Tendências de D&D /Tormenta RPG: Como não amá-las? Vou protegê-las!

Recentemente o Roen publicou aqui um artigo sobre o ódio dele a mecânica de Tendências do D&D /Tormenta RPG. Como admirador da regra, resolvi contribuir com alguns centavos sobre a questão. Sente a bunda e aproveite a leitura, porque é curtinha.


Concordo com o principal argumento do Roen: o uso das tendências em jogo é enviesado pela bússola moral de mestres e jogadores sobre esse conceito. Isso acarreta em inúmeros conflitos nas mesas e fóruns de discussão, ainda mais nestes tempos conturbados de crise institucional, relativismos e polarização.

No entanto, ao invés de rejeitarmos a mecânica e o conflito que ela gera, porque não abraçá-la e buscar o que ela pode nos oferecer? Como prometi um texto curto, vou me focar no Bem x Mal.

Um mundo de heróis

Eu gosto de jogos sobre heroísmo e altruísmo, e a cultura pop está cheia de obras e protagonistas do gênero: Aragorn, Luffy, Batman… Talvez alguns achem que são suas habilidades fodarásticas que os tornem bons personagens, mas eu vejo diferente: o que os torna grandiosos são suas convicções, por vezes tão bem trabalhadas, que a audiência — que confunde personagens bondosos com enfadonhos — nem percebe.

Outro ponto é que num mundo cinzento e confuso como o nosso, é acalentador ter estes exemplos… a ideia de que sempre há um jeito para fazer o certo, mesmo que seja muito difícil. Neste conceito, o mal advém da nossa fraqueza e incapacidade de resolvermos os problemas de outro modo. Ou seja, podemos tentar ser melhores e mais fortes, ou sucumbir ao que temos de pior.

A tendência Bondosa indica o respeito do personagem pela vida e a dignidade dos seres conscientes. Ela é a lembrança de uma diretriz, um “código de honra” a ser seguido. Nos jogos de fantasia clássica, essa integridade pode (e deve) ser apoiada também com poderes e reconhecimento; em contraponto ao personagem neutro que não se compromete.

Então a questão é: o que você quer levar pra sua mesa? Mais do mesmo que vemos ao nosso redor (ou até pior), ou um lugar inspirador? Não existe resposta errada aqui, e nada impede que você jogue ambos. São apenas escolhas, e pros meus jogos de D&D /Tormenta, eu prefiro a segunda opção.

Tendências: como não amá-las?

Batman e Superman são diferentes, mas ambos evitam matar, guiados por fortes princípios (ao contrário do que mostram certos filmes…) O fato de se manterem firmes nessa convicção, ao invés de recorrerem a soluções “fáceis”, os engrandece como heróis.

Gente que faz ruindade também sofre

Num jogo que pressupõe heroísmo, os conflitos de tendência não deveriam ser vistos como limitações aos jogadores, mas possibilidades! Eu não vejo problema num personagem jogador sucumbir a mesquinharia, cinismo, vingança e/ou ganância. Meu problema é que muitos jogadores não querem arcar com a consequências narrativas e mecânicas disso! Toda ação gera uma reação, oras!

Se você faz algo ruim, vai perder amigos e aliados, talvez até os poderes concedidos, ou então sofrerá crises de consciência. Faz parte da brincadeira, e existem inúmeros bons personagens na cultura pop que podem servir de exemplo. Nos quadrinhos, o Justiceiro é doente, ele literalmente não bate bem da cabeça, vive atormentado. O Professor Xavier fez algumas cagadas ao longo de sua trajetória com os X-men, e teve problemas em recuperar a confiança de seus alunos (nunca o fez completamente, ao meu ver).

Muitos dizem que personagens bondosos são rasos, mas estes estão sempre em conflito entre seus desejos e crenças, além da ameaça de perder seu prestígio e (por vezes) seus poderes. Se isso for bem trabalhado, pode ser muito divertido! Por outro lado, temos muitos personagens que fazem o que dá na telha, matam sem dó, e não querem sofrer as consequências de seus atos (ou reclamam quando sofrem). Quem é o personagem raso e infantil aqui?

Conclusão

Não estou aqui para cagar regra ou tentar solucionar um debate tão extensamente discutido. Minha intenção foi trazer um ponto de vista (entre muitos) sobre o uso das Tendências e o que considero que elas possam trazer de bom pro jogo com suas restrições e peculiaridades.

Em teoria, é possível fazer as coisas que descrevi acima sem esta mecânica, mas a presença dela, ao meu ver, ajuda a clarificar as coisas. A tendência coloca as diretrizes morais em foco e a associa com mecânicas de jogo. Por exemplo: o cavaleiro que descobre não poder tocar na espada sagrada, por ter mudado de tendência após sacrificar seus valores pela vitória.

E vocês? Como trabalham as tendências ao invés de ignorá-las ou minimizarem-nas?

Leitura associada

Recomendo o artigo A Lei e a Justiça, publicado pelo Nume Finório. Tem considerações bem legais a respeito de justiça e tendências.


Agradecimentos especiais ao Roen, que motivou o artigo; e ao Fábio Kabral, pela conversa sobre X-men e as cagadas do Professor X.

Você pode gostar...

Deixe uma resposta