Sangue de Ouro
Personagens de Gandara – Deni Goldhamer
Não era o cheiro de merda que a água da chuva tinha que estava me deixando fulo. Nem mesmo o fato de meus pés estarem molhados e sujos, atolados em vinte centímetros de lodo e bosta de cavalo. O que me tirava do sério de verdade era a espera. Odeio esperar, ainda mais quando o meu possível atraso devido à perda de tempo custasse minha cabeça.
A pior coisa de se estar em cima do muro é que nenhum dos lados quer que você caia, mas da mesma forma não estarão nem ai se você despencar lá de cima. Pelo contrário, a partir do momento em que você escolhe um lado, mesmo que acidentalmente, você passa de amigo para alvo em questão de minutos. E anote minhas palavras. Na verdade mesmo, no fim das contas cada um só pensa em salvar a própria pele.
Do mais vil dos criminosos ao mais honesto dos guardas, se é que este tipo ainda existe, a própria pele vem acima de todas as coisas. Na hora do aperto a gente fala até o que não sabe. E foi assim comigo também. Me colocaram contra a parede e eu falei. Delatei até o último filho de uma boa puta pra não ser morto, mesmo sabendo que a minha carcaça estaria cheia de chumbo antes de vomitar tudo o que sabia.
Por sorte, eu sabia demais. Conheço gente podre aos montes, e a maioria me deve favores. Inclusive dentro da milícia. Ganhei tempo, joguei com as cartas deles e os convenci de que seria melhor me manter vivo. O resultado final disso é que eu continuo na ativa, enquanto a maioria dos que tentaram me passar pra trás já estão comendo grama pela raiz. Inclusive posso mover as minhas peças discretamente, e lucrar algum com isso.
Hoje meu hotel é zona neutra. Os membros da milícia não se envolvem no que acontece por lá desde que uma ou outra informação falsa caia nos ouvidos certos. E muitas vezes, os ouvidos certos são os da própria polícia. É complicado entender tudo o que se passa nas entrelinhas quando se está de fora. Mas quando se está dentro do castelo de cartas, a gente acaba sabendo muito bem o que fazer. O negócio é segurar as cartas de cima pra nada cair na sua cabeça. E quando a chance aparece, pisar em quem está por baixo.
Desta vez o jogo é grande, e é por isso que vim pessoalmente. Mas depois de fumar três cigarros e chutar lodo por meia hora andando de um lado pra outro, a gente começa a se preocupar de verdade. Estava pronto para ir embora quando a carruagem preta que eu estava esperando passou a toda velocidade através da rua jogando lama no vestido das carolas que passavam. Incrível como mulheres tão recatadas lembram de palavras tão baixas quando alguém manda lama no vestido delas.
O cocheiro parou a vinte centímetros do meu rosto, e a minha barba que já estava encharcada pela chuva agora também estava coberta de barro. Fingi não me importar, especialmente porque sabia que dois canos estavam apontados pros meus olhos lá de dentro da charrete. A portinhola se abriu e eu entreguei o pacote. Quase tive ganas de sair correndo quando vi que o próprio líder do bando estava nela. Ele não mostrou o rosto, nem se moveu, mas eu sei que era o próprio. Dava pra saber só pelo cheiro do canalha.
Quem abriu e examinou a encomenda foi um dos capangas mercenários. Ele assentiu com a cabeça e o segundo sujeito lá dentro jogou a maleta com o meu pagamento sem desviar a mira do revolver. Instantes depois o cocheiro disparou com a charrete e sumiu na segunda curva do caminho pra fora da cidade. Tirei um pouco de lama dos meus olhos, recolhi a maleta do chão e estava preste a agradecer aos deuses que já se foram por tudo ter dado tão certo quando ouvi o primeiro tique-taque.
Lancei o pacote pro alto e enfiei a cara no lodo o mais que pude instantes antes de tudo explodir. O calor foi tão grande que a lama atrás das minhas costas secou e meu sobretudo de couro de búfalo ficou cheio de buracos. Quando abri meus olhos pude ver os dukes em chamas chovendo por toda a cidade. Malditos gnomos e suas bombas de pólvora. Esta pelo menos não tinha estilhaços. Só queriam torrar minha fuça.
Meto a mão no bolso à procura dos meus cigarros e lembro que estou embaixo da chuva e enfiando na sujeira até a alma. Junto com o fumo encharcado e meus fósforos agora imprestáveis encontro um duke de cobre, riscado de lado a lado por um punhal. Não sei se por causa do atraso, da lama em meu rosto ou se foi apenas uma peça do meu subconsciente sacana, mas esqueci completamente dele. Era o sinal de que tudo havia dado certo com o plano.
