculo – elas na verdade devem muito pouco em conteúdo a uma mitologia grega ou nórdica; também são repletas de monstros fantásticos, itens maravilhosos e acontecimentos épicos de maneira geral.
São Jorge, de Danilo Beyruth, tenta resgatar uma destas histórias, que, mais do que remeter a esta mitologia judaico-cristã, também remete de forma muito forte à própria cultura luso-brasileira, uma vez que recria a trajetória de um dos santos cristãos mais populares em Portugal e no Brasil, cujo culto por algum motivo tem se fortalecido bastante nos últimos anos. E é uma história que tem muito a ver também com a literatura fantástica de maneira geral, uma vez que apresenta o roteiro quintessencial do guerreiro valoroso que salva a donzela do dragão maligno.
O formato escolhido para a publicação, em volumes parecidos um tankobon mais largo, ao invés de um encadernado de luxo, remete aos mangás, e, também pelo estilo da arte, me parece que o objetivo seja mesmo chegar a este público de bancas de revistas, normalmente esquecidos pelos quadrinhos nacionais mais recentes. Beyruth já demonstrou outras vezes que domina muito bem a narrativa gráfica, e, apesar das falas longas de alguns diálogos e a fonte às vezes um pouco pequena, é uma leitura ágil e fácil. Apenas achei que faltou uniformidade à divisão dos capítulos: ao invés de episódios, o que eles parecem separar mesmo são cenas; há capítulos que duram poucas páginas, apenas o suficiente para um pequeno acontecimento de bastidores, enquanto outros, em especial os com batalhas, se estendem de forma mais longa. Isso prejudica um pouco o ritmo da leitura (você se pega perguntando, “todo um capítulo novo só pra isso?”), embora seja um detalhe mais técnico do que uma grande falha mesmo.
O volume todo é também um pouco curto, sendo ainda muito pouco para a série dizer realmente a que veio. Você tem apenas uma apresentação do personagem principal, Jorge, um soldado das legiões romanos protegido pelo imperador, mas que também levanta sérias suspeitas devido à sua fé cristã; e, pelas intrigas de bastidores, parece-me que a perseguição contra os cristãos deve se tornar um tema importante nos próximos capítulos.
De maneira geral, no entanto, é uma série que parece promissora, de um artista reconhecido pela qualidade do seu trabalho, e com uma história que tenta resgatar um pouco da mitologia e fantasia que existe na (ainda) maior religião contemporânea. Aguardo curioso pelos próximos volumes.
São Jorge volume 1 – O Soldado do Império, de Danilo Beyruth.
124 páginas por R$19,90.
Me desapontei muito com esse trabalho do Beyruth. Que bom que encontrei uma resenha que também sentiu as imperfeições! Logo logo vou resenha-lo também. Grande abraço.