Herr’ec Hecatom nunca havia se sentido tão tolo. Era o líder militar daqueles destinados a conquistar o mundo, e mesmo assim havia falhado até ali em destruir uma ameaça ao seu povo. Os darash de toda a nação agora agonizavam e morriam nos escombros e nas chamas das cidades, tudo por culpa de seu inimigo.
O inimigo era um deus. Um deus-monstro. Havia emergido das montanhas ao leste, evitando as principais defesas da nação darash que estavam em Argondar. Todo o poderio das outras cidades não havia sido suficiente para derrotar o deus. Mas nem toda a magia e poder divino da fera poderia protegê-lo dos canhões de Argondar. Herr’ec gritou ordens na ponte de comando, instruindo a cadência exata dos tiros aos seus subordinados. Nada poderia sobreviver ao impacto direto do disparo de mil canhões, e o deus era grande o suficiente para ser acertado por mais do que isto.
O Marechal Hecatom terminou suas ordens e passou sua autoridade para seu segundo em comando, era seu dever comandar pessoalmente a frota aérea contra a ameaça que havia destroçado sua nação, mais do que isto, era sua vontade. Seu plano de batalha era perfeito, e quando o deus estivesse no chão, ele reclamaria o feito de ser o primeiro darash a superar os odiados deuses.
Em sua cabine, vestiu o traje de combate, um macacão negro com o brasão de sua família e o da nação. Era jovem para um marechal, velho para um darash, tinha trinta e sete anos, um corpo cheio de cicatrizes das guerras civis e olhos selvagens, injetados de sangue. Ajeitou o cabelo ruivo e colocou o capacete. Estava pronto para cavalgar seu autômato contra o inimigo.
As frotas de autômatos voadores dos darash eram vastas e enchiam os céus. O orgulho da nação. Apenas os mais prodigiosos jovens tinham o direto de pilotar uma destas maravilhas. O autômato do Marechal Hecaton era de uma majestosidade que apavorava qualquer inimigo nos céus. Armado com o que havia de melhor no arsenal darash, era uma verdadeira fortaleza voadora, com foguetes, metralhadoras e bombas prontas para trazer morte e destruição aos inimigos do marechal.
Ao sinal do seu comandante, toda a frota partiu, preparada para encontrar seus inimigo. Não demorou muito, lá estava ele, maior que uma montanha. Mais feroz que mil demônios. Quando rugiu, três dúzias de autômatos partiram e explodiram no céu. Herr’ec praguejou contra as almas daqueles bastardos que desperdiçavam seus preciosos recursos, e manteve-se firme no controle do autômato.
? Atirem! – o marechal ordenou pelo comunicador para a ponte de comando. Os canhões de Argondar, que haviam sido virados para o outro lado as pressas para enfrentar o inimigo traiçoeiro, dispararam em cadência programada. O som fez frente ao rugido que derrubara autômatos, mas seu efeito foi pequeno, o deus rugiu em desaprovação enquanto avançava. Os machucados provocados pelos canhões começaram a se fechar assim que foram abertos, e quando entrou na linha de fogo dos autômatos aéreos já não se via resquício dos mais de mil disparos de canhões de instantes atrás.
Sem se abalar o marechal liderou a formação contra seu inimigo, e foi o primeiro a disparar os foguetes. Sua habilidade como piloto era fenomenal, e por isto foi o único da formação a se livrar do ataque das garras quando o deus-monstro mais uma vez se enfureceu pelos ferimentos sofridos. Juntou-se a segunda formação em tempo de soltar as bombas contra o corpanzil da fera que agora balançava a cabeça e as asas para afastar os gases das armas químicas liberadas para detê-la. As bombas atingiram o alvo e a explosão foi potencializada pelos gases tóxicos. Metade de Argondar tremeu e centenas de prédios foram esmagados quando o deus caiu ao chão, ferido.
O Marechal Hecatom liderou os gritos de triunfo das tropas com a visão da fera caída. Mas em um piscar de olhos ela não estava mais ali, e as bombas da terceira e quarta formação encontraram apenas escombros no chão abaixo. O deus reapareceu acima desses autômatos e os destruiu junto com seus pilotos. Os canhões dispararam novamente contra a fera, que abriu sua bocarra e lançou um fogo branco que vaporizou instantaneamente o que os darash haviam levado séculos para construir. Apenas momentos haviam se passado, mas a força militar mais poderosa já reunida por aquele povo havia sido destruída. Não havia mais nada entre eles e o Apocalipse.
? Mágica! Amaldiçoada bruxaria! Me enfrente, deus trapaceiro! ME ENFRENTE! – gritou o marechal, seu autômato solitário no céu. O deus virou-se e olhou para ele. Herr’ec sentiu-se pequeno por um momento, insignificante perante aquela majestade, quase chegou a adorar o deus. Mas sua vontade foi mais forte que a presença divina. – VENHA ME ENFRENTAR, DEUS-MONSTRO! TENTE DESTRUIR A DETERMINAÇÃO DARASH SE ACHA QUE CONSEGUE!
O Marechal jogou seu autômato contra o deus, gritando insultos e disparando freneticamente a metralhadora – DARASH! DARASH! – foram suas últimas palavras. O deus abriu sua bocarra e jorrou o inferno. A carne de Herr’ec Hecatom vaporizou e seus ossos tornaram-se cinzas. O que sobrou do seu autômato voador caiu no chão como uma pilha de metal retorcido e incandescente. O deus continuou sua maré de destruição. E então foi embora.
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Os restos do autômato do marechal queimaram por anos depois disto, e então séculos, formando uma coluna de escória em chamas que parecia arder como o ódio dos darash pelos deuses. Até que um dia a escória quente começou a tomar forma enquanto as chamas diminuíam para engolfar apenas a novidade. Quando o esqueleto em chamas se ergueu, por toda a ruína de Argondar pode-se ouvir o grito de renascimento do Marechal Herr’ec Hecatom.
? DARASH! MEU INIMIGO, PARA SEMPRE DARASH!