Houve muitos de nós, no começo. Omnarcas, Oneiromantes – nomes destilados. Eu mesmo demorei a crer. Podíamos realizar maravilhas. Podíamos tornar o pensamento realidade e mudar as coisas à nossa volta. E nem o mar, nem a montanha protestaram.
A primeira guerra desabou sobre nós e nos dividimos entre os que queriam algo e os queriam tudo. O mundo não suportou. Bani meus pais e os irmãos de meus pais quando pude, por sua ambição-horizonte, sua fome – e seu Poder maior. Eu seria o bastião dos que restaram, mas também governaria com meu próprio orgulho. Refiz a lenda que tanto deve ter existido: nós, os deuses; eles, os titãs.
Dei-me o nome de Omnon, para que fosse o único. Quando aquela era acabou, nós nos recolhemos e ficamos juntos nisso, os vitoriosos. Éramos uma família afinal. Mas meus pais haviam voltado de seu cárcere precário. E beberam vinganças. Dobraram as coisas de volta a um caos triste e por muito tempo reinaram, até que o cansaço os tomou e os devolveu ao sono. Eu havia plantando bem esse destino: eles sempre dormiriam, cedo ou tarde. Para que algo pudesse vigorar.
Mas estávamos cansados; paramos de divinar. Milhares de anos passam como o falcão no azul. E depois de tanto tempo eu não sou mais lembrado. Mal me lembro. Eu sou o eco no pó do grande templo, ali, onde a menina reza para outros. Há novas camadas nas terras de Irem e elas são bonitas. Não são para nós. E importa que cada era veja a si mesma repintada e que os sepulcros do esquecimento sejam acres e teimosos. Outros nascerão e outros terão de esperar; porque as forças que derrotamos são inaceitavelmente fortes e são o próprio Ciclo. Estou cansado ainda agora. Mas eles logo não estarão.
– O Diário do Primeiro Deus, Sexta Parte – citação do Oráculo de Arenda.
Continuando a tarefa de bagunçar conceitos clássicos de fantasia com dispositivos mais “científicos” (ou nem tanto) de descrição, trago desta vez uma ideia de divindades diferentes.
Nessa versão, os deuses de fantasia são nada mais do que entidades que superaram a carne. Seres racionais, telecinéticos incomensuráveis, abençoados com a capacidade de tocar a Áquera, a matéria escura que oscila entre dimensões de energia e movimento. Eles começaram como conjuradores poderosos, depois romperam esse momento para operar milagres mesmo sem gestos ou palavras; até chegar ao ponto em que libertaram-se de seus corpos materiais ou os mudaram profundamente.
Seus poderes não são fundados na fé, mas a fé os conecta às mentes pensantes e isso os alimenta e os reforça. Eles não concedem poderes: são as orações e preces e a própria substância da crença que dá poder ao clérigo, ao paladino ou ao druida e ao patrulheiro. Eles intercedem, se estiverem curiosos com o poder do pensante. Mas sempre que o fazem, o mundo reage mal: a Sombra, Áquera, castiga as terras com criaturas saídas de pesadelos. Um efeito colateral? Uma reação de outros Omnarcas?
Nesse modelo, qualquer conjurador pode ser um deus em potencial. Em níveis mais altos em D&D, Old Dragon ou Tormenta RPG (no 15º nível), remova a necessidade de componentes (Verbais ou Somáticos). Em 3D&T retire a necessidade de Clericato para conjurar magias especiais. Você ainda pode manter obrigações, restrições e outros códigos morais, mas elimine esses elementos na medida em que os personagens ganham ciência do que são. Aumente as vozes e os pesadelos na cabeça deles. Faça-os, por fim, entender que seu poder vem deles mesmos…
Oponentes poderosos neste contexto seriam outros Oneiromantes antigos: os “titãs” ou o “Grande Inimigo”. Um ser que dorme, de tempos em tempos, mas sempre retorna, cria um corpo absurdamente poderoso – olá, Tarrasque – e castiga o mundo. Apenas para, em seguida, assumir novas formas, até que tudo esteja alterado (não necessariamente para o mal).
Como tudo isso muda as igrejas?
Altos sacerdotes podem combater o conhecimento secreto sobre o poder divino. Grupos de inquisidores podem caçar mortais prestes a tornaram-se deuses – trazendo o caos para o reino. Os próprios deuses passam a ser vistos como aberrações de outro mundo e evitados ou repudiados por seitas de guerreiros, bárbaros e ladinos.
E você? O que faria se soubesse que seu deus é “apenas” um paranormal?
Até a próxima!
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A primeira edição da coluna Tecnofantasia está aqui: Diabos e Demônios Alienígenas.
A imagem deste post pertence ao filme Scanners (1981). Todos os direitos reservados aos autores.
(Grande Michael Ironside!)