Há alguns dias, a Devir enfim anunciou qual era o lançamento que estava por trás de seu Top Secret, e para a surpresa de alguns o anúncio não foi de um cenário de jogo (muitos apostavam em Call of Cthullhu, eu inclusive) mas sim de um dos sistemas mais conhecidos do país, o Generic Universal Role Playing System, popularmente chamado de GURPS. Como o próprio nome já diz, ele é um Sistema Universal para Jogos de Interpretação.
Aos que não conhecem, segue um breve resumo escrito por nosso amigo Alexandre RPGista:
Ele é um sistema de RPG genérico, criado pela Steve Jackson Games em 1986, famoso pela sua flexibilidade, abrangência, versatilidade, dinamismo e detalhismo, tendo sua primeira tradução para o português em 1991, pela Devir.
A terceira edição do GURPS foi o primeiro sistema estrangeiro de RPG a ser traduzido para o português. Essa é edição mais famosa do sistema de regras, além de ser a que possui mais livros publicados, com cerca de 240 livros publicados em inglês, e que tratam dos mais variados assuntos.
Os livros do GURPS são considerados excelentes fontes de pesquisa para o RPG em geral, pois são sempre apresentam informações de forma muito completa, sendo considerado um dos RPGs mais realistas e um dos mais vendidos. No entanto, o GURPS sempre teve sua qualidade gráfica de seus produtos bem abaixo daquela dos seus concorrentes.
Em Agosto de 2004, o GURPS teve sua quarta edição lançada nos EUA, com uma revisão leve do sistema de regras, e uma alteração drástica na sua qualidade gráfica (com os livros, agora, sendo lançados com papel diferenciado, e ilustrações coloridas).
No Brasil, foi o primeiro sistema de RPG a ser traduzido, e teve diversos títulos lançados pela Devir, inclusive uma série de livretos que ambientavam jogos em tempos históricos brasileiros como Quilombo dos Palmares e nas Bandeiras. No entanto, a quantidade de lançamentos no Brasil ficou muito abaixo da quantidade de títulos lançados em inglês.
Apesar da fama de complicado, o GURPS é até bastante simples se o mestre souber filtrar as regras que o jogo dispõe. É famosa a citação “A Vida Imita GURPS” sendo possível fazer coisas como a sua própria ficha de personagem através de suas regras, tamanha a quantidade de detalhes que são possíveis de serem utilizados em sua confecção. Além disso, ele é universal. Não importa o tema ou o tipo de maluquice que você queira narrar, GURPS tem regras para isto. Até pra cavar buraco.
Bem, agora que você já conhece o jogo tanto quanto eu, vamos para a análise sobre seu alnçamento que é o tema deste post. O Brasil (ou a fatiazinha de brasileiros que jogam RPG) precisa de GURPS? Ou melhor, o Brasil quer GURPS de volta?
Quando Precisávamos de GURPS
Em meados dos anos noventa, a situação do RPG no Brasil era mais ou menos a seguinte: ou você jogava GURPS, ou batia xerox de livro gringo. A Abril Jovem desitiu de publicar o Advanced Dungeons & Dragons, o véio AD&D, a Devir pegou a fatia do mercado mas a impressão inicial do livro estava esgotada. Nestes tempos, GURPS era quase uma unanimidade, com a gigantesca exceção da linha da White Wolf que dominou a virada do milênio. Até por que, o manual básico de GURPS também estava esgotado. Trocando em miúdos, não havia um sistema de regras além do Storyteller disponível em língua portuguesa. Mas sem problemas, todo mundo era vampiro ou lobisomem.
Nesta época também surgiu o 3D&T “genérico dublado na Globo” como encarte na Dragão Brasil, mas não vamos desviar muito do assunto. Foi então que surgiu a nova versão do D&D e o sistema d20, a Devir abraçou de vez a linha da Terceira Edição e todos nós fomos felizes por alguns anos. E GURPS? Bem, GURPS ficou pra trás. Ou pelo menos “mais ou menos” para trás. Rolou toda uma boataria envolvendo a Dragão Brasil, Marcelo Cassaro e um suposto suplemento nacional, o GURPS Espada da Galáxia que acabou não rolando. Dali em diante, o GURPS acabou esquecido.
