Pensado como uma versão alternativa desse mythos, é um jogo marcado principalmente pelo experimentalismo. Trata-se de um RPG de ação, diferente dos tradicionais sistemas por turnos da série – ou seja, você controla em combate um personagem em tempo real, enquanto os outros membros do grupo são guiados por uma inteligência artificial. A própria estrutura do jogo é bastante única, parecendo um híbrido entre a narrativa tradicional linear de RPGs japoneses e jogos de guerra em que as fases são organizadas como missões. Como o próprio nome anuncia, tem-se bem clara a impressão de ser um novo “tipo” de Final Fantasy.
O resultado acaba sendo um pouco ambíguo. É interessante ver algum sopro de novidade em uma série e gênero que pareciam tão estagnados; por outro lado, o jogo em si acaba ficando bastante confuso em muitos momentos, de forma que é difícil formar uma opinião muito concreta sem parar um pouco para refletir. Muitos dos problemas que ele possui, na verdade, parecem ser derivados diretamente do seu formato original como jogo para um sistema portátil, com limitações de memória e elementos que favorecem o jogo casual. Outras vezes, no entanto, ele parece nos remeter a uma época em que os jogos eram realmente mais imperfeitos e, por isso mesmo, ousados, e isso acaba sendo de alguma forma bom – é difícil não se sentir nostálgico, por exemplo, ao se deparar com um mapa-múndi e airship controlável, algo que não vemos desde o Final Fantasy… IX?
Acho que o ponto que mais sofre com essa confusão muito provavelmente seja a história. Há um cenário bastante interessante, que resgata o tema dos cristais tradicionais da série mas busca uma inspiração mais original ao fazê-los representar não elementos da natureza, mas os quatro animais dos pontos cardeais da mitologia chinesa: a Fênix Vermelha (sul), o Tigre Branco (oeste), a Tartaruga Negra (norte) e o Dragão Azul (leste). Cada um deles representa uma nação deste mundo, que usa o poder do cristal de uma maneira distinta – a nação da Fênix, por exemplo, domina a magia, enquanto o cristal do Tigre Branco é usado como fonte de energia para tecnologias avançadas como robôs e armas de destruição em massa.
Obviamente, as quatro nações não são exatamente amigas de fé, mas estão em constante conflito pela supremacia no mundo de Orience. A guerra entre elas é o tema principal do jogo, que a retrata de maneira bastante crua e sem muitos rodeios. Logo na introdução você já é jogado de cara em uma batalha feroz pelo domínio da Akademeia de magia da nação da Fênix, com muito mais sangue e violência do que se estava acostumado nos jogos anteriores. A morte é outro assunto recorrente: a própria invocação de eidolons, tão tradicionais da série, aqui envolvem um sacrifício humano; e há um efeito colateral do uso dos cristais que faz com que a memória das pessoas mortas sejam apagadas, resultando em alguns conflitos bastante interessantes e curiosos. No fim, o resultado me lembrou Suikoden, uma série de RPGs japoneses muito querida pelos fãs (eu incluso), até pela presença de um sistema de batalhas estratégicas entre exércitos, apesar dele ser um tanto simples e sem muita estratégia de verdade envolvida; já o tema da academia militar remete de alguma forma ao Final Fantasy VIII (que, incidentalmente, também é um dos meus favoritos).
A forma como essa história é contada, no entanto, é confusa e mal planejada. Nos seus melhores momentos, há uma tentativa de emular um documentário de guerra, com direito mesmo a mapas animados mostrando a movimentação de tropas; nos piores, a direção de cenas é bastante pobre, com diálogos que às vezes beiram o ridículo, e que soam ainda piores devido ao péssimo trabalho de dublagem em inglês, claramente feito às pressas para lançar logo o jogo (felizmente, o áudio original em japonês foi mantido no disco, então você pode simplesmente trocá-lo se quiser). A estrutura do jogo em missões muitas vezes impede que você estabeleça relações afetivas com certos personagens, em especial os vilões, contra quem é difícil realmente estabelecer alguma inimizade quando há tão pouca interação; sem contar que sempre há um período de ócio obrigatório entre elas para resolver quests secundárias, o que acaba dificultando que o roteiro pegue no tranco e deslanche propriamente. Há ainda uma quantidade muito grande de termos obscuros – Agito, Tempus Finis, l’Cie, eidolons – jogados a esmo sem muita explicação, inúmeros conflitos construídos entre os personagens que nunca são realmente resolvidos ou aproveitados narrativamente, e uma reviravolta súbita no último capítulo que dará um nó na cabeça de muita gente, e só é realmente esclarecida após se consultar o Rubicus, uma espécie de enciclopédia do mundo do jogo.
