Ícone do site RPGista

Visões de Arton 002 – Valkaria

Não olhem agora, mas tem uma mulher nua de seiscentos metros ali na praça.
Opa, pera ai… eu disse para não olhar!
Saudações jovens. Após o sucesso de bilheterias que foi o meu primeiro artigo no dot20 (cof, cof) resolvi engrenar logo um segundo antes que desanime das Visões de Arton. E nada melhor do que falar da pérola-mor do mundo de Tormenta. Exato, ela mesma. A cidade que cresce no entorno de um dos símbolos sexuais mais conhecidos, admirados e invejados de Arton. A maior do mundo, sede do palácio do Imperador mais poderoso do Reinado e da famosa Taverna da Clarabóia de Vidro, localizada estrategicamente sob as pernas da Deusa e que possui o quarto de estalagem com a mais extensa lista de espera por vagas que se tem notícia.
Falarei,  claro, da Cidade de Valkaria.
Convenhamos, todos que jogam ou já jogaram em Tormenta passaram pelo menos de leve por ela, ou então planejaram ir até lá um dia. Sendo o centro do mundo conhecido, é praticamente inevitável não citá-la em qualquer tipo de obra relacionada a Arton. De Holy Avenger até a Trilogia Tormenta, a metrópole sempre esteve presente por sua própria grandiosidade, sendo palco de vários dos momentos que mudaram a tragetória do cenário. Mas até que ponto nós conhecemos ou compreendemos Valkaria?
Vamos falar sobre isso. Título pomposo, Chirin:
Um lugar para conhecer!

Quando você caminhar por alguma cidade grande de verdade (Timbó não conta), pense um pouco no período extremamente longo de tempo decorrido entre a chegada dos primeiros habitantes naquela região até o ponto em que atualmente se encontra, gigantesca, gorda, entumecida de carros e poluída. Pessoas vivendo na miséria, algumas em condições sub-humanas, enquanto há outras que desperdiçam dinheiro em luxos desnecessários. Mentalize os problemas sociais que ela possui e os guarde para daqui a pouco.
Volte ao seu passeio. Se você não tiver viajado à trabalho, talvez visite alguns lugares interessantes. Uma cidade de porte possivelmente tem seus pontos turísticos condizentes com seu tamanho, com obras realmente pomposas, prédios fantásticos e monumentos históricos centenários. Mentalize sua quantidade. Também guarde este pensamento em algum lugar em sua mente, mas que fique à mão. Daqui a pouquinho precisaremos dele também.
Por fim, olhe a cidade com outros olhos. Pense de forma prática nas pessoas que vivem nela, como elas se viram para locomover-se, para conseguir comida, abrigo e proteção. Pense no comércio local, de onde as mercadorias que são vendidas vêm, quem as produz, quem as transporta. E compare todo o tipo de pessoas que você vê pelas ruas, nos ônibus ou no metrô.
Possivelmente, você já está de saco cheio desse exercício mental. Bom! Já está começando a entender como quem vive numa cidade desse tamanho se comporta. Agora só resta incrementar um último ponto: some tudo isso que eu citei, mas exclua completamente toda e qualquer tecnologia atual, somando-se a tal caos organizado seres de várias raças distintas, com culturas próprias, convivendo.
Já está doido o suficiente? Então lá vai a cereja do bolo: a supracitada estátua de uma mulher nua com seiscentos metros na praça central. Conseguiu imaginar tudo isso?
Então, bem vindo a Valkaria.
Guardas! Tem um Goblin Morto na Calçada!
(Ou, Tratado sobre a Higiene e a Falta Dela na Capital do Mundo)

