Falar de super-heróis pra mim sempre vai ter um certo sabor de nostalgia. Cresci lendo muita coisa da Marvel e uma ou outra da DC, que inclusive são responsáveis por boa parte da minha formação literária enquanto jovem, já que me recusava a ler todos aqueles clássicos obrigatórios da escola (alguns dos quais acabei por ler mais tarde e até gostei, mas manter a minha rebeldia adolescente era certamente mais importante na época). Hoje, no entanto, acho a maioria das histórias do gênero um tanto enfadonhas demais – ou se vai no caminho de uma diversão acéfala, daquela que você lê enquanto come um xis-salada num bar e depois esquece a revista no balcão, ou vão no caminho oposto, buscando se justificar por meio de referências eruditas, desconstruções temáticas, virtuosismos narrativos e sagas intermináveis que, no fim, acabam sendo mais chatas do que interessantes. Tanto é assim que nem me interesso em realmente acompanhar e comprar qualquer série de super-herói seriada – só compro coisas pontuais, que eu possa acompanhar sem muito compromisso ou, pelo menos, sem um compromisso de prazo muito longo.
Enfim, é realmente difícil achar um bom meio termo, algo que não seja nem tanto Era de Prata, nem tanto Alan Moore; que saiba reconhecer que super-heróis simplesmente não devem ser levados a sério demais – como o ridículo de imaginar um homem adulto com cueca por cima da calça e capa vermelha pode comprovar -, e também que diversão genuína e descompromissada não significa necessariamente diversão acéfala e inofensiva. Difícil, mas não impossível; basta saber quais autores procurar. Grant Morrison é um deles, como quem leu a ótima Grandes Astros Superman certamente pôde comprovar. Pessoalmente, no entanto, acredito que o melhor roteirista para histórias de super-heróis seja Kurt Busiek, alguém que consegue entender bem a natureza do material com que lida, e não tenta impor sua própria concepção sobre ele. E histórias como as de Astro City demonstram bem isso.
A série foi criada pelo autor em conjunto com o desenhista Brent Anderson, e apresenta uma cidade onde super-heróis existem pelo menos desde o século XIX, e de fato tem uma presença tão marcante na cidade que suas batalhas e feitos chegam a fazer parte das atrações anunciadas em guias turísticos. A primeira parte da revista ilustra bem isso – com uma história curta sobre justamente uma turista que acaba envolvida em uma dessas “atrações”, seguido do que seriam algumas páginas do Guia dos Visitantes de Astro City, com textos sobre a história da região, mapa da cidade e algumas fichas de heróis locais (muitos deles levemente ‘inspirados’ por personagens famosos de outros universos); poderia ser usado como base para um cenário de RPG em uma campanha de supers sem grandes problemas. Parece-me que o guia está incompleto, no entanto: a parte sobre a história local termina com um “continua na p. 46?, mas não há qualquer continuação posterior.
O volume é completo ainda com uma história da Primeira Família, um genérico do Quarto Fantástico neste universo, que originalmente foi lançada em uma edição separada antes de ser reunida às outras duas neste encadernado. A história conta um pouco sobre Astra, a caçula da família, e a vida que ela leva em meio a invasões alienígenas e outras ameaças cósmicas – antes de ser divertida, no entanto, é uma vida melancólica, que a mantém longe de crianças da sua idade, ao ponto de um simples jogo de amarelinha intrigá-la profundamente. Os mesmos méritos da história anterior também aparecem aqui: uma história cativante, que apresenta bem os problemas de uma infância isolada e super-protegida, mas sem por isso deixar de ser divertida, com direito mesmo a algo de sátira nas referências aos universos de super-heróis clássicos.
Enfim, recomendado pra quem é fã do gênero.
Por Bruno BURP