E voltamos a falar de Fantasy AGE! Desta vez, vamos conferir os capítulo 7 a 12, chamado de Game Master’s Guide no livro. Vale lembrar: Fantasy AGE foi publicado pela Green Ronin Publishing em 2015 e desde então vem recebendo suporte constante da editora, que recentemente publicou Death in Freeport: 20th Aniversary Edition para o sistema. Sucessor espiritual de Dragon Age RPG, publicado no Brasil pela Jambô Editora, Fantasy AGE também é o sistema utilizado em Blue Rose: The AGE RPG of Romantic Fantasy e Modern AGE. Você pode conferir aqui a parte 1 da resenha (capítulos 1 a 6, chamado de Player’s Guide no livro).
Capítulo 7: The Game Master
Texto gostoso, dicas úteis, bom discernimento sobre comportamentos de jogadores e mestres… O único defeito desse capítulo é que eles não expandiram ele em umas cinquenta páginas ou mais. O fato que eles chamam a atenção para o choque de premissas em especial é essencial porque acontece o tempo todo em mesas de jogo.
Choque de premissas, por sinal, é quando o mestre descreve algo que tem uma premissa para ele, mas um jogador ou mais partem de uma premissa diferente e tomam suas decisões com base nessa premissa pessoal deles. Por exemplo, digamos que o mestre descreve um grupo de bandidos num beco da cidade como tendo uma aparência “perigosa e bem equipada” e na mente do mestre isto significa que eles estão de armadura e bem armados e tem um ar de lutadores veteranos, mas os jogadores imaginam mafiosos maliciosos com roupas de grife e armas leves como punhal afiados e bestas de mão.
O capítulo também dá dicas preciosas para lidar com os variados tipos de jogadores problemáticos, como advogados de regras, estrelinha, e outros, além de fazer o mesmo com os variados estilos de mestrar uma mesa e o como eles se relacionam com determinados jogadores e seus estilos.
Capítulo 8: Mastering the Rules
Este capítulo é dedicado a aprofundar o conhecimento do sistema que mestres adquiriram nos primeiros seis capítulos do jogo, além de apresentar novas regras e situações que um mestre deve conhecer como testes avançados, surpresa, modificadores de circunstância, moral e perigos ambientais. Algumas estão razoavelmente bem escritas, outras nem tanto.
O texto sobre testes avançados é curto e depende muito do exemplo para o seu entendimento, como se os autores não pudessem explicar como testes avançados funcionam sem demonstrarem na prática.
Fantasy AGE também faz um esforço neste capítulo para acomodar mestres e jogadores que desejam equilibrar regras e interpretação em diferentes níveis por diversos motivos, o que é uma boa prática do livro. Em geral, o capítulo faz um bom trabalho em apenas sete páginas de aprofundar os conhecimentos de regras do mestre.
Capítulo 9: Adversaries
- Poucos adversários. O capítulo tem apenas quatorze adversários: bandit, demon-soldier, dragon, giant, giant spider, goblin, golem, manticore, medusa, ogre, orc, serpentfolk, spectre, walking dead. Variedade não é o nome do jogo.
- Não é apresentado um método para a criação de novos adversários. Alguns jogos usam uma boa maneira de lidar com falta de espaço para adversários: apresentar um método para a criação dos adversários, mesmo que o resultado seja acabe lembrando um pouco programação procedural (você vê dez adversários e eles parecem todos diferentes, você vê cem adversários e nota que na verdade são dez adversários com dez skins diferentes e um “extra” em cada para parecerem diferentes). Fantasy AGE não apresenta essa opção e o jogo se torna menor por isto.
- Confusão nos focos. O jogo apresenta quatro focos para adversários: Accuracy (Bite), Fighting (Claws, Gore, Kick). Simples, certo? Exceto que Gore e Kick não são usados nos adversários, enquanto focos que não são apresentados como Tail Bash (?) e Sting (??) simplesmente aparecem nas fichas dos adversários. Tudo bem, é óbvio para que eles servem e a mecânica dos focos em geral não precisa de muita explicação, mas custava prestar atenção para evitar esse tipo de confusão?
- Como eu devo ler isso? Existem diversas formas de se escrever e ler um texto e nenhuma dessas formas é especialmente complicada de se adaptar. Quem começa a ler mangá vai ler um aviso no começo explicando como ler na forma de leitura “direita para a esquerda” utilizado no Japão em vez da forma “esquerda para a direita” que utilizamos no Brasil. O que é difícil é ler uma ficha de Fantasy AGE pois eles começam a leitura da tabela do adversário em “esquerda para a direita” aí nas Abilities (Focus) eles alteram a forma de leitura da tabela para “direita para a esquerda” e então eles retornam a utilizar “esquerda para a direita” logo após. Tudo isto sem nenhuma explicação sobre o que diabos está acontecendo. O que faz sentido pois não sei se quem quer que tenha feito esta parte do livro sabia o que estava fazendo para poder explicar em primeiro lugar.
