Pode não parecer um bom agouro começar uma resenha com uma citação a um livro infantil, ainda mais uma que parece tanto com um deboche do pensamento científico, mas é difícil não se pegar pensando nessa passagem específica ao jogar No Man’s Sky. Às vezes o jogo chega a parecer uma adaptação do personagem de Saint-Éxupery, embora reimaginado com uma roupagem de ficção científica hard: você assume o papel de um explorador espacial, viajando de planeta em planeta a bordo da sua nave, sem um objetivo muito claro na maior parte do tempo. Cada planeta é criado proceduralmente, usando um complexo algoritmo desenvolvido pelos criadores, capaz de gerar, segundo se anunciou, mais de 18.000.000.000.000.000.000 (dezoito quintilhões) de mundos diferentes.
Se parece demais, é porque é mesmo: calculou-se que, mesmo que você passe apenas um segundo em cada planeta, levaria cerca de cinco bilhões de anos para explorá-los todos. Se você quiser, portanto, pode ser um jogo para explorar durante uma vida inteira – muitas vidas inteiras, aliás.
A verdade é que uma experiência tão extensiva, no entanto, não tem como ser exatamente muito profunda. Se o universo de No Man’s Sky é absurdamente vasto, no fim das contas acaba parecendo também superficial demais. No seu cerne, trata-se de um jogo de sobrevivência, focado na extração de recursos naturais para melhorar seus equipamentos e mantê-los funcionando; são esses recursos que você encontrará com mais frequência nas vastas paisagens majoritariamente desabitadas de cada planeta. Nos momentos mais extremos há até algum combate, tanto no chão como espacial, embora os controles desajeitados o incentivem a não abusar muito da sua presença; mas o grosso da sua experiência de jogo se passará cumprindo a mesma missão do geógrafo citado acima: encontrando animais, plantas e minérios criados proceduralmente, e lhes dando nomes para compartilhar com outros jogadores.
É difícil não fazer um contraste com tudo o que foi prometido durante a produção, através de trailers que mostravam mundos cheios de vida e animais gigantescos, até a possibilidade de encontrar outros jogadores no meio de suas viagens espaciais. No Man’s Sky não cumpre exatamente tudo o que prometeu, o que deixou muitos jogadores enfurecidos com o desenvolvedor Sean Murray, levando a uma taxa recorde de devoluções e queda de vendas após a semana de lançamento. Isso ainda se intensificou com a quantidade de bugs que o jogo possui, levando às vezes até a travar a partida, que tem sido reduzida devagar com patches de correção. No fim, não há como tirar toda a razão de quem preferiu devolver o jogo.
Por outro lado, dentro do que de fato foi cumprido pelo jogo, de alguma forma ele se tornou algo que eu não consigo parar de jogar. Há muito nele que lembra jogos como Shadow of the Colossus ou Journey – jogos tomados por espaços vazios, onde a jornada é frequentemente muito mais do que o destino. Mesmo a trilha sonora, que por sinal é ótima, tem algo que lembra eles, com pequenos arpejos dissonantes tocados entre longos compassos de silêncio, gerando um sentimento entre a estranheza e o maravilhamento.
Para não dizer que simplesmente não há um objetivo a ser cumprido, o jogo lhe apresenta logo dois deles, um mais direto e de curto prazo, e o outro um pouco mais mais vasto e demorado. O primeiro é a busca pelo Atlas, uma espécie de entidade alienígena que o guia através de sinais pelos sistemas planetários, levando-o de um ponto a outro atrás de um objetivo misterioso. E o segundo é a busca por um elusivo centro da galáxia, e um destino misterioso que pode aguardá-lo quando o fizer. A verdade, no entanto, é que aqueles que buscarem alguma linearidade e senso de objetivo, como em um jogo mais tradicional, e apenas seguir atrás dos checkpoints sem parar por um instante para observar o que se encontra ao seu redor, são justamente os que não conseguirão entender o que ele tem de mais envolvente e fascinante.
O ponto é que mesmo os detalhes mais interessantes do seu enredo só são revelados na exploração, em monólitos espalhados pelos planetas que contam a história secreta de três civilizações alienígenas e a sua relação com o Atlas e os sentinelas, máquinas sencientes que protegem os recursos naturais dos planetas. Talvez seja sobre isso que No Man’s Sky seja, realmente: a sensação de descoberta e exploração do desconhecido. A inspiração óbvia são clássicos da ficção científica hard, em especial os de Arthur C. Clarke; o jogo até escancara essa referência, ao incluir citações de livros do gênero na tela de morte enquanto você é transportado ao recomeço da partida. Se é verdade que há algo de repetitivo na geração dos planetas, que frequentemente utilizam os mesmos padrões apenas rearranjados diferentemente, vez por outra ele ainda lhe surpreenderá com a beleza inesperada de uma paisagem alienígena, entre uma atmosfera surreal, plantas e animais bizarros e um outro planeta enorme nascendo como o sol no horizonte.
No fim das contas, No Man’s Sky é um jogo inegavelmente imperfeito, que promete muito mais do que cumpre, literalmente mira nas estrelas e talvez acabe errando por alguns anos-luz de distância. Mas é um jogo que ainda consegue ser fascinante e envolvente à sua própria maneira, se você tiver as referências e interesses que o ajudem a apreciá-lo. Eu sei que posso dizer que ele certamente aperta os botões certos em mim: no meu espírito de cientista, que encontra prazer na exploração e descoberta; e na minha infância de vastas horas gastas olhando para o céu noturno com o sonho distante de ser um astronauta. Mas talvez não seja, mesmo, um jogo para todo mundo.