Um rei de cobre para um pobre sem nada.
O duke errado nas mãos do mercenário que paguei para interceptar a caravana vai condenar todos à morte e o pacote vai voltar pras minhas mãos dentro de alguns dias. Um novo líder pro bando irá surgir e os sujeitos vão voltar amáveis, com milhões de desculpas pelo ocorrido. Aquilo não era pra você Deni. Foi um lamentável engano, Deni. Apenas negócios, Deni. Inspiro profundamente enquanto assisto a correria dos bêbados e dos moleques atrás das notas sujas e chamuscadas pela rua e não consigo deixar de gargalhar com a situação.
Pedir o dobro do preço na próxima me parece uma boa idéia.
Deni Goldhammer
Anão proprietário do Gold Hotel
Origem: Império Anão
Peculiaridades: Sagaz, manipulador, desconfiado.
Religião: Crê no retorno de Dariel, mas evita falar de fé ou esperanças.
CON 10(12) FR10 DEX 13(15) AGI10 (08) INT17 WILL10 CAR15 (13) PER16
Anão – 125 anos (Meia Idade)
(101 pontos de atributos – 460 pontos de perícia )
Perícias: Espingardas (65% ) Revólveres (65%) Interrogatório (97%), Armeiro (40%), Avaliação de Objetos (80%) Pesquisa e Investigação (66%) Barganha (65%) Burocracia (67%) Procura (66%) Sobrevivência (Cidades) 66%
Aprimoramentos: Anão (1 ponto) (Visão no Escuro, Pele Metálica com IP2 Natural, Má Reputação) Dívida de Gratidão (2 pontos) Contatos e Aliados (3 pontos) Submundo (2 pontos) Curioso (-1 ponto) Mania de Perseguição (-2 pontos)
Histórico: Deni Goldhamer nasceu no Império Anão, mas ainda jovem afastou-se de lá para sair da sombra do pai e conquistar sua independência com seus próprios métodos. Acreditou que em Bretor estariam as oportunidades que buscava e conseguiu efetivamente algum destaque dentre os grandes da cidade, fundando um hotel de luxo na Avenida Red Goblin, uma das mais importantes e movimentadas da capital do reino.
Contudo, Deni acabou envolvido com o tipo errado de negócio quando acidentalmente descobriu as tramóias de um de seus mais assíduos clientes. Teria sido morto na mesma noite se sua língua não fosse tão afiada quanto sua curiosidade. Entretanto, o preço a pagar foi alto demais. O Gold Hotel de Deni acabou tornando-se com o passar dos anos um ponto de encontro para bandidos e prostitutas. A cidade cresceu à sua volta engolindo com seus prédios a luz que purificava o lugar e atualmente o velho casarão secular não atrai clientes por seu conforto ou comodidade, mas sim por sua neutralidade.
O Gold Hotel só é freqüentado pela pior espécie de assassinos e ladrões. A milícia do reino faz vista grossa para o lugar graças à influência de Deni dentro do Departamento de Polícia da Capital. Metade dos cafetões e mafiosos lhe devem favores ou dinheiro, e a situação não é muito diferente em relação à milícia da cidade. Infelizmente, nem todos os seus contatos estão dispostos a pagarem suas dívidas com dinheiro, e algumas vezes o fazem com chumbo. Por isso, Deni raramente abre mão da proteção de seu Hotel agindo pessoalmente.
Interpretação: Cada sombra no seu caminho esconde um risco ou uma oportunidade. Geralmente, ambos. Nunca confie plenamente e sempre tenha um plano de escape por baixo da manga. Qualquer um que ouse lhe desafiar deve sumir rápida e definitivamente – a não ser que seja mais útil vivo. E mesmo que sua mente esteja mastigando o pior dos insultos, nunca aja de acordo com o que esperam. Você é educado com quem deve ser, e rude com quem merece. Nada mais justo.
Aparência: Deni Goldhamer é um anão de meia idade, um tanto gordo e atarracado até mesmo para os padrões da raça anã. Sua pele é de um tom incomodamente dourado, herança da família de seu pai. Cabelos dourados ralos na cabeça careca contrastam com a longa e bem cuidada barba, adornada com sete anéis de ouro. Costuma vestir roupas elegantes quando está em seu hotel, mas nas raras vezes que sai não dispensa um sobretudo e chapéu.
Texto e fichas por Armageddon
Ilustração (que se perdeu) era do Dan Ramos do Pensotopia