Resenha: Shadowrun 2ª edição

Resenha: Shadowrun 2ª edição 1

Oi, anos 80, esperamos todos que vocês continuem mortos


Na minha viagem a Porto Alegre em fevereiro último, fiquei alguns dias na casa do colega Tiago Lobo, para procurar um apartamento na capital gaúcha para me mudar subseqüentemente. A mudança acabou não acontecendo por questões familiares, mas nestes dias que fiquei por lá, além da diversão com os amigos Maury Abreu, BURP, Tiago Ribeiro, Guilherme e Rafael Dei Svaldi (e suas digníssimas senhoras, Elisa e Paloma), também recebi dois presentes do Tiago: os jogos Shadowrun 2ª edição e Dungeoneer. Ainda não li Dungeoneer (o RPG da série Aventuras Fantásticas, que está sendo republicada pela Jambô Editora com o título Fighting Fantasy) mas certamente posso falar sobre o primeiro.
Shadowrun 2ª edição é um jogo fantástico, embora tenha os vícios típicos dos jogos da sua época, como seu sistema um pouco truncado. Mas primeiras coisas primeiro. Vamos falar do cenário fantástico de Shadowrun primeiro.
O ano é 2053. E as pessoas ainda se vestem como na década de 80 do século XX. Heh. Fora isto, tudo mudou. Escrito na década de 80, Shadowrun parte do princípio que o mundo começou a mudar a partir da década seguinte. O cenário está cheio das crenças dos anos 80. As empresas crescem e se tornam megapoderosas, o poder governamental decresce, o Japão se torna uma superpotência mundial substituindo o dólar pelo iene como moeda internacional padrão. Se escrito nos dias de hoje, provavelmente o cenário teria vários rumos diferentes (Os BRICs no lugar do Japão como potências mundiais e estados mais presentes na economia, por exemplo), exceto, claro, pela magia.
Em certo ponto do início do século XXI a magia retorna ao mundo e dragões e outros seres dos contos de fada retornam. O chamado Despertar transformou seres humanos do mundo todo em elfos, anões, orks e trolls, além de conceder o poder para a minoria nativo-americana entrar em guerra com os Estados Unidos e retomar a costa oeste na criação das Nações Nativo-Americanas.
Os EUA ruiram ainda mais uma vez e se tornam duas nações. Ao norte a União dos Estados Canadenses e Americanos e ao sul a Confederação do Estados Americanos. Nota-se aqui outra crença dos anos 80 mas que persiste até hoje nos Estados Unidos. A de que ocasionalmente o país irá entrar em uma nova guerra civil entre os estados do norte e do sul. É incrível como no sul dos EUA as pessoas hasteiam a bandeira dos Confederados em desfiles e na frente de casa até hoje.
Além da magia, a tecnologia dá também enormes passos, ainda que o leitor atual conhecedor de tecnologia vá dar risada das concepções equivocadas dos autores sobre o futuro. Uma das maiores marcas do cenário, a Matriz é uma realidade virtual onde a mente dos piratas de computador travam batalhas pela informação, não há muito o que explicar aqui além do que você já viu no filme Matrix (não, não é cópia de Shadowrun, o jogo e o filme copiam idéias do romance Neuromancer). Basicamente a Matriz é uma realidade virtual alcançada por operadores que conectam seus cérebros diretamente à rede mundial.
Como já disse, muito da tecnologia apresentada no livro seria considerada ultrapassada por pretensos profetas do futuro da tecnologia atuais, mas provavelmente o exemplo mais gritante é a capa do livro: onde um pirata de computador e seus companheiros estão assaltando um caixa eletrônico. A tendência da evolução da biometria e dos celulares como cartões de crédito hoje em dia faz com que nossa imaginação de possível assalto eletrônico em 2053 seja bem diferente do que vemos ali.
Mas saindo um pouco do cenário para falar de como os jogadores irão interagir com esse cenário, vamos falar dos heróis em Shadowrun, os próprios Shadowrunners. Shadowrun é um “trabalho nas sombras”, que pode ser um contrato mercenário para fazer espionagem industrial, recuperar dados ou cargas de rebeldes que atacaram a base de alguma empresa ou qualquer outro serviço sujo que tenha que ser feito nas sombras da lei. O jogador típico de Shadowrun é um mercenário do mundo moderno simplesmente tentando ganhar a vida. Um grupo de jogo funciona como uma pequena unidade de elite de mercenários diversificados e capazes de cumprir qualquer tarefa. Não é muito diferente da sua típica aventura de D&D, por exemplo. Você ainda é membro de um grupo de aventureiros que sai por aí cumprindo missões por recompensas em dinheiro e glória junto de elfos e magos. Exceto que o elfo é um tecnauta e o mago é um xamã índio que faz a dança da chuva de vez em quando. E a missão pode ser nobre como proteger um grupo de mineiros em greve quanto tão escusa quanto explodir a mina com os tais mineiros dentro.
Partindo para falar do sistema, bem, se você já jogou storyteller já conhece muita coisa. O sistema de Shadowrun 2ª edição é baseado em jogar um determinado número de dados definido pelas suas habilidades e tentar conseguir o maior número de sucessos contra a dificuldade imposta pelo mestre de acordo com a situação. A construção de personagens também funciona por prioridades como no storyteller. Você tem seis prioridades que pode dividir entre raça, habilidades, perícias, magia e outras coisas mais. Via de regra, personagens magos não usam implantes cibernéticos, já que isso diminui sua Essência e portanto seu valor máximo na habilidade Magia. Assim temos os personagens místicos, os combatentes e os peritos.
Apesar da construção de personagens ser completamente livre, o sistema apresenta vários arquétipos de personagens para jogadores indecisivos (e para que mestres tenham acesso a fichas rápidas de oponentes e NPCs, também). Assim temos clássicos do jogo como o Elfo Tecnauta e o Fusor (um personagem que conecta seu cérebro a um veículo para pilotá-lo melhor).
O combate é complicado e pode dar ao mestre alguns cabelos brancos adicionais. Só para terem uma idéia, existem três sistemas de combate, uma para ser usado contra criaturas (dragões, fênix, vampiros e outros apresentados num capítulo do jogo), um para veículos e outro para humanos e meta-humanos! Isso sem contar as outras regras especiais relacionadas a combate. Juntando tudo, o capítulo tem trinta e nove páginas, no geral você até consegue entender tudo com um pouco de esforço mas o jogo se beneficiaria muito de um sistema unificado de resolução de conflito. Até porque, se for contar mesmo, os sistemas de resolução de conflito no livro são cinco: os três do capítulo de combate, a resolução de conflitos de perícias e o sistema de combate na Matriz apresentado em outro capítulo. Agora imagina aprender cinco sistemas e ainda decorar as quase quarenta páginas de feitiços do capítulo de magia…
Numa avaliação final, Shadowrun 2ª edição ainda é um excelente jogo, apesar de seu sistema truncado da década de 80. O apelo do cenário continua firme, mesmo esmagado pelo peso dos anos sobre suas previsões falhas (ou talvez até por isto). E lembrem-se de nunca fazer acordos com o dragão, e se fizer não vá quebrar sua palavra!
Shadowrun 2ª Edição (Ediouro Editora).
300 páginas (256 páginas em P&B mais 44 páginas coloridas), capa mole.
Fora de catálogo, alguns exemplares podem ser encontrados no Mercado Livre e em sebos, com preços variando enormemente.

