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Estereótipos e Arquétipos: O que ajuda a compor um personagem.

Ao longo do tempo que convivi junto da comunidade RPGista eu já passei por um bocado de mesas, também já acompanhei discussões em foruns, treads e comunidades em redes sociais e quase que de uma certa maneira um assunto acaba sempre surgindo que é “Como eu devo interpretar o meu personagem?” uma variação desta pergunta é “O que eu devo fazer nesta situação se o meu personagem da raça X com a classe Y e com a tendência Z?”.
Ao menos 1d10+4 respostas surgem e cada resposta dada vai por um caminho diferente baseadas nas experiências individuais de cada pessoa. Muitas vezes com diversas respostas até que previsíveis e que caem em cantos confortáveis e confortáveis de mais. Alguns acreditam firmemente que existe uma maneira certa de você interpretar o seu personagem dentro de uma série de regras estabelecidas ao longo dos anos dentro do hobbie, enquanto outros acreditam que isto é muito mais íntimo do jogador e seu grupo. A minha intenção com este texto não é julgar como as pessoas jogam, mas discorrer um pouco sobre construção de personagens, interpretação e falar um pouco de algumas experiências que tive nos últimos meses.
Particularmente me acho um cara sortudo. Achei amigos que gostam de um estilo de jogo bem parecido com o meu, amigos os quais eu posso trocar ideias. Ideias estas as quais eu posso discordar e concordar sem medo de perder a amizade ou acabar em uma discussão tóxica. Hoje (no momento em que este texto está sendo escrito) de cabeça eu devo jogar umas duas ou três mesas nestes grupos fixos, variando em um RPG no fórum e dois grupos que eventualmente se encontram no final de semana para jogar online através do Roll20 (uma mesa de 13th era e outra de 5e) e se tudo der certo vou começar uma campanha de TRPG via texto. Entretanto apesar disto eventualmente eu sinto vontade de procurar outras mesas online, fora do meu círculo, para jogar com pessoas diferentes daquelas que estão no meu círculo.
Esta experiência me permite conhecer pessoas novas e conhecer as técnicas de cada narrador e a cultura de cada grupo. É uma experiência interessante, tenho que admitir, ela me trás muitos bons frutos mas também outros muito podres que eu preferia esquecer. Isto em conjunto com minha interação nas redes sociais me permitiu enxergar alguns padrões de algo que me incomoda medianamente: Como invariavelmente quando se discute como um personagem deve agir, na maioria das vezes ele é reduzido a um estereótipo. Baseado geralmente em questões, que para mim, são mais mecânicas e que ajudam a descrever algumas partes do personagem, mas que não dizem de fato o que ele é.
 
Para exemplificar melhor o que eu quero dizer vou contar uma história que ocorreu em uma mesa que joguei recentemente.

Senta que lá vem história.


Enquanto eu estava em uma destas minhas buscas por mais uma mesa para jogar me deparei com uma mesa nova de um conhecido, resolvi perguntar se havia vaga e incrivelmente consegui uma. Visto que o grupo era composto de iniciantes e muitos haviam feito personagens mais combativos resolvi fazer um Bardo para fornecer algum suporte. E a partir dai os problemas de caracterização começaram a aparecer. Eu quis fazer um cara que seu conceito era simplesmente ser um cara estupidamente legal, um cara gente fina e que atraísse as pessoas por conta de seu magnetismo pessoal. Ele não seria um Bardo que pegava seu alaúde ou qualquer outro instrumento e tocava músicas que inspirariam heróis ou então um declamador de poesias, nem seria um arauto que conta as histórias dos aventureiros, ele seria um cara que daria palavras de motivação e que estaria disposto a conversar, um parceirão da galera.
Em resumo, ele seria mais aquele cara maneiro que te bota para cima quando você está mal. Aquele cara que quando fala que você consegue, ou que está disposto a te ouvir quando você está mal. Entretanto por conta da imagem formada que as pessoas tinham de bardos, eu era referenciado pelos outros como “o bardo” dentro da história, as pessoas que eu interagia na história se referiam a mim como “bardo” . Apenas de olhar na minha cara mesmo que eu nunca tivesse tocado um acorde ou cantado uma canção. Talvez por uma inabilidade do mestre em questão ou por conta dos próprios players iniciantes meu personagem era enxergado como o estereótipo e não pelo o que eu comunicava a mesa. 

O Papyrus também é um cara super gente boa.


