Menos Luiza, que está no Canadá.
Há alguns dias a Hasbro – ou a Wizards of The Coast, como chamam a salinha onde editam o D&D – anunciou que estavam trabalhando enfim na próxima edição de Dungeons and Dragons, que foi por muito tempo o RPG mais jogado do mundo… Foi? Talvez não literalmente, claro. Ainda deve ser. Mas uma verdade incômoda é cada vez mais presente: o antes invicto criador cedeu muito de seu espaço à criatura e o que rola em boa parte das mesas mundo afora é o Sistema d20 e os OGLs que nasceram dele, sem a vinculação aos três básicos que a dona da bola sempre manteve consigo.
Que a 4E não emplacou como o esperado é algo evidente, apesar de todo o mimimi¹ de que o livro até vendeu mas só não foi a Coca-Cola que acharam que seria . Sei que é simples apontar e dizer agora, quase quatro anos após o lançamento, que aquilo não era o que o jogador de Dungeons and Dragons queria. Que não era esse o D&D que iríamos jogar dali em diante. E a Hasbro igualmente sabe, e muito melhor do que eu, que não adianta nada pra empresa dela ouvir os videntes do pretérito perfeito que estão anunciando o bom e velho “eu já sabia” depois do Dragonborn já ter ido pro brejo.
Mas o que diabos deu errado? Podem ter sido muitas coisas e nenhuma em específico. Mas eu tenho um palpite: o jogo sofreu da Maldição dos Anciões.
Os jogadores antigos da linha defecaram e caminharam pro negócio desde o começo. Toda uma comunidade já formada foi pro twitter e pro orkut xingar muito dizendo que não iria abandonar seus livros semi-novos, avisando os desenvolvedores (e também todos os possíveis clientes por tabela) desde a primeira hora após o contador do “4dventure” zerar e o site da WoTC cair pelo excesso de visitas de curiosos que aquilo não era o jogo deles. E que eles não iriam jogar um World of Warcraft de papel.
O Ciclo da Guerra de Edições voltou com tudo dali em diante. Mas com uma diferença em relação à mesma guerrilha que ocorreu quando o D&D virou Advanced e o Advanced caiu pro d20 System. Os mestres de jogo desta vez ainda estavam vivos, ativos e narrando. Tinham investido uma grana nos seus jogos favoritos, lutado e vencido uma guerra de edições e estavam de pé pra lutar uma próxima. E o melhor de tudo: agora tinham a internet pra dizer isso pra todo mundo.
Anota uma coisa ai, companheiro: o Mestre é 85% de um jogo de RPG. Você, autor, não pode comprar briga com esse cara. Ele é o teu Consultor da Jequiti em cada mesa desse mundo. É ele que vende teu peixe, que faz o jogo ser legal pros teus jogadores. E a WoTC fez isso. Ela olhou na cara de cada um desses sujeitos que dormem com uma miniatura de Dragão da Terceira Edição velando seu sono e disseram que não precisavam deles no momento. Eles queriam renovar o mercado. Atrair novos jogadores que estavam nos MMOs…
Como esses ai:
A Hasbro apostou que em 2008 iria ocorrer o mesmo que em todos os relançamentos do sistema: uma vez atualizado, com uma carga de livros pipocando nas lojas com ilustrações bonitas, todo mundo pularia de cabeça pra novidade e abandonaria pouco a pouco os tomos antigos. Mas o que rolou você já sacou: o mercado não se renovou, o editor dançou, até uma linha pra novatos criou e todo o jogo de novo mudou.
Um segundo ponto, totalmente baseado em minha opinião pessoal e sem base alguma: quem já jogou a 4E alguma vez sabe que ele é um jogo bacana. Não discordo disso. Ele é divertido, é equilibrado, tem umas miniaturas e uns mapas muito legais de colecionar… mas caras, ele é um jogo que enjoa de jogar. E é ali que ele se quebra. Não sei bem o motivo disso, talvez por ser tático demais. Me lembra um pouco Hero Quest. Já jogaram? Nas primeiras – vamos lá, dez partidas – vocês até contam as casinhas, pulam os espaços certos, cuidam pra só abrir determinadas portas, rolam os dados e vão voltando aos pouquinhos até a escada… mas depois desse primeiro contato com a mecânica toda, ninguém mais tem saco pra contar quadradinho. E da-lhe “voar” de sala em sala pra ganhar tempo.
Não me olhem assim. Sei que já fizeram isso também… “Resume ai, Zargon, tem armadilha, monstro ou tesouro nesse corredor? Se não bora pro próximo“. 4E é um pouco assim também. E se não era, fizeram a caveira do jogo de tal forma que convenceram o mundo todo de que era assim mesmo. A Quarta Edição não tinha pegada. Não havia vínculo, nem química. E ai só há uma saída. Recomeçar o processo.
Só que dessa vez a WoTC foi mais marota. Veja a frase que estampa a bandeira dessa nova fase:
‘Ajudem-nos a fazer as regras. Ajudem-nos a criar como esse jogo é jogado’.
Se isso não é pedir arrego, não sei mais o que é. Eles estão fazendo justamente o contrário do que foi mostrado na nossa futura ex-nova-edição. Nada de contador de tempo pra grande surpresa do ano. Nada de mistério ou pegar os consumidores com as calças nas mãos. Estão chegando juntos, ligando antes, discutindo a relação, apontando as idéias, colhendo opiniões. Mesmo que no fim das contas o resultado for exatamente o mesmo conteúdo da 4E, dessa vez a chance do negócio dar certo é muito maior. Não é apenas uma questão de ouvir o cliente. É uma questão de criar um vínculo com o consumidor. Em especial, com o Mestre que é enfim o líder de uma comunidade cujo umbigo costuma ser dos grandes e que se sentiu traído da última vez.
E a migração, vai ocorrer? Pode parecer até bizarro, mas já estão rolando anúncios de livros que irão migrar pra 5E e que serão compatíveis com ela… seja lá como ela for. Isso passa um climão maneiro de que há – como sempre houve – muita boa vontade por parte de todos os jogadores para com o Velho Guerreiro de Vinte Lados. Diz que eles ainda confiam cegamente no poder da marca e de que nem tudo está perdido. Se o jogo que ainda nem existe direito irá emplacar ou não, é meio cedo pra dizer. Eu particularmente acho que assim como o tempo dos grandes ídolos da música já passou, o tempo do RPG vinculado ao D&D tal qual foi nas décadas passadas também já era².
Mas não sou bom em dar palpites. Afinal, eu comprei um Livro do Jogador da 4E também, que ainda não abri, mas está aqui comigo pra me lembrar de que já tenho mais jogos do que tempo pra jogá-los. Mas quem sabe… pode ser que daqui a dois anos todos nós estaremos migrando empolgados para o D&D V – até mesmo a Luiza, que a esta altura já terá voltado lá do Canadá.
Aliás, vale a pena ler:
- Artigo do vizinho da Luiza, o Dan Ramos, explicando o que tá rolando nesse tal relançamento;
- Uma matéria muito boa sobre o Dungeons and Dragons do futuro, no Pensotopia;
- Pra alguém que me leia num futuro distante (como daqui a três dias) e não saiba quem é a Luiza.
¹. Qual é a gira atual pra reclamar de quem reclama de tudo?
². A não ser que eles voltem de vez pra edição 3.x Alpha… deu certo aqui, né?