- Adversary Threat? I don’t know! Fantasy AGE usa um sistema extremamente frouxo para definir quão perigoso um adversário é. Minor Threats são bons adversários para os níveis 1-4, Moderate para 5-8, Major para 9-12, Dire para 13-17 e Legendary para 18-20. Além disso, Fantasy AGE diz que Threat é definida de acordo com a maneira como um determinado adversário se comporta, goblins aparecendo em grupos contra dragões solitários, por exemplo. O problema é que não há nada nas descrições dos adversários que diga quantos deles por encontro o game designer estava pensando quando determinou a Threat. Esta parte do jogo espera que o GM, que pode estar jogando RPG pela primeira vez com este livro, saiba 1. quantos goblins, bandidos, orcs, whatever são usados tradicionalmente em mesas de RPG; 2. julgar quão perigoso um determinado monstro é em relação ao grupo de personagens jogadores; 3. balancear encontros com base em conhecimentos dos itens 1 e 2 que ele pode ou não ter; Olha, já escrevi um livro de monstros para Tormenta RPG, sei o quão difícil é definir nível de desafio, e o quão fácil é errar na mão pra cima ou pra baixo. Eu normalmente não seria tão duro nesse quesito. A impressão dessa parte do livro, no entanto, é que os autores desistiram de sequer tentar fazer o trabalho deles. E ninguém é obrigado a ter paciência com desleixo puro e simples.
- Sua princesa, digo, informação está em outro castelo. Eu tenho uma filosofia de design para adversários: tudo que preciso tem que estar na ficha do adversário, não quero perder tempo folheando livro no meio do jogo para saber o que habilidade x ou talento y fazem. Fantasy AGE não segue essa filosofia. Há pelo menos quatro instâncias entre os adversários deste capítulo onde a ficha apresenta Talents que o adversário possui mas não apresenta o que eles fazem, forçando quem está utilizando o adversário na sua mesa a parar, ir ao capítulo 3, encontrar os Talents em questão, anotá-los, e então retornar ao jogo, uns 20-30 minutos depois, quando os jogadores já estão fora do clima e distraídos no Twitter ou TikTok. Parabéns!
E isto é tudo que tenho a dizer de negativo sobre o capítulo… foi bastante coisa, eu sei, mas eles realmente erraram feio neste aqui. Se há algo positivo a ser dito é que eles incluem algumas coisas que ajudam a aumentar a diversidade das criaturas, em especial os Special Powers que funcionam um pouco como diferentes skins/poderes extras para um monstro que podem surpreender um grupo de jogadores que já tenha enfrentado aquele adversário anteriormente.
Capítulo 10: Rewards
Este capítulo é dedicado a recompensas para jogadores que o mestre pode oferecer, e detalha como recompensar XP por encontros, como avançar de nível em Fantasy AGE, e outros tipos de recompensa. Mas principalmente, ele detalha os itens mágicos do sistema.
Ao contrário dos adversários, o capítulo apresenta um método, se você olhar de pertinho e ser bonzinho, mas um método, para a criação de itens mágicos por GMs que define raridade e como isso afeta os bônus do item mágico, além de uma mecânica separada para definir restrições para o uso destes itens. Fantasy AGE também divide items mágicos entre itens temporários (poções, munições, pinturas temporárias, etc) e permanentes (armaduras, armas e outros equipamentos).
É um capítulo curto, mas útil e bem escrito. Com boas ideias e recursos para serem utilizados na sua mesa de jogo.
Capítulo 11: The Campaign Setting
Capítulo 12: Adventure in Highfalls Swale
O último capítulo do livro trás um mini-cenário e uma aventura pronta introdutória. O mini-cenário é simpático e interessante como uma área inicial para qualquer jogo de Fantasy AGE, com uma linha do tempo simples, algumas áreas com óbvios ganchos de aventura, referências a situação política local e alguns NPCs importantes. Tudo o que você poderia precisar para começar uma campanha.
A aventura… é um pouco estranha sem ser ruim? Sem dar spoilers para quem pode vir a jogá-la, a leitura que tive dela é de um desses filmes de terror onde adolescentes encontram algo assustador durante uma atividade divertida qualquer e tem que resolver o problema e salvar a cidade. Lembra um pouco filmes como Sexta Feira 13 e A Hora do Pesadelo, exceto com seus personagens como os adolescentes combatendo a ameaça sobrenatural. De novo, não é de maneira alguma uma aventura ruim, ainda que seja um pouco simples, mas o tema de “terror sobrenatural com protagonistas adolescentes” não é exatamente a primeira coisa que imagino quando “aventura introdutória para um jogo de fantasia” é sugerido.
Fantasy AGE termina o livro com um glossário e um index de termos, com um modelo de ficha na contracapa para facilitar a fotocópia.
Conclusão
O Game Master’s Guide é certamente a melhor parte do livro em minha opinião, os capítulos 7 e 11 em especial são o melhor conteúdo que li sobre a arte de mestrar uma partida de RPG em muito, muito tempo. O capítulo 9 é um ponto baixo, mas nada que não pode ser, com sorte, resolvido no Fantasy AGE Bestiary.
Sobre o livro como um todo… é um excelente sistema, mas o Fantasy AGE pode não ser o melhor livro de referência para o AGE System que ele poderia ser. Também não é o pior. Só está longe de ser perfeito.
Sobre o autor
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