Um outro exemplo que posso citar é uma discussão que li em uma comunidade no facebook a não muito tempo onde as pessoas discutiam a atitude de um samurai que havia executado inimigos indefesos e o que isto significava dentro do bushido ou se era uma atitude maligna ou o que seu senhor iria pensar deste ato. Consegue entender onde quero chegar? Se não, explico. É muito comum e fácil apelarmos para esteriótipos em nossos jogos quando estamos montando um personagem ou debatendo sobre um, muitas vezes apenas se baseando por uma escolha muitas vezes mecânica. Parece um papo meio zoado este, mas é algo que me incomoda um bom tanto. 
Apesar disto, não julgo quem escolhe utilizar destes meios. É uma metodologia razoável para quem quer montar rápido um personagem e simplesmente jogar com ele, é muito mais cômodo e fácil de se utilizar um personagem destes e elimina muita burocracia, e já te faz saltar para o que interessa de verdade que é o jogo em si. Por outro lado quando você como pessoa e não simplesmente RPGista começa a ter acesso a mais mídias (livros, músicas, filmes, quadrinhos, etc…) você começa a beber de muito mais fontes. Quanto mais você se alimenta de cultura como um todo, viaja, conhece pessoas e tem mais contato com mundo,  mais você é influenciado e mais sua própria bagagem de vida se expande.
Eventualmente por conta de todas as experiências que você viveu o que é “comum e fácil” talvez não te agrade mais tanto, ou você quer simplesmente contar uma história que para você pareça diferente do comum, ou quer tornar viva uma personagem que simplesmente brotou em sua mente. Vamos lá, é sempre assim, do nada você começa a pensar no seu personagem. Imagina seu cabelo igual ao personagem daquele anime, já começa a pensar na forma com que ele luta igual aquele protagonista do filme, se lembra daquele jogo antigo que você jogou a muitos anos atrás e como achava legal o desenvolvimento da história do personagem. Começa então a pensar na maneira com que ele enxerga o mundo, o que toca ele, o que despreza, na forma que as pessoas normalmente o enxergam e como ele próprio se enxerga trazendo uma tridimensionalidade ao personagem. E a partir do momento que você coloca no papel todas estas características aquele personagem de certa forma é único… mesmo que talvez ele se encaixe em um ou mais arquétipos já existentes e nem seja tão inovador assim.

E é a partir daí que acabam surgindo personagens como o samurai que não segue o bushido,  os feiticeiros que ficam curiosos de seus poderes e no lugar de simplesmente usá-los de maneira frenética buscam estudar-los, o bárbaro já velho que evita lutas desnecessárias e resolve conflitos de forma mais inteligente e baseado em sua sabedoria de vida… o monge que usa pistolas e luta meio que um GunFu tipo o Neo de Matrix.
 
 
Note que nenhum dos exemplos que eu dei é de fato inovador, e você pode estar falando agora “como você reclama de estereótipos se você próprio está citando um monte deles?”. Minha resposta para esta indagação é: Hoje criar algo 100% original é quase impossível, como disse antes você está a todo momento bebendo de fontes diferentes que vão estar te influenciando e claro existe uma diferença bem tênue entre um estereótipo é um arquétipo de personagem.
 
Nada de novo aqui para quem já tem um tempo de estrada. Prosseguindo…
 
Estereótipos geralmente tendem a estar baseados em cima de um senso comum do que é esperado ou que eventualmente acaba se tornando por uma extensa repetição da mesma ideia. Geralmente são uma visão limitada e pouco ampla de um conceito, quase preconceituosa muitas das vezes. Um exemplo bem fácil seria um bárbaro burro e que apenas bate sendo uma massa de músculos sem nenhuma personalidade.
Arquétipos por sua vez também são “padrões”, mas muito mais amplos. São independentes e podem se encaixar em mais de uma situação. Eles podem ser moldados de forma bem mais livre, mesmo que às vezes acabam caindo em um lugar comum ou caindo em algum “clichê”. Eles também possuem mais “área de manobra” para criação e para se trabalhar em cima.
 
Um exemplo seria um Paladino que anda de lugar em lugar fazendo o bem, entretanto ele não o faz porque acha que aquilo é o certo a se fazer ele o faz porque ele gosta, porque sente prazer por aquilo. Não é muito diferente do arquétipo do herói que estão acostumados, porém se aprofunda um pouco mais nas motivações do próprio personagem.
Tem um ótimo vídeo do Matthew Mercer do Critical Role onde ele fala de personagens pouco usuais, que vão contra as tropes que já estamos acostumados a seguir, fazendo uma alteração aqui e ali mais cosmética de como o personagem acessa os poderes de sua classe ou um outro ponto de vista da própria classe.
Apesar disto tudo, cada um destes elementos citados individualmente não formam nossos personagens. Quando acabamos juntando todos eles e quando em jogo permitimos moldar através da narrativa o que ele é, vamos dando forma e vida a este indivíduo ficcional. 
Talvez o que falte é um pouco de coragem de querer ser diferente para alguns, ou simplesmente uma visão mais ampla do que este sendo jogado. Ou talvez seja falta de referências e de vivência.
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