Recentemente tive o privilégio de ler o romance The Martian, de Andy Weir, cujo filme estrelado por Matt Damon e dirigido por Ridley Scott deve estrear no dia 2 de outubro nos cinemas. Vou guardar os elogios para uma eventual resenha do livro, porque o objetivo aqui é utilizar as lições do livro (e filme) para aventuras em uma parte de Tormenta que é relativamente deixada de lado tanto pelos autores quanto pelos fãs: Tamu-ra.
O antigo Império de Jade foi destruído pela Tormenta em 1390, exatamente 20 anos atrás considerando que atualmente estamos em 1410 na cronologia oficial do cenário. Durante os eventos da Trilogia da Tormenta, no entanto, a área de Tormenta que devastou Tamu-ra foi destruída, e a ilha foi libertada da corrupção lefeu. Isto aconteceu em 1405. Apesar de liberada da influência lefeu, a ilha não voltou a ser o que era, e provavelmente nunca será. A descrição no O Mundo de Arton fala em um deserto cercado pelo mar, uma verdadeira terra devastada onde um círculo inteiro de druidas tem que se reunir para fazer um ritual que vai criar no máximo um pequeno jardim. Consideradas as devidas proporções, o antigo Império de Jade é um lugar não muito diferente da Marte implacável que tenta matar o astronauta Mark Watney a cada página virada de The Martian. Em outras palavras, uma história sobre Tamu-ra não é a sua história padrão de Tormenta ou de fantasia como um todo. É uma história sobre sobrevivência contra chances quase impossíveis, onde só alguém teimoso demais para se deixar morrer pode ser bem sucedido.
Ok, mas como podemos traduzir essa tensão e senso de urgência de uma história de sobrevivência para a mesa de jogo? Afinal de contas, Tormenta RPG é sobre heróis realizando missões onde combatem vilões e monstros e salvam o dia e enchem a cara na taverna da cidade com todo mundo elogiando eles. Quase nenhuma mecânica do jogo é dedicada a quase qualquer outra coisa que não combate, porque é ali que a maior parte da ação se encontra em histórias de fantasia. O sistema de perícias e seus desafios de perícia podem ajudar, é verdade, mas o que queremos fazer é um pouco mais complexo que qualquer jogada de dados pode resolver. A tensão e senso de urgência de uma história de sobrevivência vem de uma desesperada tentativa de gerenciar recursos para sobreviver. Curiosamente, é exatamente isto que uma aventura de Tormenta RPG é.
O quê? Nunca percebeu como você tenta fazer seus pontos de vida, magias de cura, habilidades de classe, poções, usos de itens mágicos, etc, durarem até o climático combate final com o vilão da aventura, quando então o mestre levanta e diz “Ok, pessoal, cortamos aqui. Essa aqui é a XP da aventura. Vocês podem jogar semana que vem de novo?”, e vocês suspiram porque só tinham uns PVs sobrando quando o vilão caiu? Isso é gerenciamento de recursos. Isso é sobrevivência. Você não precisa de um novo sistema para jogar uma aventura como a de Mark Watney. Toda aventura de Tormenta RPG é uma aventura de sobrevivência. Só precisamos trocar a skin usada pelo sistema atual para algo mais adequado para representar partes de uma comunidade tamuraniana tentando sobreviver em vez de um herói aventureiro. Em vez do final da aventura representar o descanso dos heróis que repõe suas energias, representará a chegada do navio com suprimentos vindos do continente. É simples.
Sim, estou propondo que vocês joguem com um fazendeiro em Tormenta RPG. Sim, isto está fazendo sentido na minha cabeça. Não, ainda não perdi a sanidade. Acho. Para provar como isso pode atualmente ser divertido, antes de entrar nos detalhes, então, vamos determinar como isso vai funcionar, ok?
