Você sabe que está em um mundo de fantasia medieval quando o sistema quer te convencer que todo mundo com exceção do bárbaro sabe ler e escrever. Meu amigo, nós estamos em 2018 e temos educação grátis universal e ainda assim temos 4% de analfabetos completos e 65% de analfabetos funcionais, com apenas 8% de alfabetizados plenos. Que todos os heróis de fantasia sejam alfabetizados é a prova suprema deque estamos lidando com magia. É o método Elmister de alfabetização intensiva de heróis, com quase todos os agentes dos Harpistas dedicados a tarefa, provavelmente.
Mas será que as coisas precisam ser assim? Há muito a se ganhar como mestre ao limitar certos recursos que jogadores tomam como certos. Uma das minhas aventuras mais legais aconteceu quando o grupo obteve documentos importantes que poderiam provar a corrupção do nobre da região… e então tiveram que vasculhar um vale próximo por eremita que supostamente que poderia ler os malditos documentos!
Em minhas campanhas, a regra da casa é simples: ler e escrever é uma vantagem que precisa ser conquistada de alguma maneira. No antigo 3.0/3.5, dividi os idiomas conhecidos em versões falada e escrita, por exemplo, fazendo com que o personagem tivesse que escolher entre falar um novo idioma ou aprender a ler e escrever num dos que já conhecia. Isso uma vez gerou uma situação hilária onde o anão guerreiro do grupo falava comum e anão e sabia ler e escrever em comum, o que não era um problema até eles estarem explorando uma dungeon que era uma antiga cidadela anã e ele ter que admitir que não fazia ideia do que estava escrito no enigma em runas anãs que dava acesso a uma sala com tesouros.
Isso também dava oportunidades de certos tipos de heróis, como magos e clérigos, de serem úteis ao grupo fora do seu nicho arcano. O fato de que esses tipos receberam uma educação formal e são capazes por exemplo de compreender os detalhes de um contrato é algo que não pode ser subestimado. Por mais de uma vez, coloquei nobres malandros no caminho do grupo que tentavam utilizar de meandros legais para tirar vantagem dos personagens (recompensas menores que o combinado em razão de “multas por infrações do contrato” por exemplo).
E mais importante, a capacidade de ler e escrever dava uma nova profundidade aos personagens em geral. Um guerreiro ou ladino capaz de ler e escrever é facilmente confundido com um nobre, por exemplo, pelo simples fato que ler e escrever é imensamente relacionado com uma educação formal que é basicamente um privilégio da nobreza em qualquer cenário que dê atenção a parte medieval de fantasia medieval. Como é que o guerreiro sabe ler e escrever? Quem ensinou isto para ele, e porquê? Todas essas questões geram mais profundidade e mais possibilidades a um personagem do que poderia haver se ler e escrever fosse um padrão em vez de algo que o jogador decidiu investir em.
Por último, vale ficar um aviso sobre minha maior barrigada com relação a isto: não tente incluir a ideia de analfabetismo funcional. Ou o personagem é alfabetizado ou não. A ideia de que o personagem consegue ler, mas não consegue entender completamente o que está escrito é frustrante para todos os envolvidos. Especialmente quando um dos jogadores sabe a resposta de um enigma, mas tem que ficar chupando o dedo porque tecnicamente o personagem não poderia ter entendido o poema apresentado. Isso é especialmente contraindicado em jogos old school, pois vai diretamente contra a ideia da valorização da habilidade do jogador em detrimento de alguma habilidade escrita na ficha de personagem.