Apesar de algumas soluções mágicas e estruturais possivelmente estarem presentes aqui e ali (como iluminação arcana em vias importantes, latrinas em casas de família que possuam posses consideráveis, água encanada, talvez o maior dos luxos) no geral a população de uma cidade medieval ou renascentista (como é o caso de Arton) não dispõe de recursos para estas regalias.
As soluções então costumam ser muito mais trash’s se considerarmos a nossa tecnologia atual. Falamos aqui de uma cidade com um milhão de habitantes que não possui nenhum sistema de saneamento básico, tampouco de esgoto minimamente funcional. Mesmo se considerarmos os subterrâneos da cidade para isso, os dejetos precisam ir para algum lugar. E não falo apenas de restos de comida e objetos quebrados. Exatamente. Não me obrigue a explicar muito além disso.
Não contente com o problema A, acrescento ainda o problema B (de Bosta mesmo). O principal meio de locomoção e transporte do mundo também colabora para a decoração das calçadas, o cavalo. Uma cidade com o porte de Valkaria deve possuir uma quantidade significativa de veículos de tração animal – desde carroças até charretes, além dos já conhecidos cavalos da milícia e da população de classe nobre e mercante (no meu ponto de vista, as poucas capazes de arcar com as despesas de uma estrebaria nos arredores). Assim como todo ser vivo biologicamente saudável, cavalos também… fazem o serviço.
Ok, temos toneladas de bosta fresquinha todos os dias, acumulando-se nas ruas. Isso não é exclusividade artoniana. Mesmo em nosso mundo, várias cidades passaram por problemas semelhantes. Londres em 1800 e Guaraná de Rolha obrigou-se a desenvolver um sistema de metrô por não ter mais condições de lidar com o excremento dos animais de carga. Em Lisboa no século XVII, era comum aliviar-se num balde e largá-lo pela janela (Também era comum levar um bom banho de urina lá pelas seis da matina, enquanto se trafegava pela estrada). No Rio de Janeiro até o início do século passado, a limpeza das ruas era deixada à cargo apenas dos urubus e da chuva.
Lindo, não? E todos estes lugares (a não ser Londres que empata) tinham populações muito menores do que as de Valkaria. Então como é que o Rei Thormy se vira quando Rhavana acorda no meio da noite sentindo aquela comixão na bexiga? A solução mais prática, aos meus olhos, tem um metro e vinte de altura, pele verde, presas amareladas e olhos pidonhos com um balde à tiracolo.
Isso mesmo. Eles chamam um Goblin.
O trabalho não é dos melhores, mas admita que é prático. Um monstrinho verde recolhe tudo o que você com tanto carinho depositou em um balde, vasilhame, penico ou correlato e carrega feliz da vida até um ponto de depósito, possivelmente dentro da própria Favela Goblinóide. Ou então usam penicos mágicos. Er.. não.
Em tempo: os goblins são os lixeiros e garis oficiais de Valkaria. Consta em textos oficiosos que eles fazem toda essa trabalheira de limpar os restos da metrópole e até ficam felizes por isso. Várias famílias adotam goblins dentro de seus lares como empregados domésticos, pagos por uma ninharia ou por tranqueiras sem valor. Uma comparação interessante é com a dos elfos domésticos de Harry Potter. Para um goblin de Valkaria, a vida é tão miserável que qualquer tipo de aceitação que recebam os faz sentirem especiais e felizes.
Um segundo ponto divertido nesta questão. Banhar-se. Sabe aquele sabado de manhã invernal em que bate uma preguiça danada de tomar um banho? O processo de despir-se e entrar debaixo de um chuveiro quente pode ser complicado quando o termômetro bate na casa dos cinco graus. Mas e se ao invés de apenas girar uma torneira, você, amigão, tivesse que fazer algumas viagens até um poço, voltar com baldes e mais baldes de água, encher uma tina, aquecer alguns litros num fogão à lenha e só então mergulhar fundo nessa idéia?
O Banho dava tanto trabalho em tempos remotos que não é de todo estranho que fossem raros (aquilo de tomar banho apenas no sábado faz até um certo sentido mórbido). Além disso, a água não era trocada o tempo todo. Numa família de dez pessoas, banhavam-se geralmente primeiro o patriarca e a esposa, depois os filhos. O último infeliz pegava a água num estado tão lamentável que provavelmente era melhor virar-se apenas com um paninho úmido.
Pra melhorar ainda mais a situação de Valkaria – a cidade ao que nos consta não é banhada por um rio digno de nota. Por ter sido escolhida por motivos religiosos e não práticos, ela cresceu em um lugar ermo, precisando conseguir água por outros meios. Já se comentou a possibilidade de encanamento mágico, trazendo água de algum outro lugar. Na minha forma de compreender, seria muito mais prático um aqueduto trazendo água de um ribeiro local, talvez até com uma forcinha mágica, ou poços. Mesmo com um ítem como este, as filas para buscar água devem ser assustadoras. Você ainda está ai? Então vamos conversar sobre isso.