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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6 Resultados

  1. chikago666 disse:

    Eu tenho a 2a ed de SR em BR, e comprei a 4a quando saiu (em ingles). Eu gosto do sistema pelas "pilhas" que são, no final das contas, a base do sistema. Existem falhas, como qualquer outro sistema, mas o legal, é que se voce REALMENTE não gostar do sistema, pegue a ambientação e jogue com D20 Modern, ou ST, ou seilaoque.

    • Eu até achei legal, cara, mas meio complicado. Agora que você falou, até dá pra dizer que o sistema de pilhas é meio que um ancestral dos Pontos de Ação do sistema d20.
      Mas é foda. Tu tem que criar ficha de personagem, daí, se for Tecnauta, tem que criar OUTRA ficha pra manifestação na Matriz, escolher programa, o caralho a quatro, a complicação é um pouco menor se for mago, e se for combatente provavelmente vai ter que se entupir de cibernéticos, outro esquema pra aprender. Daí tu tem que aprender entre três e cinco sistemas de resolução de conflito, cada um com suas particularidades. Não é difícil, mas se torna bem cansativo.
      Se ele tivesse um sistema único de resolução de conflito, não só descomplicaria o jogo, como daria muito mais espaço para a descrição de cenário, que é afinal a coisa mais legal.

      • chikago666 disse:

        O maior problema de rpgs futuristas é a necessidade de despender MUITO tempo comprando equipamento, e ai esta incluso os negocios da Matrz. Fora isso, 3 resoluções é uma merd@ mesmo.
        mas que é divertido rolar Armas de Fogo com dificuldade 4+Proteção, contra Corpo com dificuldade igual a potencia da arma é divertido. (acho que era isso, faz teeeempo que não jogo)

  2. Tek disse:

    Deve ficar daora jogando com M&M.

    • Arquimago disse:

      Pensei a mesma coisa!
      Está um lenda do RPG que sempre ouvi falar, mas nunca joguei ou li… apesar que com um sistema desses…

      • Olha, dependendo do preço, vale a pena comprar. Até uns 30-40 reais eu acho um preço legal e que dá pra pagar tranqüilo, foda é que tem nego que aproveita que tá fora de catálogo pra apelar. Vi nego vendendo esse livro a R$ 60,00 no Mercado Livre. Claro, é direito dele vender a propriedade dele a quanto ele quiser, mas acho que não vale tanto assim.

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