Sabe aquele momento orgásmico quando o Gohan vira Super Sayajin 2 e com um soco faz o Perfect Cell vomitar a nº 18? Ou quando Neo basicamente vira uma divindade e destrói o Agente Smith no final do primeiro Matrix? Esse tipo de situação tem nome: é uma fantasia de poder. Talvez você já tenha ouvido falar que todas as histórias bem sucedidas tem como protagonistas os famosos homens-palito, personagens com personalidade e/ou aparência difusa de modo que se torna mais fácil para o espectador se identificar com ele. Então, quando uma história entrega essas passagens, ela está realizando as fantasias de poder dos expectadores através desse personagem homem-palito. Não é a toa, portanto, que essas passagens costumam ser as mais satisfatórias para uma parcela da audiência quando acontecem.
Só há um problema com fantasias de poder. Elas são literalmente uma doença, ou parte de uma doença, na verdade. Fantasias de poder são relacionadas com distúrbios mentais como transtorno de personalidade narcisista e megalomania. E o consenso geral é que ter fantasias de poder é, bem, para simplificar, ruim a beça. Nesse momento, os mais astutos entre vocês já devem ter sacado onde quero chegar. Sim, isso mesmo. Combos.
Em RPG simulacionistas como Tormenta RPG, teoricamente não há muito espaço para fantasias de poder, o seu personagem tem o mesmo nível que os personagens do resto do seu grupo, inimigos em geral tem níveis mais altos para que apresentem um desafio para seu grupo de aventureiros e a diversão do jogo é que você é um aventureiro superando desafios e vivendo jornadas fantásticas através do mundo. Teoricamente. O problema começa com o fato que game designers são humanos e sempre haverão coisas que eles deixam passar quando criam material de jogo. São as combinações que quebram o equilíbrio de jogo, os combos.
Um personagem combado é uma fantasia de poder ambulante. Para ele, não existem desafios, tudo pode ser resolvido facilmente com seu enorme poder. Agora, já existem muitos artigos na internet que demonstram por A + B porque um personagem combado destrói a diversão de outras pessoas na mesa de jogo. Mas aqui quero fazer uma abordagem diferente: meu argumento é que o jogador que faz um personagem combado destrói sua própria diversão.
Veja bem, há uma razão pela qual fantasias de poder são consideradas sintomas de doenças mentais, ela é um sinal de que a pessoa está se desconectando da realidade e vivendo num mundo de fantasia. É, eu sei o que você está pensando agora: “Mas Nume, o próprio conceito dos RPGs não é se desconectar da realidade e viver num mundo de fantasia?”, é, bem, sim e não. Embora a gente se desconecte da realidade e viva num mundo de fantasia por um tempo cada vez que jogamos RPG, os desafios que enfrentamos são reais, e a satisfação que sentidos ao superar esses desafios também é real, assim como as interações sociais que experimentamos na mesa de jogo.
O jogador que utiliza um personagem combado para satisfazer sua fantasia de poder perde, portanto, tudo aquilo que é real numa partida de RPG. Os desafios deixam de existir e com eles a satisfação da sua superação, as interações sociais são prejudicadas e se tornam negativas, gerando ressentimento nos presentes em vez de uma tarde divertida que aprofundaria amizades. Em nome da viver sua fantasia de poder, o jogador abre mão não apenas de vivenciar as experiências reais que o RPG provém, como também escolhe destruir suas relações sociais em um ato completamente autodestrutivo. Algo digno de alguém com um transtorno mental¹.
¹ Um esclarecimento é necessário aqui sobre exatamente de quem estou falando. Primeiro, não estou falando de quem otimiza seus personagens. Eu mesmo faço isso. Otimizar seu personagem não remove o fator de desafio nem a satisfação de vencer esses desafios, nem afeta as interações sociais na mesa. Otimizar é meramente jogar no easy mode. Segundo, há pessoas que criam combos como exercício mental ou como um argumento contra praticas ruins de game design, e isto é completamente normal. Anormal é usar esses combos na mesa de jogo.