A minha proposta é dividir o jogo em duas fases. Uma delas é a já conhecida por vocês: heróis aventureiros fazendo coisas heroicas como derrotar monstros, frustar os planos de vilões, etc. A outra é uma mistura da primeira com brincar de casinha e funcionaria como uma aventura comum, com vários pequenos “combates” intermeados por cenas de interpretação e exploração com o final sendo uma luta desesperada contra o chefe de fase da aventura. O que mudaria nessa segunda fase seriam os personagens e os desafios dessa aventura. Então em vez de um guerreiro ou bárbaro, temos a milícia tentando manter a comunidade segura contra monstros e bandoleiros, em vez de um conjurador divino temos os responsáveis por manter a saúde física e espiritual da cidade (sejam eles médicos de Sallistick, uma congregação de clérigas de Lena, etc), e por aqui vocês já devem ter entendido o que quero fazer, certo?
E quanto aos desafios? Bem, em vez de monstros, temos ameaças à sobrevivência da comunidade que podem variar de uma praga nas plantações, um grupo de bandoleiros tentando roubar mantimentos, falta de comida e água, doenças afetando os colonos, etc. Cada personagem pode enfrentar qualquer ameaça com suas habilidades, mesmo que pareça estranho a primeira vista que a milícia possa causar “dano” à uma praga nas plantações, isso representa apenas que qualquer um pode ajudar em uma emergência, mesmo não sendo sua especialidade, ele apenas não será tão efetivo quanto, digamos, um fazendeiro enfrentando a mesma ameaça.
Ah, ok, mas onde entram os aventureiros. Afinal de contas, eles fazem parte de uma comunidade de reconstrução tamuraniana também, certo? Eles só vão aparecer na outra fase? Bem, não, aventureiros serão os pontos de ação/sentai durante a fase de reconstrução (ei, viu, já temos um nome melhor que “brincar de casinha”!). Cada “personagem” terá seus usos de pontos sentai (lembrando que os aventureiros que protegem essas comunidades são descritos como grupos sentai de acordo com O Mundo de Arton). Então você pode gastar pontos sentai para que aventureiros te ajudem com seu problema, seja ele uma luta contra piratas-ninjas (ei, é Tamu-ra, certo?!) ou uma praga na plantação de alface. E já que as fases de reconstrução e heroicas acontecem em sequência, o seu gasto de pontos sentai pode indicar ao mestre como preparar a próxima sessão. Legal, né? =)
Ok, quanto às cenas de interpretação e exploração que citei mais cedo, é preciso pensar em como interpretar não apenas um personagem, mas vários, como um grupo de fazendeiros, um círculo de druidas, um escritório de burocratas. A solução mais óbvia é escolher o líder do grupo para as interações sociais, ou então criar um pequeno grupo de personagens interessantes que você pode usar para situações diferentes (como um fazendeiro apaixonado por uma clériga de Lena para lidar temas ligados a saúde, um capataz da plantação para lidar com autoridades e burocratas, e por fim um carismático moleque filho de um dos fazendeiros que sonha se tornar um samurai para lidar com a milícia). Já as cenas de exploração são mais simples, e envolvem viagens em busca de suprimentos ou outras coisas necessárias para a sobrevivência da comunidade. Essas cenas, então, envolvem primariamente testes de perícias como Sobrevivência, Percepção, Conhecimento e outras que podem ajudar os exploradores a alcançar seus objetivos. Um ou outro combate, seja contra monstros ou para consertar uma roda quebrada na carroça de suprimentos antes que a comida estocada para a viagem acabe, também podem acontecer como pontos de tensão destas cenas.
Então temos os pontos principais de uma campanha de reconstrução de Tamu-ra já pensados. E agora? Bem, agora falta escrever as classes de personagem para a fase de reconstrução e um pequeno bestiário de ameaças para essa fase. Mas isso é assunto para outro post, porque agora quero ouvir o que vocês acham e refinar um pouco melhor a ideia antes de sentar para escrever as classes. Então, e aí?