Por que estão todos parados uns atrás dos outros?
Como comentei lá no começo da matéria (se você ainda não dormiu, talvez ainda se recorde), há vários povos em Valkaria, e por tabela, várias culturas. Infelizmente, existe uma tendência a transformar todas as raças em meros humanos com orelhas de tamanhos variados, ou pelos em lugares pouco usuais. E esquecemos de um dos principais pontos que tornam uma raça diferente… diferente.
A Cultura.
Falamos ali em cima de filas. Vocês, leitores antenados nas últimas novidades globais, sabem que não existe nenhuma lei, em lugar algum, que obrigue as pessoas a ficarem em uma fila. O ato de ficar todos parelhos uns atrás dos outros aguardando sua vez é uma manifestação humana. Quase um instinto. Filas organizam-se por osmose. Onde houver uma bilheteria e algumas pessoas reunidas em sua volta, à fila estará com eles.
Mas um anão, por exemplo, fará o mesmo? Ele compreenderá essa organização implícita de esperar sua vez ou simplesmente irá passar por todo mundo e colocar-se feito um troll lá no começo, empurrando qualquer um que queira chegar antes dele? A cultura de um anão deve ser totalmente oposta a de um humano. Imagine então o contraste entre um anão e um elfo, ou uma outra raça qualquer.
Por exemplo, em alguns cenários, elfos não precisam dormir. Mesmo em Arton (salvo engano) os danados não necessitam de tantas horas de sono como um humano. Por isso, ficam ativos e despertos por mais tempo. E devem gerar uma baita confusão com os vizinhos quando retomam seus afazeres às três da madrugada. E as possibilidades são tão variadas quanto a quantidade de raças jogáveis ou não que habitam este mundo.
Qual seria a reação de um anão (ou halfling) endinheirado ao chegar em uma taverna e não encontrar um banco suficientemente baixo para ele? Ou de um elfo cujos pés sobram para fora da cama numa estalagem administrada por um sprite? E de um humano ao saber que a única comida que servem em determinada região é carne… humana? ^^
Evitar que todas as cidades sejam religiosamente iguais, com os mesmos hábitos, é um dos pontos altos de uma campanha. Faça seus jogadores sentirem a estranheza de se conviver com visões de vida diferentes. E aproveite ainda mais lugares como Valkaria, onde todas estas situações e muitas outras devem ocorrer todos os dias, o tempo todo, espalhados pelos bairros da cidade.
Vou-me embora para Valkaria, lá sou amigo do Rei.
Depois de tanto blá-blá-blá sobre essa ambientação indigesta (aos que comem diante do computador, meus profundos sentimentos), vamos ao que interessa. Alguma coisa que renda XP. Pra começo de conversa, evite o erro clássico de uma mesa iniciante: nunca, jamais, em hipótese alguma, leve seus personagens de primeiro nível para conhecer o Imperador Thormy e realizar alguma missão para ele.
Isso não se faz! Ele com seu bigodão loiro é um personagem icônico do mundo de Arton, um dos homens mais poderosos, conhecidos e endinheirados de todo o mundo. Não é o tipo de gente que recebe pessoas com itens fuleiros procurando emprego de matador-de-orcs. Faça o acessor ocupado dele bater na porta da cara de seus jogadores até o nariz deles incharem. Coloque-os uma noite na prisão se insistirem demais. Não os deixe ver facilmente o homem que manda no mundo. Pois quando enfim acontecer o danado do encontro, terá valido a pena. Não se deve gastar personagens como este levianamente.
Porém, ele e todos os outros NPCs de Valkaria (e há muitos deles mesmo) são fontes constantes de aventuras, ganchos sobre ganchos espalhados por toda a imensidão da metrópole. Vamos sugerir alguns apenas num exercício rápido de “hei, bora explorar uma dungeon“:

Legião Urbana
Você pode seguir nesta linha e rolar sua campanha toda numa cidade como esta, sem jamais afastar-se muito de Valkaria, nem mesmo de Deheon. Heróis Urbanos são bacanas justamente por escaparem um pouco do estereótipo medievalesco ao qual estamos acostumados (e até mesmo saturados) sem a necessidade de reaprender tudo sobre um novo cenário. E também permite algumas coisas bacanas, como voltar para casa após uma aventura. Que tal ter um lugar para guardar seus troféus de caça? Ou aqueles tesouros bacanas? E as idéias de aventuras são muitas… Só pincelando algumas situações possíveis:

Eu poderia continuar falando de cada um desses aspectos pincelados aqui, mas creio que o artigo já ficou muito mais extenso do que o recomendado para uma leitura na internet. Se algum dos pontos discriminados chamou mais a sua atenção, Leitor (ou se você pulou a parte chata e gostou de alguma coisa aleatória, ou se prefere que eu desapareça para sempre) não se acanhe e me avise. O próximo Visões de Arton pode ser exatamente sobre isto (a não ser que a escolha seja exatamente que eu suma).
Até a próxima.
Armageddon
P.S: Sim, no fim não falei muito da estátua em si. Fica pra próxima.

Sair da versão mobile