De alguma forma, no entanto, quando você consegue atravessar estas barreiras e juntar as peças para entender o que está acontecendo, até é possível chegar a uma história interessante, que surpreendentemente ainda consegue cativar apesar da narrativa tão mal estruturada. Os herois da vez são os quatorze membros da Classe Zero, um grupo de cadetes da Akademeia de magia da Fênix que, por suas habilidades especiais, representam a última esperança na guerra contra as outras nações. De forma um pouco truncada, o jogo consegue construir uma dinâmica bastante interessante entre eles – pelo menos doze deles são na verdade muito superficiais e rasos quando analisados individualmente, mas acabam formando em conjunto um ente maior que quase sempre age e interage com NPCs com se fosse um único personagem. Pense que o personagem principal do jogo não é qualquer deles sozinho (mesmo que um só tenha sido escolhido para aparecer na capa), mas a “Classe Zero” como um todo; isso me lembrou muito a própria dinâmica que existia nas minhas turmas de colégio, bem como as turmas em que dou aula atualmente, e criou em mim um sentimento de empatia quase instantâneo. O resultado é que o que acontece no vídeo de encerramento (mas não darei spoilers) acaba sendo especialmente tocante e intenso, e é difícil passar por ele sem suar os olhos.
Acredito que muito desse carisma se deva também ao trabalho do compositor da trilha sonora, Takeharu Ishimoto. No lugar das tradicionais trilhas orquestradas (que ainda aparecem algumas vezes), muitas das músicas de momentos chave da narrativa possuem guitarras como instrumentos proeminentes, dando a elas um ar roqueiro (ou melhor, de j-rock). Isso ajuda a criar um clima mais coerente com os protagonistas jovens e o tema da vida escolar (afinal, quem ouve Bach na escola?), e lembram mesmo certos mangás e animes estudantis, como Crows. No outro extremo, o seu senso de grandiosidade também é muito apurado, e as peças que tocam durante as batalhas em larga escala, em especial as que utilizam corais de vozes, são muito eficientes em criar um sentimento épico.
Há alguns detalhes a se destacar no que diz respeito à adaptação aos consoles de última geração. De maneira geral, os personagens principais receberam um bom banho de alta definição, e, embora certamente não estejam no mesmo nível de jogos mais recentes, a verdade é que são suficientemente bonitos e detalhados. Muitos NPCs, no entanto, não tiveram o mesmo cuidado, e ainda parecem estar rodando em um PS1 ou PS2. O mesmo vale para os cenários – a Akademeia é praticamente o único lugar que realmente enche os olhos; todas as cidades e dungeons são simples e pouco detalhadas, além de usarem com frequência as mesmas texturas e até o layout de mapas. Aqui volto ao que falei anteriormente sobre as limitações do sistema portátil: é claramente um truque para economizar memória, e com isso você acaba impedido de visitar os locais que seriam potencialmente mais impressionantes, como as capitais das outras nações. E de extras, temos apenas um vídeo final alternativo que você libera após terminar a história, que faz sinal talvez para um novo jogo na série no futuro
O jogo também possuía originalmente um componente online, com a possibilidade de ajudar outros jogadores em algumas missões em troca de experiência e alguns itens exclusivos. Isso foi removido da versão remasterizada – no lugar, há um sistema um pouco bizarro de personagens de suporte, que só faz sentido quando você pensa no que ele está substituindo. Foi uma solução um pouco preguiçosa e pão-dura, talvez, ao invés de estabelecer servidores para manter o jogo em rede, mas que pelo menos é eficiente e funciona bem para o que se propõe (qual seja, manter os itens exclusivos do jogo online na nova versão). Além disso, os personagens de suporte possuem os nomes de membros da equipe de desenvolvimento, então acaba sendo uma forma bem original de exibir os créditos do jogo.
Final Fantasy Type-0, enfim, é um jogo imperfeito e cheio de problemas, mas que de alguma forma consegue fazer deles parte do seu charme e ser divertido de qualquer maneira. O que acaba sendo um pouco frustrante é ver o quão perto ele chega de ser realmente um jogo fantástico como os Final Fantasies não são há algum tempo. Dá até pra quantificar o quão perto: é exatamente a diferença entre um spin-off portátil e um carro chefe da franquia principal. Talvez se ele tivesse tido o orçamento e planejamento de um Final Fantasy XIII, boa parte dos seus problemas não existiriam, e é possível ver o potencial que ele teria para resgatar o elemento épico e grandioso dos clássicos da série que parecem ter sido esquecidos nos últimos jogos. No meio de Dragon Ages e Witchers, não é o jogo que vai realmente mudar a opinião de quem nunca deu bola pra RPGs japoneses no passado; mas os fãs mais antigos talvez saibam apreciar as suas qualidades, bem como relevar muitos dos seus problemas.
Também não posso deixar de comentar que o primeiro lote do jogo acompanha um voucher especial para baixar o demo do aguardadíssimo Final Fantasy XV, há quase dez anos em produção. O demo é curto, mas muito bacana – os gráficos são lindos, as batalhas são divertidas (apesar de ainda terem alguns problemas), e os personagens parecem interessantes. Além disso, há a volta totalmente épica de uma summon clássica da série. É um teaser promissor, e só aumenta as expectativas para o produto final.