Em 2004, a nova versão saiu na gringa e a Devir prometeu o lançamento do livro em PT-BR para o ano de 2006 no Encontro Internacional de RPG, mas o tempo passou e o livro não vinha. A espectativa por parte dos jogadores que queriam um sistema genérico ou que ainda apostavam suas fichas nestes lançamentos foi esfriando. O D20 com a versão Modern (que nunca foi traduzida para o idioma lusitano, nem nunca será) pegou metade da turma, o True20 outro terço e por fim a Jambô trouxe para o país a linha Mutantes e Malfeitores, abraçando de vez essa linha de produtos aparentemente havia fechado o ciclo de três ou quatro anos de silêncio.
Até dois dias atrás.
GURPS no Brasil… só agora?
Sim, só agora. Depois que outros sistemas mais modernos e ágeis engoliram os novos jogadores e que o país estava relativamente “bem representado” com sistemas de jogo, o GURPS gritou lá do fundo do buraco querendo sair e ver a luz. E apesar de universal, genérico e tudo o mais, é um sistema com mais de seis anos de estrada. Nos EUA, que é a casa do RPG no mundo, seis anos é quase sinal verde para uma nova versão do sistema, tamanhas as mudanças na forma de jogar das pessoas. Por mais redondo que o sistema esteja, nada como uma modernizada para que ele continue no gostoda galera. E por falar em galera…
A turma que jogava GURPS na década de noventa já está beirando ou passando dos trinta e se encaixam na fatia do mercado formada por tiozinhos pais de família. Os que começaram a jogar um pouco depois do GURPS tem a idéia de que o sistema é tão complicado que precisa ser no mínimo um matemático pra rolar dados d6 com ele. E os iniciantes, quando você fala “GURPS” simplesmente mencionam: “Aquele com regras pra cavar buraco?” . Então, pergunto, quem é que vai comprar GURPS hoje em dia?
Na minha opinião, num primeiro momento, os tiozinhos como eu. E o galho é que eles são poucos e em número cada vez menor. É quase certo que as pessoas que ainda joguem GURPS irão adquirir os novos livros, assim como aqueles que compram todos os lançamentos que saem em português apenas para alimentar seu lado consumista, mas estes também são raros hoje em dia. Entre uma linha de produtos que você joga e utiliza e uma outra que irá comprar apenas para ter na prateleira, qual você escolheria?
E o fato de GURPS, além de sistema de jogo, ser uma verdadeira enciclopédia de idéias bacanas para se jogar RPG (inclusive, a coleção inteira fica muito legal na estante) já não serve como argumento de compra. É o equivalente acomprar uma Enciclopédia Barsa atualmente, com as suas devidas proporções. E, da mesma forma que a Barsa, o sistema da Steven Jackson terá a mesma tendência de mofar nas prateleiras; a não ser…
Pedala, Devir!
Se a Devir fizer sua lição de casa muito bem, o GURPS poderá ganhar uma sobrevida se cair no gosto da garotada mais jovem e que não fique intimidada com a idéia errônea de que GURPS é um sistema difícil. O ARG já foi uma boa sacada inicial, que transformou um sentimento de revolta pelo atraso de mais de quatro anos em uma espectativa quase infantil de ter o resultado final em nossas mãos. Mas a coisa precisa continuar seguindo neste mesmo ritmo.
Mesmo com algumas pessoas fazendo críticas pesadas ao sistema na internet, vale sempre lembrar que milhares de pessoas em todo o Brasil que jogam ou jogaram RPG e que não acompanham mais o mercado há alguns anos. Estas pessoas, ao depararem-se com seu sistema de jogo de outros tempos podem ser levadas a voltar para o game, como também podem apenas dar risada, lembrar de algumas tardes remotas e tocar sua vida.
De qualquer maneira, a volta desse gigante adormecido é bacana. Ganham os fãs, ganha o mercado que recebe mais opções na hora de escolher e ganha o novo jogador que talvez nunca tenha tido a chance de pelo menos ler e descobrir qual é a desse sistema que foi o grande “inimigo jurado” de D&D aqui no país.
Só não sei se a Devir vai conseguir ganhar alguma coisa com isso.
Espero mesmo que sim.