Recentemente, no Facebook, alguém perguntou onde encontrar descrições de vilas e cidades de Tormenta para facilitar na hora de narrar para os jogadores e também como base na hora de inventar uma nova cidade. Bem, há muitas maneiras de se descrever uma cidade de fantasia para seus jogadores, mas há um pecado que você não deve cometer: nunca descreva sua cidade de fantasia como se ela fosse uma cidade medieval normal da Terra.
A razão é muito simples. Cidades artonianas não podem ser ordinárias, não enquanto elas estiverem situadas em um mundo onde mesmo o mais comum clérigo de aldeia é capaz de curar ferimentos e doenças com milagres, onde fazendeiros compram poções de alquimistas para melhorar a produtividade agrícola das suas terras (e as vezes misturam essas poções e criam um buraco sem fundo em vez do efeito desejado), onde o filho de sete anos da costureira da aldeia pode ser um feiticeiro com linhagem dracônica e mostrar no meio da rua pros amiguinhos as garras de dragão que ele descobriu como fazer crescer semana passada. Mundos de fantasia são, por definição, incomuns, exóticos, fantásticos. O que nos é ordinário, para um habitante de um mundo como Arton, é incomum. Uma cidade sem alquimia, milagres, magia ou qualquer traço do fantástico seria uma coisa anormal, ao ponto de provavelmente ser a principal característica a ser lembrada durante a sua descrição da cidade para os jogadores.
Além disso há de se considerar a quebra da ilusão de viajar por um mundo fantástico que você deveria prover aos seus jogadores como mestre de uma campanha de fantasia, se seus jogadores adentram uma nova cidade que se parece exatamente com a que apareceu no History Channel durante aquele dia especial num ano bissexto em que o canal tem um programa sobre história de verdade, bem, não é triste que o fato deles terem vivido para ver um programa de história no History Channel seja algo mais especial do que a cidade de fantasia que eles acabaram de adentrar com seus personagens?
Então, como descrever o dia-a-dia de uma cidade de fantasia de uma maneira condizente com o ambiente fantástico de Tormenta e outros cenários de alta fantasia? Em primeiro lugar, considere a densidade do fantástico no cenário, e aplique essa densidade na sua descrição. Em Arton, é dito que uma em cada dez pessoas tem a capacidade para se tornar um aventureiro, isto é, tem habilidades acima do que seria normal para nós. Então, quando você estiver descrevendo uma vila ou cidade, lembre-se que mesmo quando você estiver descrevendo algo que seria completamente comum, como uma madeireira, terá alguém incomum fazendo essa atividade de maneira extraordinária. Talvez um meio-orc, aventureiro aposentado com força 22, carregando toras de centenas de quilos nas costas sem problemas ou as crianças brincando na rua podem ter entre elas uma criança qarren conjurando pequenas magias de nível 0 para impressionar os amiguinhos.
Além dessas curiosidades entre os habitantes, a próxima etapa é considerar o efeito do fantástico no dia-a-dia da cidade. Se você parar para pensar, com uma densidade de uma pessoa com “superpoderes” (níveis de classe de aventureiro) para cada dez pessoas comuns, mesmo as menores aldeias terão acesso a recursos como alquimia e magia de cura. A alquimia é importante porque ela não é só usada para produzir poções de cura para aventureiros, mas também para melhorar a qualidade de vida de uma população. Por exemplo, a maior parte das descrições históricas dizem que as cidades da idade média eram fedorentas por conta do esgoto a céu aberto, certo? Mas a existência da alquimia permite a criação de banheiros (al)químicos! Junte essa higiene pública com magias de cura e, a menos que seja uma região afetada por uma praga poderosa, a maior parte da população será muito mais saudável que o normal mesmo para a época moderna. Para não falar de outros efeitos, como o já mencionado fertilizante alquímico, que estão já integrados no dia-a-dia de uma cidade de fantasia.
E por último e não menos importante, é preciso considerar o efeito que criaturas fantásticas tem no dia-a-dia. O exemplo mais comum em Arton são os Trobos, uma espécie de pássaro sem asas usado como alternativa mais barata ao cavalo, mas eles não são os únicos. Bichos de estimação fantásticos não são incomuns, do varano de Khubar ao tentacute, eles existem por todo o continente. Em determinadas localidades é possível encontrar outros animais fantásticos integrados ao dia-a-dia das pessoas: em Schkarshantallas há dragões bestiais utilizados como montaria pela guarda, em Khubar há lagartos gigantes usados como bestas de carga, nas Montanhas Uivantes mamutes são foram domesticados como rebanho pelos nativos, em Wynlla golens e mortos-vivos são utilizados rotineiramente como mão-de-obra pelos setores público e privado, entre muitos outros exemplos.
Veja bem, não estou dizendo que todos tem acesso a estes recursos e animais fantásticos, até porque é pouco provável que um trabalhador comum que faz um tibar de prata por dia e viva numa favela ou numa fazenda caindo aos pedaços nos confins do Reinado seja capaz de pagar por todas as comodidades disponíveis. Estes são luxos que só trabalhadores de classe média, mercadores e nobres conseguem obter com diferentes níveis de esforço. Diabos, no Brasil de 2015 menos da metade das cidades brasileiras possuem coleta de esgoto e apenas cerca de um terço delas tem tratamento de esgoto, um quadro que não tem chances de ser melhor em Arton. Mas estas maravilhas do dia-a-dia existem para fazer os artonianos sonharem com uma vida melhor, e para dar aquele sabor especial na descrição dos seus vilarejos e cidades de fantasia.