Os navios se despedaçavam em chamas durante a Batalha de Trafalgar, enquanto madeira, objetos e pessoas caiam na água, atordoados ou cansados demais para nadar. O terror da morte era visível em seus olhos, enquanto eles viam e eram vistos por criaturas interessadas, que assistiam as luzes e destruição causadas pelos caminhantes das terras secas.
Peixes inteligentes antropomórficos, os Poecilia Sapiens, também chamados de Ictos, são uma raça peculiar. Com pés chatos e alongados e membranas ligando a parte anterior dos dedos, eles são excelentes nadadores, ao mesmo tempo que são hábeis no uso de ferramentas. Têm couro azulado, com detalhes de coloração e forma que varia de indivíduo para indivíduo. Possuem barbatanas nos antebraços e nas batatas das pernas, além da barbatana cranio-dorsal. Aliás, a barbatana cranial é o mais visível dimorfismo sexual, sendo mais proeminente nas fêmeas. Outro dimorfismo é a existência de gonopódios nos machos, uma vez que a gestação dos filhotes acontece internamente, no ventre da mãe.
Obviamente que, por serem peixes, as fêmeas não possuem seios. Entretanto, elas têm o corpo mais esguio, como sinal de serem mais aptas a fugir com seus filhotes em caso de perigo. Já os machos são corpulentos, representando sua capacidade para proteger sua prole e todo o seu cardume.
Preferem águas de regiões mais tropicais, embora possam se aventurar em todos os ambientes. Também podem nadar em água doce, fazendo incursões em grandes rios, mas a maioria prefere a vida no oceano. Também têm certa tolerância à pressão, mas grandes profundezas oceânicas também são mortais a eles. Não podem sobreviver mais de um dia ao ar livre, onde sua respiração é ofegante. Costumam montar suas comunidades em recifes e atóis, mas não é raro encontrar cidades nas profundidades do mar aberto.
Por muito tempo eles foram um povo tribal, promíscuo e primitivo, avessos a qualquer avanço. Entretanto, fizeram amizade com os humanos de Atlântida, na época em que a cidade governava o oceano. Eles se encontravam com humanos em cais e aprenderam a criar ferramentas, utensílios e armas. Contudo, quando o mar se abriu e engoliu a cidade, os ictos se viram mais uma vez sozinhos, tratados com violência e crueldade por quaisquer outros povos.
Grupos de cidades, vilas e comunidades formam uma espécie de estado, ligado politica e militarmente. O líder desse estado, escolhido em eleição dentre as grandes famílias, são denominados de proteus. Em sua religião, acreditam que o céu azul é o oceano dos deuses e que o ar venenoso que os separa é obra de deuses malignos e de demônios. Ensinados pelos Atlantes, chamam seu deus-pai de Poseidon e creem que ele vive cercado de nereidas, oceânidas e náiades. Acreditam que a chuva é um momento sobrenatural, onde o grande deus derrama suas bênçãos com a água celestial sobre o oceano dos ictos.
Os ictos usam ferramentas feitas de coral, algas, ossos e couro. Usam roupas para proteção, para se aquecerem e para cobrirem seus órgãos reprodutores, além de uso ornamental. Usam pérolas como base de troca em sua economia, embora também possam aceitar moedas humanas encontradas em navios naufragados ou simplesmente fazer escambo. Suas comunidades funcionam de maneira feudal. Sua alimentação, baseada no consumo de peixes e algas, vem da agricultura e piscicultura. Gostam de se reunir em festas onde consomem uma massa viscosa feita de algas vermelhas fermentadas, cujo consumo excessivo é capaz de embriagar, e cantam ao som de instrumentos musicais feitos de conchas.
Em suas comunidades, são capazes de domesticar golfinhos, focas, tartarugas e peixes, mas são inimigos de tubarões, lulas gigantes, cachalotes e serpentes-marinhas. Entretanto, eles não são as únicas espécies inteligentes que habitam o mundo molhado. O polvo-negro, chamado comumente de oito-mortes, é um conhecido inimigo, com sua fabulosa mente voltada para a crueldade e vilania, além de ser capaz de expelir tinta ácida. Outro inimigo bem mais comum é o aratu, uma espécie semi-humanoide de caranguejo, com inteligência precária e de hábitos primitivos.
Predadores, poluição, descobertas, migrações, mudanças climáticas, explorações. O mar é um lugar fascinante. Um mundo à parte, pronto para ser trilhado por seres curiosos e corajosos. Se a terra seca é dominada pelos furiosos seres humanos, no fundo do mar eles não são ninguém, porque este é o mundo dos ictos.
Ictos em aventuras: embora o primeiro impulso seja de usar os Ictos em terra seca, esse não é o ambiente deles. O melhor é que suas aventuras sejam voltadas para o mundo submarino. Qualquer um que já leu Vinte Mil Léguas Submarinas, assistiu Procurando Nemo ou A Pequena Sereia sabe como o fundo do mar é um ambiente diversificado e rico em aventuras. Tudo que acontece no mundo dos humanos também pode ocorrer debaixo d’água. Intrigas, traições, guerras, invasões, buscas, explorações, viagens, patrulhas, romances, tragédias. O mundo submarino também tem seus monstros, vilões e perigos. Há fossas abissais, vulcões submarinos, mares glaciais, florestas de algas, naufrágios, cidades engolidas pelo mar. Leve seus jogadores para um novo ambiente, com seres diferentes. Pode ter certeza que aquela sua velha ideia de campanha vai ficar muito bem com essa cara nova.
A ilustração é minha mesmo.