Assim, logo na primeira cena somos transportados via Google Earth para um Japão mítico e fantasioso, onde se fala inglês com sotaque ao invés de japonês, e onde Reeves pode se passar por meio oriental. Lá descobrimos como um jovem garoto mestiço, fugindo de uma floresta sobrenatural habitada por demônios tengu, é salvo pelo Lorde Asano de ser morto por um de seus samurai. Corta então para o seu crescimento na província, o seu conhecimento das coisas da floresta, o amor proibido pela filha do seu senhor… Enfim, você pode imaginar.
O jovem, que recebe o nome de Kai, acaba se tornando o centro daquilo que o filme tenta possuir de original em relação às suas versões anteriores, que é o uso da mitologia e fantasia para criar um blockbuster épico nos moldes ocidentais, à lá Piratas do Caribe ou O Senhor dos Aneis. Surpreendentemente, a saga original até que foi razoavelmente bem respeitada (ou pelo menos mais do que eu esperava), com a presença dos seus elementos fundamentais em meio a algumas adaptações, incluindo, é claro, o seu final trágico inevitável. O figurino também ficou bastante bonito, abusando de cores fortes mas sem cair na caricatura (bem, com exceção da maquiagem de alguns figurantes), e de maneira geral ele se segura bem em aspectos mais técnicos.
No entanto, há uma certa hesitação entre a novidade e o tradicional que prejudica o resultado final. Enquanto os mais tradicionalistas certamente gostariam de ver uma adaptação mais fiel da lenda, eu não me incomodaria tanto se o lado fantástico fosse abraçado com mais vigor. Há monstros bem imaginados, que poderiam ter uma presença mais marcante, além de figuras proeminentes nos pôsteres e trailers que no final das contas acabam tendo uma participação de fato pífia no roteiro. Uma pegada mais próxima de um Tenra Bansho Zero, com seus samurai-mecha e monstros conjurados, teria me agradado mais pessoalmente.
O elo mais fraco do filme, no entanto, se encontra justamente nos seus dois nomes mais conhecidos do elenco. Rinko Kikuchi tem uma atuação fraca e afetada como a bruxa má do extremo-oriente, bem longe do carisma tímido da Mako Mori de Círculo de Fogo. E Reeves, bem, é o Reeves de sempre, com sua atuação mono-expressiva, adicionada ainda à total dissonância da sua presença em um elenco totalmente composto, exceto por ele, por nomes orientais. Há lá a desculpa esfarrapada, até bem aproveitada para construção de conflitos, de que ele é um mestiço em meio aos xenófobos locais, mas de maneira geral você sente que o filme faz muito mais sentido quando a ação foca em Hiroyuki Sanada como o líder do bando de ronin.
No fim das contas, 47 Ronin até que não é um filme tão ruim quanto os trailers anunciavam. Para quem já sobreviveu a coisas como a refilmagem de Fúria de Titãs e outras esquizofrenias inspiradas na mitologia grega, até que parece um pequeno sopro de originalidade nas inspirações e referências Hollywoodianas. Quem quiser uma versão mais bem acabada e fiel da lenda, a dica mesmo é procurar o box de DVDs lançado pela Versátil, com as três versões mais famosas para o cinema, todas de diretores japoneses; já para quem quer apenas um épico genérico para comer pipoca, ele até que vale um ingresso de meia-entrada sim.