Infinito
“Você está cometendo um erro garoto” – queixou-se Castigo caindo do alto do prédio de onde observava o comboio militar até pouco antes de ser atingido com força e despencado lá de cima. Arremessado talvez fosse um termo melhor. O disparo de energia do seu oponente só não arrancou sua cabeça porque ele caiu antes disso.
Naquele fim de tarde Navalha seria escoltado por dúzias de policiais desde a sede do Ultimato em São Paulo para a Unidade Prisional de Ilha de Alcatrazes, no norte do Estado. A única prisão para super-vilões do país, foi mantida como segredo de estado por décadas, oculta por uma série de boatos sobre testes realizados pela Marinha. Entretanto, a notícia vazou recentemente e o lugar passou a ser alvo da imprensa sensacionalista.
E aquilo tudo era chamativo demais. A televisão, rádios e sites de notícias noticiavam a transferência do criminoso desde que ele havia sido capturado pelo vigilante Raio Verde e por ele semanas atrás. Havia um consenso de que o super-vilão tentaria escapar de alguma maneira, e o próprio Castigo acreditava nisso. Por isso era natural que seguisse a comitiva – próximo o suficiente para agir, e ao mesmo tempo distante para não dar as caras num noticiário qualquer. O Ultimato havia sido convocado para realizar a escolta, e isso o tranqüilizou ao ponto de quase ir embora. Foi então que o garoto surgiu e o atingiu como um trator.
O problema de não se ter uma televisão era o de que você não tinha exatamente certeza de como os novos heróis se pareciam. Castigo definitivamente não o conhecia, mas era certo de que um menino como aquele, vestido de azul, capa branca e com as cuecas por cima das calças não tardaria em se apresentar. Ele nitidamente gostava daquilo tudo. Gosta de ter poder. Achava divertido ser forte e poder ajudar os outros. Um adolescente capaz de tudo. E esse conjunto representava perigo.
– Uma pena para você – começou a falar, os cabelos castanhos dançando com a brisa – Infinito está aqui e… Ei! Você não pode fugir!
Não poderia, é verdade – pensou Castigo – Mas iria mesmo assim. Com tantos heróis na área o Navalha não teria como fugir. Bastaria um giro sobre o próprio corpo, calcular bem o salto e ricochetear de volta para os prédios, desaparecendo na primeira viela. Entretanto, seus pensamentos foram interrompidos pelo som de tiros provindos do carro forte onde o vilão era conduzido. Por um instante, Castigo ainda acreditou que enfim Navalha iria surgir em meio aos escombros e iniciar sua fuga. Só então se deu conta do que realmente estava acontecendo.
O alvo era ele o tempo todo.
O primeiro disparo atingiu-lhe no ombro esquerdo, em queda livre e girando. Castigo sabia quem era a autora do disparo apenas pela precisão. Capitã Liliane, atiradora de campo do Ultimato. Também não precisava pensar muito para saber o motivo de ainda estar vivo. Ela não podia matá-lo antes de prendê-lo novamente. E isso lhe dava alguma vantagem. E tempo para cuidar do menino de cueca. Este não estava disposto a ser tirado da brincadeira, e o seguia bem de perto voando. Ele podia voar e era forte. O que mais ele poderia fazer?
– Escuta garoto – justificou-se – Eu não sou um terrorista ou algo assim. Eu sou um dos mocinhos. Você está enganado…
– O engano é todo seu, cara. Você é um alvo procurado e condenado pelo Ultimato. Não pense que eu estou aqui de passeio. Eu sei quem você é, e sei que te querem preso – berrou Infinito atingindo-o com uma sequência de golpes que o jogaram definitivamente no meio da avenida, onde foi atropelado por um Fiesta e novamente arremessado por mais alguns metros antes de enfim parar inconciente.
Liliane desceu do caminhão e aproximou-se andando rápido, gritando ordens pelo celular. Era uma mulher linda, mas conhecia outras maneiras de parar o trânsito além das curvas de seu corpo ou do brilho dos longos cabelos negros. Disparou seguidamente para o alto com uma metralhadora, e em pouco tempo todos os veículos que por ali trafegavam estavam imóveis. E assim também permanecia Castigo. A equipe tática de apoio cercava o local por todos os lados, e por fim Infinito aterrissou próximo de onde o corpo enegrecido jazia.
– Melhor ficar deitado, cara – falou o herói quando notou que o oponente ainda se movia – Você não tem mais chance nenhuma.
– Quantos anos você tem? – perguntou Castigo levantando-se. O sangue escorria farto pela perfuração de balas no ombro. Havia fraturado algumas costelas no atropelamento, e provavelmente arrebentando um pulmão com a queda. Mesmo assim falava, ainda que chiando – Doze, Treze?
– Eu já completei quatorze! – ofendeu-se o garoto empertigando-se – Quatorze e meio!
– Quatorze é? Você bate bem pra um moleque franzino. Mas ainda não passa disso. Talvez um dia ainda venha a ser um dos grandes, mas agora, hoje, não passa de um pivete.
– Um pivete que te deixou todo moído – sorriu Inifito cruzando os braços. Castigo arrastou-se como podia até ficar frente a frente com o menino que o observava vitorioso – Ou vai me dizer que essa fala arrastada é sotaque.
– Um dia, quem sabe, você me perdoe por isso, Infinito – disse Castigo – Mas só há um jeito de aprendermos nessa vida. É errando. E eu não vou cometer o mesmo erro duas vezes!
Infinito sabia qual era o intento de Castigo mesmo antes do inimigo ficar de pé. Sabia que o falatório era apenas a forma que ele havia encontrado para aproximar-se. Diabos, ele sabia até mesmo que receberia um soco! Mas ele não estava preparado para aquele tipo de impacto. Ninguém ali estava.
Os dados do Ultimato e o vídeo da captura do Orco os levaram a crer que ele não possuia uma força elevada. Infinito fora elencado para aquela batalha justamente por poder evitar maiores danos graças a sua Aura de Proteção, e para persegui-lo pelo alto caso ocorresse uma fuga. Mas o soco que lhe atingiu na altura do queixo reverberou pelo solo, a onda de choque propagando-se por vários metros e derrubando inclusive a Capitã Liliane, os políciais e duas viaturas. Infinito foi arremessado para além dos prédios baixos do subúrbio, caíndo em um campo de futebol num outro bairro.
Neste meio tempo, Castigo sumiu.